A necessidade de transformar-se em um artista-etc

Por Diego Esteves*

Diego Esteves durante o seu espetáculo (Crédito: Fábio Zambom)

Viver de arte é difícil, ao menos financeiramente falando. É o que muito se ouve neste meio. Não discordo, mas acredito que pode ser diferente. Tudo depende do que se faz, do modo como se faz, da organização e da qualidade do trabalho. Além de se ter o espaço necessário para apresentar sua obra e pessoas interessadas em vê-la. Mas como operar para chegar a esta condição?

Quando o Nonada me convidou para compor um dos textos da editoria de Economia da Cultura, me pus a pensar em por onde começá-lo. Do meu ponto de vista, o de artista, a sustentabilidade é uma cara questão. Ainda estamos engatinhando neste sentido. E digo estamos, pois a maioria dos grupos tem pouco tempo de existência e mesmo os mais antigos têm dificuldade de se manter, com raras exceções. Sabemos fazer arte, mas muitas vezes não conseguimos colocá-la dentro da sociedade atual. Existe um mercado de cultura, de arte, e mesmo não sendo a favor do sistema, precisamos fazer nosso trabalho circular. Além disso, é somente aceitando e adentrando este sistema que se pode, de modo transgressor, modificá-lo.

Nesta edição, o assunto é a ação do Estado na sustentabilidade dos grupos. A ação mais efetiva com relação aos grupos e aos artistas independentes, são os prêmios lançados através dos editais. Considero uma ação um tanto paliativa, mas efetiva e de grande valia. Principalmente se a verba for usada pelo grupo como um investimento para multiplicar este recurso futuramente. Tanto é frágil este formato que já está em funcionamento o Sistema Nacional da Cultura, com modificações na forma do Estado prover suas ações.

Uma delas é o fundo setorial da cultura, que é dividido por áreas. Aí entra uma das modificações mais importantes: ao invés de serem prêmios menores para criação de uma obra, por exemplo, eles são direcionados a manutenção das atividades de um núcleo, ou de um espaço, por doze meses. Estamos na espera da abertura dos editais para dividir as fatias deste bolo: são verbas para a cultura inéditas neste país. Isso cria uma expectativa tão grande quanto pode ser o desânimo numa posterior não aprovação do projeto enviado.

Os editais são formas importantes de manutenção do fazer artístico e é indispensável se preparar para escrever um bom projeto, além de ter idéias e atividades interessantes para tanto. Dentro deste contexto muitas questões são relevantes, das quais pretendo pegar dois pontos: o acesso dos indivíduos aos editais e a importância desta verba na sustentabilidade dos grupos e artistas em seu fazer artístico. Para tanto, usarei minha própria experiência, como artista, diretor, produtor e praticamente, ao menos em alguns momentos, um cansado burocrata.

Sou coordenador e diretor do Núcleo de Estudos e Experimentações com Circo e Transversalidades, o NECITRA. A história desse grupo começou em 2008, quando escrevi um projeto, como artista independente, para o edital de Bolsas para Criação e/ou Aperfeiçoamento de Números Circenses. Quando fiquei sabendo do referido eu estava há doze meses em Porto Alegre. Antes, em Santa Cruz do Sul, onde morava, não sabia da existência destas ações do Estado na promoção da cultura. O projeto foi contemplado e a partir daí busquei profissionais para a sua realização. Foi desta forma que cheguei até o Centro MEME e ao Paulo Guimarães, diretor do mesmo, que me orientou nas pesquisas. E foi a partir desta pesquisa, e do convite do centro, que criei o núcleo.

Poucos meses após enviar o relatório final deste projeto foi aberto o edital do Prêmio Carequinha de Estímulo ao Circo 2009. O projeto que desta vez escrevi, neste momento como NECITRA, tinha dois objetivos: criar um espetáculo, dando continuidade à pesquisa iniciada com a bolsa e criar uma rede circense do Rio Grande do Sul. O primeiro objetivo vinha ao encontro das minhas demandas enquanto artista, de seguir com as pesquisas e criar uma obra, tendo recursos para tanto. O segundo foi um desdobramento do primeiro: era o artista interiorano buscando uma maneira de descentralizar estas informações, de poder dividir com os pares a possibilidade de acessar essa verba, que é pública.

É preciso ser um artista etc. (Crédito: Fábio Zambom)

Novamente o projeto foi contemplado. Iniciei então as pesquisas do espetáculo ao mesmo tempo em que pensava na criação da rede, num formato onde ela efetivamente desse conta de seu objetivo. Logo conclui que a verba era pequena demais para as minhas pretensões e tratei de buscar uma solução. Tinha a meu favor um projeto em andamento, que contava com um orçamento que desejava criar materiais gráficos e um site, além da circulação do espetáculo, oficinas e das parcerias através da rede. Com esses recursos previstos e o “alvará” do Ministério da Cultura e da FUNARTE dando crédito a ele, criei um projeto de captação de parcerias na forma de apoio cultural. Através deste, tive um ganho de mais de 50% do valor do prêmio, representado na forma de serviços ou cotas em dinheiro. Além disso, fechei uma parceria com o SESC-RS para efetivar a realização da circulação do espetáculo e das oficinas como uma das ações da rede pelo interior, assim como previsto.

Então, a partir das verbas dos prêmios foi possível realizar uma série de ações que concretizaram um núcleo que hoje dispõe de um espaço junto ao MEME – Santo de Casa Estação Cultural com uma boa estrutura para realização de suas atividades artísticas e pedagógicas. O que ressalto é a infraestrutura de produção e gerenciamento que foi criada com estes recursos (dos prêmios, das parcerias e também de um investimento pessoal): site, assessoria de imprensa, designer, material gráfico, veículo próprio e as parcerias que dão base para os projetos atuais bem como para os futuros.

Se a bolsa e o prêmio da FUNARTE foram o ponto de partida, o ponta pé inicial para a criação do NECITRA, assim como foi para outros grupos em atividade na cidade de Porto Alegre e no Estado, não foi o único meio de execução de seus projetos. Com isso, levanto a questão da importância da articulação dos artistas, que estes se assumam como produtores, empreendedores, buscando outras parcerias com o sistema público e privado. Minha experiência aponta para o fato de que muitos grupos se mantêm através dos prêmios, ou esperam por estes para renovar os trabalhos, equipamentos, etc. No entanto, os prêmios não podem ser o único suporte financeiro dos grupos. Não é muito sensato esperar o peixe, e sim aprender a pescar. E um bom pescador sabe onde o mar está propício para a pesca.

Outra questão que não pode passar despercebida é que muito artistas e grupos não ficam sabendo dos editais. Outros até tomam conhecimento e acabam não sabendo como redigir seus projetos, ou mesmo acreditam que não terão chances de serem aprovados e nem enviam. Por isso a criação da rede: ela tem o objetivo de ser um meio para que os grupos possam trabalhar de forma cooperativa, através de ferramentas como grupo de emails e o site para repassar informações. É uma forma de promover a arte circense, de potencializar os artistas através da troca, seja ela num âmbito técnico, estético, ou político. Estamos fazendo um mapeamento dos grupos e tentando aproximá-los. Já que a rede pretende também um intercâmbio entre os artistas, fazer circular não só o conhecimento, mas também os espetáculos de cada grupo.

Enquanto se pensa muito no financiamento público para arte, às vezes se esquece de outro importante e indispensável “investidor” deste fazer artístico: o respeitável público! Faço então as considerações finais: é importante buscar as verbas públicas, mas também parcerias privadas, bem como trocar conhecimentos e abrir novos espaços e mercados de trabalho através das redes, mas tudo isso precisa vir com o objetivo de qualificar as obras e criar público. Esse, ao meu ver, é um dos perigos dos editais: com o trabalho previamente financiado, alguns não se preocupam com o público, em realizar uma obra que troque algo com estes, ou antes de tentar entender quem é esse público. Na maioria dos casos, os próprios artistas. Mas aí fica muito pano para futuras mangas.

O artista também deve ter tino para os negócios? (Crédito: Fábio Zambom)

Muita dedicação e investimento são necessários para se conquistar a sustentabilidade, para poder se viver de arte. As ações do Estado atualmente têm contribuído para isso mais do que nos últimos anos. Pelo menos até agora, já que com a troca de governo nada é certo. De qualquer forma, temos ferramentas, espaços e público em potencial. O essencial é estudar, planejar, investir, e atuar considerando a condição da sociedade, onde já não basta ser somente artista, aquele que cria isolado do “mundo”. A contemporaneidade pede por artistas-produtores, artistas-empreendedores, artistas-diretores, artistas-multimídia, artistas-motoristas e etc: um artista-etc.

* Educador físico, artista circense e bailarino, coordenador e diretor do Núcleo de Estudos e Experimentações com Circo e Transversalidades (NECITRA)

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