Em frente a um mercado em expansão

Mauricio Bammann Gehling é professor do curso de Jogos Digitais da Unisinos, e recebeu a reportagem do Nonada em sua residência para conversamos sobre a sua trajetória nessa vida de desenvolvimento de jogos, além de suas opiniões sobre o mercado de games. Aproveitamos também para jogar um pouco de Playstation 3 , e conhecermos o Troféu Nave que ele ganhou na SBGames do ano passado de melhor game na categoria Jogo Independente para PC com oReflexor Zero. Para ele, o Brasil tem grandes chances de ser um dos maiores mercados de jogos digitais do mundo.

"Acho que a solução para revolucionar o mercado são os estúdios independentes, onde os caras não têm medo de ousar", diz Maurício (Crédito:Guilherme Brendler)

Nonada – Como foi o início da tua carreira?

Mauricio – Na época da minha graduação não tinham faculdades de jogos, então eu fiz a faculdade tecnóloga de informática  na UCPEL e no meio do caminho comecei a estudar 3D sozinho, mais de curioso. E aí quando eu me formei em 1998, eu consegui um estágio lá na Animaholics, que é uma produtora de animação para comerciais com sede em Porto Alegre. Fiquei ali por volta de três anos. Daí eu conheci o Rafael um cara que estava tri ligado com jogos e que trabalhava na Southlogic, depois quando eu saí do estúdio de animação ele foi o link para eu começar a trabalhar na Southlogic. Naquela época eles ainda estavam na UFRGS e tinham conseguido uma parceria com a ATARI, logo precisavam de gente para trabalhar com eles nos projetos.

Nonada – Quais foram os trabalhos que tu desenvolveu na Southlogic?

Mauricio – Foi o Trophy Haunter em 2003, o Dear Haunter 2004 e o 2005. No primeiro eu fiz a animação dos animais morrendo, tratava-se de um jogo de caça. Os caras caminhando, recarregando as armas, já nos outros eu fiz a construção do cenário e a modelagem de algumas casas e objetos.

Nonada – Como funcionava a sua participação no jogo já que a sede da Atari fica fora do Brasil?

Mauricio – A Southlogic usava a tecnologia brasileira, e eles fizeram toda a engine deles na UFRGS, o Plugin de Arte e de Capacitação do Estúdio, tudo eles fizeram ali. E eles tinham um projeto de jogo chamado Aquarius que era um RTS (Estratégia em Tempo Real) misturado com FPS (jogos em primeira pessoa). Eles tentaram vender essa ideia para várias feiras do mundo, E3 e tal. Mas nenhuma produtora gostou do jogo, entretanto algumas gostaram da tecnologia. E a Atari foi uma dessas que se interessou em utilizar a tecnlogia deles em um jogo próprio. Esse era o jogo de caça, que são os jogos mais baratos lá fora, custam a partir de 20 dólares. E aí quando eles fecharam o negócio, eles conseguiram a grana do projeto e produziram tudo aqui.

Nonada – Quais são as técnicas que um desenvolvedor de jogos deve possuir?

Mauricio – Olha, depende se for artista ou programador, porque são mundos bem diferentes. Programador é uma graduação normal, só que focado no jogo é mais complicado porque mexe com outras áreas como computação gráfica, física, etc. Quanto a parte artística pode-se ter conhecimentos de artes plásticas ou até arquitetura que são focados em cenários. Aprender a modelar para um jogo que é um pouco diferente, daí tem que ver um curso na área. Quem quer trabalhar com gamedesign (elaboração do conceito de um jogo) aí é um ramo em que entram várias atividades, mas psicologia, me parece uma das mais interessantes.

Nonada – São áreas bem abrangentes.

Mauricio – Pois é, porque um jogo lida com tudo. Se tu pegar um software é arte, mas também envolve coisas de diversão então é uma salada de fruta com monte de coisas. Por isso que é tão complicado de se fazer.

Nonada – Qual seu foco de estudo como pesquisador e como trabalha com a interatividade relacionado aos games?

Mauricio – O meu foco é gamedesign que envolve teorias sobre a criação de jogos que, por sua vez, envolve desde a psicologia até os diferentes estilos de jogos. Pesquiso as novas formas de interatividade com os jogos, desde o Wii até aqueles jogos experimentais em que o jogador sofre punições físicas reais. Alguns produtores alemães fizeram o Painstation, que é tipo um pong, tu joga com a mão numa rodinha e mexe o Pong e coloca a outra mão no sensor de dor. E sempre que tu levas um golpe, ou comete um erro dentro do jogo, também leva uma punição. Pode ser um choque, ou pode te queimar, porque liga uma luz forte ou um chicote náilon que bate em cima da tua mão. E se tu não agüentar mais e tirar mão, aí tu perde. É tipo de experiência que esses desenvolvedores levam nas feiras de jogos, mas não vendem por questões éticas e tal. Esse seria um exemplo limite de interatividade, mas não precisamos fugir muito, há exemplos conhecidíssimos do  Wii, o Nintendo DS, o Play Cam e agora o Move...

Maurício e o Prêmio Nave de Melhor Jogo Independente para PC (Crédito: Guilherme Brendler)

Nonada – Qual sua opinião sobre o projeto Playstation Move?

Mauricio – A gente teve esse ano no SBPS, eu e um grupo de alunos e eu consegui testar lá o Move. Achei ótimo, tem uma precisão perfeita na mão do jogador. Não dá para comparar  com o Wii. Para mim ele foi muito decepcionante nesse sentido, muito brinquedinho. No Move, por exemplo, tu podes jogar um FPS (jogo de tiro em primeira pessoa) como se fosse uma arma de precisão perfeita.

Nonada – Agora falando sobre a questão do suportes nos jogos, há o projeto da Microsoft, o Kinect, em que a figura do controle sumiu. Como você enxerga isso?

Mauricio – Eu acho interessante, mas é muito mais para jogos casuais ao meu ver, porque não há precisão, uma vez que não há nada na sua mão para medir. Como é que em um jogo de tiro tu vais virar e dar um headshot, essas coisas. E o público casual não vai comprar o Xbox e mais o Kinect porque é muito dinheiro a mais, ele compraria um Wii, então, mas vamos ver, né, eu aposto mais no Move.

Nonada – O que acha do mercado de games brasileiro?

Mauricio – Eu acho que tem condições de se desenvolver e tenho esperança no projeto Jogo Justo, se aquilo ali funcionar vai ser ótimo. Eu acho esse projeto essencial porque nosso mercado é sufocado, ninguém tem como comprar um jogo de videogame por 250 reais no shopping. A Nintendo e a Nanco querem vir para cá, eles sabem que é um mercado gigantesco e que todo mundo joga, mas como é que eles vão lançar aqui, por três vezes o valor. Então, primeiro tem que ter uma base para todo mundo começar a comprar e estimular as pessoas que compram jogos aqui.

Nonada – A seu ver, então, há possibilidades nesse mercado?

Mauricio – Sim e são gigantescas, no México baixaram os impostos, acho que faz uns cinco anos, ou menos. E agora cerca de 2% do mercado mundial de games são eles que consomem. O Brasil hoje, se não me engano, consome 0,5% do mercado mundial. E olha só o nosso tamanho em relação ao México. Somos o povo que mais usa a internet, depois dos americanos no mundo. Muitos jogam e tal, então a chances de crescer aqui são absurdas…Pode crescer 20 vezes em poucos anos, se baixaram os impostos e as coisas começarem a crescer realmente, né. A gente tem artistas de altíssimo nível por aqui, mas por enquanto para crescer eles têm que ir para fora. Não ficam desenvolvendo aqui. Agora se baixaram os impostos, tenho certeza que as empresas grandes descem aqui e começam a abrir estúdios, que nem a Blizzard fez aqui só para o lançamento do World of Warcraft 2, então está vindo aos poucos e se baixar os impostos e abrir as portas para a isenção fiscal, eles vêm direto. Hoje, acho que esse é maior mercado que eles querem entrar.

Nonada – Apesar de não termos grande poder de compra, academicamente falando aumentou bastante a pesquisa em jogos de videogame, não?

Mauricio – Com certeza, hoje tu podes fazer um trabalho de doutorado com foco em videogame que tu é bem aceito. Antigamente tua orientadora nem considerava isso.

Nonada – E o teu jogo Reflexor Zero recebeu o prêmio Nave. Como foi a produção do jogo e o quanto significa essa conquista?

Mauricio – A premiação aconteceu durante o Festival do SBGames, que é o congresso da Sociedade Brasileira de Computação. Foi a primeira vez que houve um patrocínio, a companhia Oi resolveu bancar o prêmio Nave. Fizeram até uma espécie de Oscar com cerimônia e tudo mais. Esse ano acontecerá em Novembro em Florianópolis. Ganhar o prêmio foi bem interessante, sempre dá visibilidade, né. Na verdade, o Reflexor é o protótipo da ideia de um jogo, que a gente ainda tá desenvolvendo nos estúdios da Unisinos. É que esse eu fiz em GameMaker, um software mais barato, de cerca de 20 dólares, e que é bem fácil de se mexer. Eu comecei a fazer com um colega do mestrado, tive a ideia de um jogo simples, mas ele desistiu porque estava sem tempo. Eu acabei fazendo sozinho, utilizava as horas vagas e o terminei em cerca de dois anos. O custo foi praticamente zero, eu fiz todas as partes, arte, programação. Mas esse agora é um protótipo, do mais completo e complexo que a gente tá elaborando na Unisinos.

Nonada – Fora o SBGames, acha que faltam eventos de Games no País?

Mauricio – Vale lembrar que o SBGames é um evento acadêmico, né. Agora  não acadêmico têm vários, há aqueles Anime Extreme, é claro que daí o foco não são sós os games, mas animes, cosplays, shows, etc. Em Santa Catarina, ano passado, teve o SC Games que era o curso de jogos de Santa Catarina que realizou. Agora eventos acadêmicos não conheço outro evento no País. E esses eventos são importantes por causa dos contatos também, em no SBGames que aconteceu na Unisinos em 2007, foi a primeira vez que a Sony veio aqui para o Brasil para falar do apoio as empresas nacionais e tal. Daí a gente conseguiu ter o nosso laboratório de PSP aqui na Unisinos. É o primeiro curso de graduação da América Latina que tem kits de desenvolvimento para  PSP.

Nonada – Desde 2007 isso?

Mauricio – Em 2007 eles vieram, mas só conversaram, o negócio fechou mesmo em 2009. E a gente tem agora aluno fazendo TC (Trabalho de Conclusão) sobre o hardware do PSP. Até quando a Ubisoft queria gente para trabalhar com o PSP, porque eles não tinham experiência a gente indicou várias alunos. Foram dois anos de negociação, tivemos que traduzir todo material que é o político pedagógico do curso para o inglês e passar para eles, assinar um monte de contrato. E tem a questão de segurança no projeto também, só entra quem assina os NDA, porque os projetos são todos segredos. Bastante burocracia, agora que está realmente funcionando.

Maurício mostra como funciona a CAM do Playstation 3 (Crédito: Guilherme Brendler)

Nonada – A procura pelo curso de jogos é sempre grande?

Mauricio – Sim, teve uma época, inclusive, que era o curso mais procurado da Unisinos. Agora, eu não sei como está, é que normalmente era aquele tipo de pessoal que saia do ensino médio, achando que vai entrar num curso de produção de jogos só para jogar e vê que não é bem assim, que é muito mais que isso. O foco é programação, mas a gente tem cadeira de arte, de gamedesign. Então os nosso alunos têm noção do geral, embora o foco do nosso curso seja a programação. Para quem quer ser artista é bom ter uma noção, mas não impede, né. Que nem eu, que me especializei mais em programação, mas agora trabalho muito mais na arte.

Nonada – Como foi que começou o seu interesse pelos videogames?

Mauricio – Comecei jogando River Raid no MSX, não sei se eu tinha oito ou dez anos, eu comecei a fazer uns cursos de MSX, programava em Logo, era uma linguagem de formação para crianças bem simples. E daí eu comecei a jogar e não parei até hoje, né. E o MSX teve o primeiro Metal Gear, jogos clássicos, da Konami. Depois eu tive o Master System, o Mega Drive, o Super Nintendo. Quando era mais adolescente eu parei um pouco com o videogame, tava naquela fase “ah, essa coisa é de criança, vou parar”. Daí comecei com o computador que seria uma coisa mais profissional, mas depois voltei com o Play 2 e o Play 3. Mas fiquei uma boa época só no PC.

Nonada – Tens algum jogo favorito?

Mauricio – É difícil, depende da época, porque o gosto vai mudando, né. Acho que o primeiro Devil May Cry, quando lançaram o Playstation 2 é muito bom. Achei incrível os gráficos e aquelas ações frenéticas. Agora o Uncharted 2 para o Play 3 achei muito bom também. Em termos de Gamedesign, eu sempre gostei de coisas mais simples do tipo, World of Goo sou muito fã, joguei duas vezes inteiro e acho uma obra prima. Incrível que apenas dois caras os fizeram, em uma Lan House. E diz que é o jogo que mais vendou no Wii, um jogo indie, como se chama.

Baseado em física e quebra cabeça, World of Goo é basicamente um jogo de construção. (Crédito: 2D Boy)

Nonada – Esses jogos mais conhecidos então não te atraem muito? Final Fantasy, Zelda….

Mauricio – Atraem, o problema é o tempo mesmo, não tem como eu dedicar tipo 100 horas a um jogo. Então RPG, geralmente, eu dou uma olhadinha, para ficar a parte do jogo. Final Fantasy consome o cara. Então eu gosto de jogos que custem menos e que acabem em pouco tempo.

 Nonada – Tu achas que esses games mais rápidos são uma aposta para o futuro?

Mauricio – Acho que sim principalmente para os estúdios pequenos, acho bem interessante, porque o risco é menor também. Se houver algum problema, eles não perderam muito dinheiro, ou tempo desenvolvendo. E a gente tem exemplos que dá para conseguir muito dinheiro com esses jogos.

 Nonada – Os estúdios grandes não levam esses produtores pequenos?

Mauricio – Olha eu já vi o contrário, gente dos estúdios grandes abandonarem esses projetos milionários que duram anos em troca dos estúdios menores, onde conseguem respostas mais rápidas. Mas não quer dizer que eu não goste por exemplo de God of War 3, enfim, de jogos clássicos muito bons. Agora falando de inovação em gameplay a gente  vê em estúdio menores coisas bem diferentes – do tipo que não veria em um grande estúdio, porque eles não querem apostar, não querem arriscar para perder dinheiro numa grande produção. Então você tem que fazer o dever de casa, jogos igual a todos os outros. Por isso que um festival de jogos independentes é tão interessante.

Nonada – Se inspirou em algum gamedesigner ou em um jogo quando começou a fazer , estudar jogos?

Mauricio – Ah, o Hideo Kojima (Gamedesign famoso pela série Metal Gear Solid), esses clássicos, apesar de achar que ter um bilhão de cut-scenes toda hora um tanto chato. Mas ele se preocupa bastante com a psicologia dos personagens, o que eu acho bastante interessante também. E um jogo que eu gostei muito agora foi o Heavy Rain também. Não é um jogo daqueles em que tu sai correndo e atirando, é mais com um foco psicológico.

 Nonada – Não acha que Heavy Rain talvez queira parecer muito um filme?

Mauricio – O problema pode ser isso, quando tu trabalha muito a história, ou a psicologia, o gameplay fica muito fraco, daí tu só caminha um pouco, aperta um botãozinho. Tu mais assiste, então o desafio é ficar no meio do caminho: fazer um jogo com o gameplay sofisticado, que tenha bastante ação e tal, mas que mesmo assim tenha uma história bastante rica . Heavy Rain foi o único jogo que eu platinei no Play 3.

Poeticidade no jogo Flower's Flow (Crédito: Divulgação)

Nonada – Uma pergunta um tanto quanto filosófica, você acha que videogames podem ser uma forma de arte também?

Mauricio – Acho que já são, porque programar é um tipo de arte,  fazer a máquina obedecer a uma série de comandos a partir de uma linguagem nova. A parte artística evidentemente é arte, porque tu moldar um personagem em milhões de polígonos é como se fizesse uma escultura em gesso, em argila, ou qualquer outra material. Na parte sonora o pessoal grava músicas com orquestra, então…enfim acho que é incontestável que é quase uma salada de vários tipos de artes diferentes. É uma arte multifacetada. Acho que a solução para revolucionar o mercado são os estúdios independentes, onde os caras não têm medo de ousar, de fazer coisas estranhas. Tem um pessoal que fez aquele o Flower’s Flow, onde tu comandas um vento e as pétalas de flores vão voando pelo cenário, um jogo bem poético também. Tem empresas focando em jogos não só violentos, mas que tentam buscar um sentimento.  Sou realmente fã do Team ICO, que fez jogos excelentes como ICO e Shadow of Colossus. O Last Guardian que vai sair ano que vem será um dos grandes jogos do PS3.

Compartilhe
Jornalista, Especialista em Jornalismo Digital pela Pucrs, Mestre em Comunicação na Ufrgs e Editor-Fundador do Nonada - Jornalismo Travessia. Acredita nas palavras.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *