O lado B de três grandes nomes da cultura brasileira

TEXTO Idiana Tomazelli

Zuenir Ventura e Luís Fernando Veríssimo, amigos de longa data, conversando na Feira do Livro (Crédito: Bruno Alencastro)

Uma conversa ao longo de cinco dias entre dois amigos que se conhecem há mais de 20 anos. Situação tanto prosaica, não fossem os personagens: Luís Fernando Veríssimo e Zuenir Ventura, dois dos grandes nomes da literatura brasileira. A testemunha desse encontro (e, muitas vezes, psicanalista e confessor dos escritores) foi o jornalista Arthur Dapieve, que registrou tudo no livro Conversa sobre o tempo.

A reedição do encontro – resumido em pouco mais de uma hora e meia – aconteceu na sexta-feira, 12/11, na abertura do I Seminário Nacional de Crítica e Literatura. Desta vez, o mediador foi o jornalista Roger Lerina. O evento integra a programação da 56ª Feira do Livro de Porto Alegre.

Num bate-papo manso, usando tom de voz baixo e calmo, os “rapazes” exaltaram a figura de Antônio Cândido como o último crítico literário de qualidade no país. Ainda ressaltaram que não há uma receita para escrever um livro que caia no gosto de todos. “É impossível escrever esperando agradar a crítica”, disparou Ventura. Veríssimo, por sua vez, garante que a crítica não influencia sua obra, “até porque não sou muito criticado”. “Minha obra não é muito respeitável”, desdenhou, ao que Lerina respondeu: “Imagina se fosse”.

Para espanto da plateia que lotava o Auditório Barbosa Lessa, no Centro Cultural CEEE Érico Veríssimo, os escritores, que também são jornalistas, afirmaram que não gostam de escrever. “É trabalhoso, doloroso”, disse Veríssimo. “A linguagem nunca dá conta da realidade”, completou Ventura, que contou também que, para ele, escrever é “quase como cortar a carne”.

Do público veio a pergunta de um participante ilustre e velho conhecido dos escritores. O jornalista Ricardo Kotscho – que veio à Feira para participar do lançamento do livro Lugar de repórter ainda é na rua – O jornalismo de Ricardo Kotscho, de Mauro Júnior e José Roberto de Ponte – questionou a influencia da Internet na literatura, e lembrou que nunca se leu tanto no Brasil como agora. Veríssimo concordou, mas ponderou que, ainda assim, não se pode dizer que há um mercado editorial forte no país. Ventura foi mais enfático. “A Internet salvou a escrita, apesar da linguagem estropeada”. Ele ainda avaliou que o número de escritores também cresceu nos últimos anos, mas que “quantidade não é qualidade”.

Um livro para desfazer a caricatura em torno de Lobão

Lobão destilou suas críticas na Feira (Crédito: Bruno Alencastro)

Com um “currículo emocional e sexual grande com o Rio Grande do Sul” (ele é casado com uma gaúcha), Lobão veio a Porto Alegre para lançar sua biografia Cinquenta anos a mil – que ainda teve a colaboração do jornalista investigativo Claudio Tognolli. A obra é tão recente que, para a palestra na Feira do Livro na quinta-feira, 11/11, não havia tido tempo para ser impressa – os editores distribuíram um libreto com o prólogo para que pudesse ser autografado.

Bastou um “E aí, Lobão…” dos mediadores Katia Suman e Arthur de Faria para que o músico acionasse a metralhadora e disparasse contra tudo e contra todos. Em sua opinião, Chico Buarque tem uma redação nota dez, mas é o pior pensador do país. “É o cocô do cavalo do bandido”, bradou, levando o público que lotava o Teatro Sacho Pança ao delírio – cena descrita como inusitada por Katia. “Nunca pensei ver alguém malhando o Chico Buarque e a galera aplaudindo”.

Sobre o livro, admitiu que, no início, não sabia o que escrever. Pretendia fazer algo em tom de denúncia, para “fuder com todo mundo”, principalmente aqueles da sua família (com quem não tinha uma boa relação), mas desistiu da ideia ao se dar conta de que, ao revisitar sua vida, passava a gostar mais dos pais. “Tem muita terapia nesse corpinho?”, perguntou Katia, ao que Lobão assentiu. Para ele, que já tentou cometer suicídio quatro ou cinco vezes, o livro trata dele tentando salvar ele mesmo. “No mínimo, eles vão deixar essa caricatura que fizeram de mim durante 20 anos”, apostou. A biografia ainda tem partes engraçadas – condizente com o espírito da palestra. “Eu sou minha principal maravilha. Até agora não me afoguei com minha beleza. Caetano já”, riu.

Na fala cheia de malandragem, Lobão contou que tudo que aprendeu foi de “orelhada”. Autodidata, abandonou a escola antes se formar. “Se eu continuasse a estudar, seria uma vítima do ensino brasileiro”, concluiu. A “infância ridícula” que teve também se deve em parte aos familiares, que “patrocinavam bullying sem saber” ao chamá-lo de churupito. A confissão do apelido arrancou gargalhadas da plateia. “Mas Lobão não é churupito”, fez questão de ressaltar.

Além de músico, Lobão é cantor e compositor (agora, também escritor). Contudo, algumas pessoas o reconhecem só pela última e mais recente ocupação, apresentador de TV – atualmente ele participa dos programas MTV Debate e Lobotomia, ambos da MTV. Quando alguém da plateia lhe perguntou como ele reage a isso, ele argumentou que as pessoas, mesmo não tendo vivido milhares de anos, conhecem vários aspectos da história da humanidade. “Você conhece Império Romano? Então faça o favor de saber quem em sou”, disparou.

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