Preparando o terreno para sir Paul McCartney

Texto Daniel Sanes e Leila Ghiorzi

Ex-beatle promete um grande show em Porto Alegre no domingo (Foto: Divulgação)

John Lennon dizia, horrorizando os católicos, que os Beatles eram maiores que Jesus. Talvez não seja para tanto, mas maiores que o Papa, certamente. A comparação é do jornalista Paulo Moreira, entusiasmado com a iminente apresentação de Paul McCartney em Porto Alegre. E o argumento é bom: o Papa é substituível; Macca é único.

Com mais de 30 anos de experiência na área da comunicação, Moreira já trabalhou em diversos veículos, muitos deles na área cultural. Atualmente apresentando o programa Sessão Jazz, na FM Cultura, o jornalista também é fã de outros estilos de música, como o blues e, claro, o rock’n’roll – até porque foram os Beatles que despertaram sua paixão pela música, ainda na infância. “Eu tinha uns oito anos e tocava no rádio Ob-la-Di, Ob-la-Da e Here, There and Everywhere”, recorda.

Se a relação com os Beatles é especial, com Macca, mais ainda. Afinal, o primeiro disco que Moreira comprou foi desse respeitável senhor de 68 anos que promete sacudir o Beira-Rio no domingo, dia 7 de novembro. “Eu sempre gostei muito das coisas do Paul, mesmo não sabendo direito quem era o cara. Aí, em 1971, ele lançou um compacto chamado Another Day, que era um sucesso estrondoso no rádio. O primeiro compacto que eu comprei na minha vida, com 11 anos de idade, era um compacto do Paul, ainda com aquele selo da gravadora Apple, com a maçã verdinha de um lado e cortada do outro”, diz, com orgulho.

Aliando paixão pelos Beatles e um vasto conhecimento sobre música, Moreira foi o responsável pela palestra Macca Chega Antes no Clio, realizada nesta quarta-feira, 3 de novembro, no StudioClio. No evento, o jornalista “destrinchou” a carreira solo de Paul McCartney, falando ao público sobre os principais sucessos – e fracassos – do ex-beatle, além de detalhes curiosos da vida pessoal do cara e sua relação com os ex-companheiros de banda. Antes da palestra, Moreira conversou com a reportagem do Nonada sobre Beatles, McCartney solo e a importância desse show para Porto Alegre. Confira a seguir a entrevista na íntegra.

Nonada – Os ingressos para o show esgotaram rapidamente aqui em Porto Alegre, e em São Paulo também. Quanto desse público tu achas que vai pela carreira dele e quanto é aquele público que nem conhece muito os Beatles, vai mais pelo tamanho do show?

Para Paulo Moreira, Macca é maior que o Papa: “o Papa pode ser substituído” (Crédito : Francisco Marshall)

Moreira – Um amigo meu tem um filho de oito anos de idade. O guri foi para a internet e descobriu, sozinho, os Beatles! Os Beatles realmente romperam as barreiras das gerações, da idade. Uma banda que terminou há 40 anos e está mais viva do que nunca… O lançamento dos discos remasterizados reacendeu o gosto das pessoas. Além das tragédias, como a morte do John, a agonia do George por causa do câncer. E o Paul veio fazer um show no Maracanã há 20 anos, e foi o maior público da história do estádio. Tudo isso ajuda a fermentar e a sedimentar esse interesse continuado pelos Beatles, até porque todos eles continuaram a tocar, fazer sucesso e gravar. A história da banda não morreu nunca. Aquele período de grande sucesso que eles tiveram, aqueles oito anos, de 1962 a 1970, rompeu essa barreira. E tem aquela velha rivalidade. Os Beatles terminaram. Os Rolling Stones continuaram, e seguem fazendo sucesso justamente isso. É exatamente ao contrário dos Beatles, que continuam fazendo sucesso porque terminaram, porque todo mundo lamentou, todo mundo ficou triste e imagina o que teria acontecido com a música se eles tivessem continuado. E os Rolling Stones não, eles fizeram sucesso e permanecem em evidência porque continuam a fazer música. São duas histórias diferentes, mas existe essa rivalidade que surgiu na época. Uma rivalidade, na verdade, de mercado, inventada pela mídia, pelas gravadoras e pelos empresários para fazê-los faturarem mais. As bandas sempre se deram bem, trocavam músicas, estavam sempre juntos. É interessante analisar isso: uma banda é perene porque terminou. A outra porque continuou.

Nonada – Tu achas que um dia surgirá uma banda que iguale o sucesso que os Beatles conseguiram?

Moreira – Acho que não, porque era um momento muito particular. Era uma conjunção de astral, quase. A gente estava saindo da Segunda Guerra Mundial, a Europa estava destroçada, em reconstrução. Eles surgiram em Liverpool, uma cidade que, apesar da guerra, tinha uma pujança econômica porque era um porto, uma cidade que tinha uma movimentação cultural por causa dos marinheiros americanos que levavam as mercadorias para a Europa e, junto, os discos de blues. A famosa Invasão Britânica acontece por causa disso. Todos aqueles jovens que tinham nascido no final da guerra e no período pós-guerra, como Paul McCartney, John Lennon, Eric Clapton, Mick Jagger, Keith Richards, todos aqueles caras que faziam música na Inglaterra, eles foram banhados pelos discos de música americana que estavam chegando, de blues e do começo do rock’n’roll, com Little Richard, Chuck Berry e, claro, com o Elvis Presley. Essas pessoas estavam sem muitas perspectivas, em função da situação em que estava a Europa. Então, elas passam a tentar uma saída para suas vidas e isso acaba desembocando na música.

Nonada – É interessante nos Beatles que cada um tinha uma característica, ao menos é o que transparece para os fãs. O George era o místico, o Ringo, o engraçado, o John, o rebelde e o Paul, o romântico. Como tu achas que isso afetou de alguma forma a carreira deles?

Moreira – Eu acho que esse era o caminho de cada um. O Ringo caiu meio de paraquedas nessa história, mas com sua qualidade de músico fechou o círculo dessas quatro personalidades que mudaram o mundo. O John era rebelde, revoltado, até pela sua história de vida. Ele foi criado pela tia Mimi porque o pai o abandonou e a mãe casou com outro homem e foi morar com ele em outro lugar. Quando o John está retomando o contato com a mãe, ela morre atropelada. Quer dizer, é uma existência muito sofrida, muito dolorosa. O Paul tem uma trajetória parecida. Ele tinha 12 anos quando a mãe morreu de câncer, e ela era a força que segurava a casa. Ele e o irmão foram criados pelo pai, que era trabalhador. Então, as crianças faziam comida e limpavam a casa. E, no meio tempo, ele pegava o violão e tocava para se distrair, porque ele estava sozinho em casa o tempo inteiro. Já o George, não. Era de uma família de classe média, o irmão mais moço da família, o caçulinha. E o Ringo é o cara mais sortudo do mundo! (risos) Estava tocando em uma banda que seria uma qualquer, acabou sendo escolhido para tocar na maior banda de todos os tempos e depois se tornou um ex-beatle.

Cerca de 70% do repertório será de músicas dos Beatles (Foto: Divulgação)

NonadaEssa coisa de ser um ex-beatle marcou muito a carreira solo deles, não? Nada do que eles fizeram conseguiu atingir o sucesso que os Beatles alcançaram.

Moreira – É diferente, porque na época os Beatles eram novidade. Eles foram a primeira banda que criou um fã-clube e uma histeria coletiva. Depois deles, vieram várias, mas localizadas e pré-fabricadas, com começo, meio e fim, como os Menudos e os Backstreet Boys. Tanto que a imprensa americana chamava os Backstreet Boys de os Pre-Fab-Five, em contrapartida aos Fab-Four, como eram chamados os Beatles. Nos Beatles, o Fab era de fabulosos. Para os Backstreet Boys, era de pré-fabricados mesmo. (risos) Mas a gente pode dizer que Imagine, do John, alcançou esse sucesso, tanto que as pessoas acham que é dos Beatles. My Love ou Live and Let Die, do Paul,  também. Elas poderiam tranquilamente ser músicas dos Beatles, se a banda tivesse continuado. Mas a gente não pode fazer esse tipo de conjectura, porque não sabe o que teria acontecido. Os Beatles terminaram em 1970. O que vem depois é o culto a cada uma daquelas figuras e ao que cada uma delas fez.

Nonada – Você acha que esse culto ao Paul não teve uma dimensão tão grande quanto poderia ter tido, ou foi diminuído em função da morte do John?

Moreira – Não, eu acho que o Paul mesmo se sabotou, mas conscientemente. Até a metade dos anos 70, ele não tocava músicas dos Beatles nos shows. Era uma escolha própria dele. Ele só tocava o repertório dos Wings, pois estava querendo provar para si mesmo e para o público que a vida dele continuava, que não era um ex-beatle, que ele não era um ex-qualquer-coisa. A música dele continuou, agora ele estava fazendo músicas com outras pessoas, de um outro jeito, para um outro público. Ele só começou a tocar músicas dos Beatles em 1976, em uma turnê com os Wings, uma ou duas, compostas por ele.

Nonada – Aqui em Porto Alegre, basicamente 70% das músicas do show são da época dos Beatles.

Moreira – Mas é claro, porque um dia ele começou a perceber que aquelas também eram músicas dele. Aquilo é legado dele, ele não pode negar aquilo. Tem a ver também com a reaproximação dele e do John, no final dos anos 1970. Aos poucos eles estavam se reaproximando, não tinha mais aquela rivalidade, eles já tinham superado isso. Até porque eles tiveram que se unir contra um antigo empresário, o Alan Klein, que os enganou e obteve os direitos autorais de diversas músicas, que depois foram vendidas ao Michael Jackson. Esse empresário enganou não só os Beatles, mas também os Stones.

Nonada – Qual é a importância do show para a cidade? Porto Alegre concorreu com o Rio de Janeiro, que é historicamente mais reconhecida no cenário cultural, e ganhou. Como tu avalias isso?

Moreira – O sucesso desse show vai permitir que Porto Alegre entre definitivamente no calendário de grandes shows internacionais. Já se fala em show do U2 aqui – ainda não confirmado. Isso é interessante, porque abre o mercado. Não é a mesma coisa, claro, mas nós tivemos o Metallica para 40 mil pessoas no começo do ano. Existe mercado para a banda, mesmo segmentada, em pleno verão. Existe a possibilidade, por exemplo, de Porto Alegre pleitear o show dos Stones, se eles voltarem a excursionar. Ou da Madonna, por que não? A cidade prova que está pronta para entrar nesse circuito. Radiohead, Bon Jovi, U2 e Elton John vieram ao Brasil para fazer shows em Rio de Janeiro e São Paulo. Por que não vieram a Porto Alegre? Porque a cidade estava fora do circuito, nunca tinha acontecido um evento dessa proporção aqui, que provasse para a cidade, para a mídia, para os produtores nacionais e internacionais que Porto Alegre comporta um show dessa grandeza.

Paul (à esquerda) era considerado o mais romântico dos Beatles (Foto: Divulgação)

Nonada – Podemos dizer que é o maior show da atualidade.

Moreira – Eu posso até dizer uma heresia, mas acho até que é a maior personalidade que já passou por Porto Alegre, porque o Papa agrada uns e desagrada outros. E pode ser substituído, daqui a pouco já tem outro no lugar. O Paul McCartney é só ele.  Essa vinda vai servir para provar ao mundo que Porto Alegre está no mapa e que comporta eventos dessa grandeza, se os empresários tiverem coragem para bancar. Porto Alegre tem público para tudo. Nesse ponto, estamos nos aproximando de São Paulo e Rio. Mais até do que o Rio, que está ficando muito festivo, muito show para dançar. Um show mais diferente, reflexivo, já encontra certa resistência. E Porto Alegre já está pegando um perfil levemente paulistano, de ter públicos para várias coisas diferentes ao mesmo tempo. E acho que o show do Paul vai permitir isso, que se pense em Porto Alegre como um lugar viável de se fazer um espetáculo de um grande astro pop. The Police, por exemplo, veio ao Rio de Janeiro, poderia ter vindo a Porto Alegre. Teria público, com certeza. Não o mesmo público do Paul, talvez não enchesse o Beira-Rio, mas o Gigantinho, sim. Porto Alegre está pronta para receber grandes espetáculos. A entrada da RBS na promoção do show ajudou e também atrapalhou. Complicou na história da venda dos ingressos, foi meio confusa, mas é o tipo de coisa que só se aprende errando. O próximo evento terá um perfil diferente, será conduzido de uma forma diferente. Apesar de estar lotado, houve erros na organização, mas tudo é uma questão de aprendizado. Na próxima vez será diferente.

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