Henrique Fuhro: o universo por trás das máscaras

"Música na Lagoa", de 1999 (Crédito: arquivo)

Quem visitar a Mostra Panorâmica sobre Henrique Fuhro no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, que fica aberta à visitação até o dia 27 de fevereiro, não deve esperar deparar-se com a obra de um artista gaúcho ligado ao seu território geográfico. Pelo contrário, deve preparar-se para apreciar o trabalho de um pintor, gravador e desenhista conectado com o seu tempo e tocado por questões universais, que bebeu das mesmas influências de outros artistas brasileiros contemporâneos ligados à pop art sem deixar de construir sua iconografia de forma muito particular.

"Tocaia", de 1975 (Crédito: arquivo)

Apesar de ter seus trabalhos figurando em importantes coleções de arte mundo afora, e das participações em algumas edições da Bienal Internacional de São Paulo, Henrique Fuhro (1938 – 2006) não está entre os artistas plásticos mais lembrados em seu Estado natal. A mostra no MARGS é uma boa oportunidade para conhecer o trabalho de alguém que teve muito a expressar sobre o espírito de sua época – talvez aquele que esteja justamente por trás das máscaras dos personagens que povoam os seus quadros.

Este espírito, com o perdão pelo trocadilho, fica escondido na referência a um personagem que foi inspirador para o artista: “The Spirit”, heroi criado por Will Eisner. As figuras melancólicas e instrospectivas dos quadros são vestidas com os trajes semelhantes aos de personagens das HQs, pelas quais Henrique Fuhro foi apaixonado. Como se pode saber através do texto exposto na mostra feito pelo curador, Renato Rosa, Henrique Fuhro apreciava os quadrinhos e os filmes de sua época assim como apreciava artistas consagrados, como Edvard Munch e Picasso.

Por trás das máscaras dos herois, emerge o vazio dos rostos incolores, e ao longo das séries de quadros com estas figuras mascaradas, a perda da individualidade pela repetição, e a transformação do homem em objeto. Todos iguais.

"Snack Bar", de 1974 (Crédito: arquivo)

A referência aos quadrinhos não está só nas máscaras que remetem a “The Spirit”. As figuras femininas, repetidas e espelhadas, lembram os traços dos “catecismos” de Carlos Zéfiro, autor de tirinhas eróticas que ficaram famosas nas décadas de 50 e 70. A mulher,  elemento central no conjunto de obras expostas, está sempre nua, sempre esbanjando a sensualidade de forma semelhante às mulheres das tiras de Zéfiro. Porém, nos olhos vazios de algumas delas, nota-se a objetificação: elas parecem não passar de manequins, também mascaradas pela própria cultura, a do consumo.

A cor irrompe nos quadros de maneira intensa, mas sem preencher as figuras humanas. O entorno dos personagens, suas roupas ou fantasias contrapõem-se à tensão das (in)expressões dos rostos sem cor, criando o que o artista chamava de clima. Este é exatamente o motivo pelo qual Luís Fernando Veríssimo o chamou de um verdadeiro “jazzista”: Fuhro criava contrapontos através de pinceladas e traços, assim como os músicos fazem com as notas e tons musicais. A composição findou na série de quadros retratando instrumentos do jazz.

Fuhro conhecia os mais importantes museus do mundo a partir de livros, e a este conhecimento ele juntou os elementos da cultura do cotidiano – em especial aquilo que fica subjacente ao imediatamente perceptível, às máscaras da sociedade. Publicitário por profissão, nunca chegou a fazer arte publicitária. Sua área era a de atendimento aos clientes, e talvez até paradoxalmente, uma interpretação provável de seu trabalho seja justamente a crítica à publicidade e à cultura consumista.

Quando questionado em entrevista que está afixada na exposição ao lado dos seus trabalhos sobre essa influência da iconografia de massas nos seus quadros, ele respondeu de maneira breve afirmando que o artista é um consumidor seletivo de tal iconografia. A sua estética lembra sim, até certo ponto, o estilo da publicidade gráfica, mas mais especificamente os elementos da cultura de massas.

"Dinorah", de 1976 (Crédito: arquivo)

O caráter panorâmico, e não retrospectivo, da mostra, permite um conhecimento retalhado, apesar de amplo, das linhas de trabalho do artista. Mas o que é uma mostra, se não retalhos das escolhas curatoriais? Neste caso, o curador Renato Rosa saiu-se bem ao reunir aproximadamente cem obras, entre pinturas e gravuras de diferentes coleções, e mesclá-las com trechos de textos de figuras conhecidas do cenário cultural porto-alegrense sobre o artista, como Gerd A. Bornheim e Jacob Klintowitz. Os textos falam não só dos elementos plásticos da obra de Henrique Fuhro, mas também de sua personalidade a partir dos pontos de vista de amigos.

Seria necessário um cuidado maior com a ortografia dos textos da exposição. Porém, os erros nos textos não tiram o brilho da iniciativa da mostra. Além dos trabalhos enquadrados nas linhas principais de trabalho de Fuhro, a equipe do MARGS conseguiu reunir belas xilogravuras da segunda metade da década de 1960 e diversas litogravuras, além de exemplares dos quadrinhos de Eisner e Zéfiro, as influências mais evidentes do artista. Sem contar a obra inacabada, a última realizada pelo artista: “Berceuse”, que integra a série dos instrumentos musicais.

Vale a pena uma demorada visita à exposição para conhecer o artista gaúcho pouco lembrado em sua terra, retratista da condição humana por trás das máscaras do cotidiano, e para além de qualquer fronteira geográfica.

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