Raimundos: em busca do espaço perdido na cena rock

Texto: Paulo Finatto Jr. (paulofinattojr@hotmail.com)

Fotos: Liny Rocks (http://www.flickr.com/linyrocks)

Desde que o cantor Rodolfo Abrantes deixou o Raimundos, em 2001, a banda vinha sofrendo com a instabilidade dos seus músicos e, como consequência, deixou muitas dúvidas sobre a continuidade da sua carreira. O grupo – que nunca encerrou oficialmente as suas atividades – retorna agora em 2011 para mostrar que as constantes crises internas ficaram no passado. Em turnê para promover o novo DVD ao vivo Roda Viva, o Raimundos voltou à capital gaúcha após oito anos para, acima de qualquer coisa, provar que desta vez a retomada é séria.

Por mais não possua a mesma visibilidade e a mesma representatividade dos anos dourados da MTV brasileira, o grupo ainda conta com um repertório interessantíssimo, sobretudo para os fãs que cresceram ao som de discos clássicos e polêmicos como Raimundos (1994) e Só no Forevis (1999). No entanto, a banda precisa atualmente reconquistar o que deixou aberto em quase uma década de ostracismo e de pouco destaque na mídia. Em razão disso, Digão (vocal e guitarra), Marquim (guitarra), Canisso (baixo) e Caio (bateria) prepararam Roda Viva – gravado na capital paulista no passado – para marcar de vez a volta do grupo ao cenário brasileiro.

De qualquer modo, o show do quarteto brasiliense não teve nenhuma grande novidade – sequer uma música inédita foi incluída no repertório. O grupo, que entrou no palco do Opinião às 23h35min do dia 26 de maio, retornou a Porto Alegre unicamente para saciar a vontade do público, que mesmo não ocupando plenamente a casa, compareceu em bom número. O atraso de mais de meia hora não só deixou as pessoas impacientes como ainda proporcionou uma abertura verdadeira intensa (e muito ovacionada) com “Fique! Fique!”, faixa retirada do controverso Kavookavala (2002). O pique do espetáculo continuou durante o hit “Esporrei na Manivela”, música que contou com praticamente todas as vozes do Opinião como apoio à performance de Digão. Na sequência, uma mistura de faixas recentes de pouco brilho, como “Jaws” e “El Mariachi”, e outras do imponente debut de 1994, como “Marujo” e “Rapante”.

Baixista Canisso é um dos dois membros remanescentes da formação clássica

Não há dúvidas de que o Raimundos possui no guitarrista Marquim e no baterista Caio a sua sustentabilidade. Por mais que Canisso não comprometa o espetáculo, tampouco o baixista pode ser apontado como o melhor músico do quarteto. Porém, Digão é quem deixa um pouco a desejar. Embora possua uma performance irreparável com a guitarra em mãos, falta muito fôlego para que a sua empreitada diante do microfone seja igualmente eficiente. Não é à toa que o grupo anunciou que Tico Santa Cruz, mesmo que de modo temporário, deve acompanhar o Raimundos ao vivo sempre que a agenda da sua outra banda – o Detonautas – permitir. Depois das bem recebidas “Opa! Pera aí Caceta” e “Pompem”, os caras ainda executaram “Nêga Jurema” que, pelas palavras de Digão, foi incluída de última hora no set list.

Entre as músicas mais rápidas – próximas ao hardcore californiano – e outras de apelo mais pop ou comercial, o público evidenciou a sua preferência pela segunda opção. A plateia cantou sozinha boa parte de “O Pão da Minha Prima” e, como não poderia ser diferente, acompanhou novamente a performance de Digão em “Mulher de Fases”, provavelmente o maior hit do Raimundos. No entanto, “Palhas do Coqueiro” – outra retirada do primeiro álbum – movimentou (e muito) o público gaúcho. Com uma câmera na mão, o frontman registrou as rodas punk que foram abertas na pista para o videocast oficial do grupo. Na sequência, “Be a Bá” e o curtíssimo hardcore “Macaxeira” não chegaram a impressionar, mas não comprometeram a continuidade do espetáculo.

Em seguida, “Pitando no Kombão” manteve o clima ameno do show, que misturou composições conhecidas do Raimundos com faixas mais alternativas, sobretudo da época de Rodolfo Abrantes com a banda. O grupo, que por muitos anos representou o que de melhor o país produzia dentro do rock (constantemente era o escolhido para abrir shows internacionais, inclusive de heavy metal), deixou para a reta final da apresentação a maior parte das suas músicas conhecidas e/ou populares. Em “Aquela”, a plateia gaúcha cantou junto mais uma vez. Na sequência, o hit radiofônico “I Saw You Saying (That You Say That You Saw)” inseriu uma dose extra de ânimo nos presentes, que não perderam o pique em “Me Lambe” e em (outra clássica da era MTV) “A Mais Pedida”. Digão, que perdeu boa parte do fôlego e da potência da voz se comparado com o início do show, contava com o apoio incondicional dos fãs nos maiores clássicos da banda. Por isso, pouco se reparava o desgaste do frontman do Raimundos.

Depois da mediana “Mas Vó”, o quarteto brasiliense encerrou o show com a sequência mais adequada para isso. Embora não seja a música mais imponente do repertório, “Reggae do Manêro” é uma daquelas faixas que o público certamente adora. A letra – uma das mais ácidas escritas pelo Raimundos até agora – foi acompanhada do início ao fim (principalmente no refrão) por boa parte da plateia. Em seguida, o frontman pediu que todos girassem as suas camisetas durante a execução de “Tora Tora”. No entanto, nada se comparou ao que o público fez durante “Eu Quero Ver o Oco”, provavelmente a música mais agitada da noite. Os fãs, que aguardavam o retorno para o bis, se despediram do Raimundos pedindo insistentemente “Puteiro de João Pessoa” – que estava programada para mais tarde.

O intervalo curtíssimo entre o show e o bis não diminuiu o ânimo dos cerca de 800 fãs que compareceram ao Opinião. Os pedidos incessantes motivaram Digão a declarar “vocês se amarram em um puteiro!”, o que, obviamente, serviu de incentivo para que os gritos fossem ainda mais fortes. No entanto, o cantor anunciou que executariam uma música diferente e que duvidava que alguém soubesse que faixa era. Porém, nem mesmo com o pedido para que um fã subisse ao palco para ajudá-lo na performance de “Duality” (Slipknot) foi suficiente para isso. De qualquer modo, Digão apenas arranhou algumas frases em inglês até que um corajoso da plateia assumiu o microfone, já na sua parte final. Na sequência, “Deixa Eu Falar” (de pouco brilho) antecipou o encerramento do show, com a aguardada e agitada “Puteiro em João Pessoa”.

O quarteto deixou o palco após 1h45min de show do mesmo modo que iniciou: sem cometer nenhum deslize. Porém, o que ficou na lembrança não foi nenhuma das quase 30 músicas executadas, mas sim as palavras de Digão: “o Raimundos acabou é o caralho!”. Na noite em que dividiu os olhares para com o show revival do De Falla – marcado para o mesmo horário em outra conhecida casa na capital gaúcha – os que compareceram ao espetáculo de Digão & Cia. não se arrependeram. Pelo contrário: eles reviveram uma época que – pelo o que se viu e ouviu – está armada para se repetir.

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