Enrique Peñalosa e a cidade que queremos

Economista e urbanista colombiano palestrou em Porto Alegre (Crédito: Divulgação/Fronteiras do Pensamento)

Por Caetano Braun Cremonini*

Imagine uma cidade com grandes e largas calçadas. Uma cidade na qual todas as ruas tenham, também, ciclovias seguras. Uma cidade na qual a estrutura para o bom funcionamento do transporte público seja mais importante que a estrutura voltada para os veículos particulares. Uma cidade compacta, com pessoas nas ruas, bares, cafés, bibliotecas e lojas. Pois esse imaginar foi o exercício proposto pelo economista e urbanista colombiano Enrique Peñalosa na última segunda-feira, 18 de junho, em mais uma conferência do Fronteiras do Pensamento 2012.

Com uma palestra intitulada “Uma cidade mais sustentável e amável”, Peñalosa dissertou de maneira bem-humorada e articulada, constantemente ilustrando sua fala com fotografias urbanas. O público que lotou o Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul era aparentemente simpático às suas ideias, como demonstraram os muitos capacetes ciclísticos dos espectadores e os constantes e entusiasmados aplausos.

O palestrante estudou Economia e História na Duke University, na Carolina do Norte (EUA), e fez seu doutorado em Administração Pública na Universidade de Paris II (França). Ele foi prefeito de Bogotá pelo Partido Liberal entre os anos de 1998 e 2001, gestão responsável por medidas como o Transmilênio (sistema de transporte coletivo inspirado no de Curitiba), o Distrito dos Parques e o Distrito das Bibliotecas. A sua gestão também chamou atenção por ter rechaçado uma proposta de construção de vias elevadas da Agência de Cooperação Japonesa, voltando os recursos para o transporte público, recuperação de calçadas e construção de ciclovias. Foi responsável ainda pela proibição de estacionamento no passeio público da cidade, o que conseguiu após uma grande discussão política. Em 2011, tentou uma nova eleição para a Prefeitura de Bogotá, dessa vez pelo Partido Verde Colombiano, sendo derrotado por Gustavo Petro.

Segundo Peñalosa, há um conflito por espaço entre pedestres e carros. Para resolver esse conflito, é necessário fazer uma reflexão sobre o tipo de cidade que queremos. Essa reflexão, por sua vez, levará ao questionamento de como queremos viver, porque uma cidade é um meio para a vida humana. Uma boa cidade é, para o conferencista, como aquela imaginada no início do texto, com ricos e pobres se encontrando no espaço público, com crianças nas ruas e pessoas caminhando.

O urbanista afirmou que a humanidade tem feito cidades para carros nos últimos 80 anos, mas nem sempre foi assim. Cidades existem há mais de cinco mil anos. “Um dia olharemos para o século XX como um desvio na história humana, e as pessoas pensarão ‘como podiam viver em cidades como aquelas?’”, previu ele. Modelos urbanos com grandes vias, calçadas espremidas e pessoas sitiadas, “sem poder atravessar as ruas, como gado entre cercas”, ilustrou.

Dentre as muitas lutas que assumiu na prefeitura de Bogotá, talvez a mais árdua tenha sido retirar os carros das calçadas. “Eu tinha cabelos negros antes de tomar essa decisão”, brincou o agora grisalho Peñalosa. Sua posição está baseada no fato do estacionamento não ser um direito constitucional, e das calçadas não serem parentes das ruas. “Elas são parentes dos parques”, explicou. Por esse parentesco, devem ser largas, bonitas e seguras, para que as pessoas caminhem com tranquilidade. O sintoma de uma cidade doente se dá quando os shopping-centers tornam-se o espaço público, substituindo as calçadas. Colocar carros sobre a calçada com o argumento de que elas são grandes o suficiente para comportarem pessoas e automóveis é o mesmo que colocar carros nos parques, disse.

Ainda sobre a questão do planejamento da cidade, ele dissertou sobre um tema especialmente importante para Porto Alegre. “Frentes de águas são um tesouro”, devendo ser, portanto, públicas e com grandes espaços para pedestres. “Se Porto Alegre tivesse uma mega-ciclovia de cem quilômetros em frente ao rio, ela não só melhoraria a qualidade de vida de seus cidadãos, mas também seria famosa em todo o mundo. Sejam conscientes do tesouro que vocês têm, que nós (de Bogotá), não temos”, suplicou em meio aos aplausos da plateia.

Sobre as bicicletas, Peñalosa – que participou de um passeio ciclístico pela cidade no dia anterior – disse que elas tornam as cidades mais humanas, alegres, divertidas e sensuais. “Pode-se flertar de bicicleta, não é necessário ter um Maserati”, brincou. Se hoje as calçadas são um direito, um dia as ciclovias também o serão: “Ciclovias constroem igualdade. Sua existência mostra que um ciclista com uma bicicleta de 30 dólares é tão importante quanto um motorista com um carro de 30 mil dólares”, afirmou.

Tratando especificamente sobre a questão do transporte, o conferencista comentou que o transporte costuma piorar quando a economia melhora. Esse é o modelo que deve ser invertido, e essa parece ser uma reflexão bem apropriada para o atual momento brasileiro. De acordo com Peñalosa, a mobilidade só melhorará com um grande investimento em transporte público e com uma cidade compacta. Ele afirmou seu entusiasmo no sistema Bus Rapid Transit, que prevê vias específicas exclusivas para ônibus expressos. Polêmico, afirmou ser essa uma saída mais inteligente que o metrô, que é ótimo, mas tem um custo de construção e manutenção muito alto – além de esconder os usuários de transporte público sob a terra.

Peñalosa afirmou ainda que “mais vias não resolvem engarrafamentos”. O que resolve engarrafamentos, para o urbanista, são medidas que restrinjam o uso de automóveis particulares, como o aumento de impostos automotivos e restrição ao estacionamento nas ruas. Isso porque os engarrafamentos dependem do número de viagens e do tamanho das viagens que as pessoas fazem por dia, que são aumentados com a construção de novas vias.

Por fim, o colombiano deu a sua versão de uma boa cidade. E ela se parece muito com aquela imaginada no início do texto. “Uma boa cidade não é aquela em que até os pobres se utilizam de carros para se locomover. É aquela em que até os ricos se utilizam do transporte público para se locomover”, descreveu. Algo a se refletir, especialmente para as gestões das grandes cidades brasileiras, palcos de gigantescos engarrafamentos e avenidas. “Uma cidade deve pensar que todos os seres humanos são sagrados. E também, iguais”, finalizou.

Há de se concordar, Peñalosa.

* Estudante de Jornalismo da UFRGS.

Compartilhe
Ler mais sobre
Coberturas Direitos humanos Processos artísticos

Ai Weiwei: “Muitas vezes, a violência política coexiste com nossa noção de uma vida pacífica”

Direitos humanos Reportagem

Como o racismo amplia a sub-representação de mulheres e homens negros na política brasileira