Recortes | Comics – O projeto J-Comi e a leitura online

O mangaká Ken Akamatsu lançou, em abril de 2011 (embora uma versão beta existisse já em novembro de 2010), o site J-Comi. O site disponibiliza mangás que já estão fora de publicação no Japão para leitura online ou para download em pdf, de forma não só gratuita, mas absolutamente legal. Na versão beta do site, o idealizador Akamatsu lançou todos os 14 volumes de sua própria série, Love Hina. Nos primeiros dois dias de teste, mais de um milhão de downloads foram feitos. O sucesso foi tanto que, para uma segunda versão beta (japoneses…), o projeto conseguiu colaborações com duas das maiores editoras japonesas, a Shueisha e a Kodansha, que disponibilizaram mais alguns mangás fora de publicação para o teste.

Akamatsu pensou no projeto como uma maneira de lutar contra scans ilegais de mangás, respeitando direitos autorais – sendo ele próprio um autor -, mas pensando também no público leitor. Com total autorização dos artistas originais das obras, o site se mantém apenas com o dinheiro recebido da publicidade veiculada – que, com tantos acessos, certamente não é pouco. Tanto que o J-Comi existe até hoje, com mais de cento e cinquenta títulos disponíveis totalmente de graça para os leitores – e em expansão.

Hoje em dia, existe, claro, um sistema de usuários: você cria uma conta e tem acesso a mais conteúdo (mangás hentai inclusive) e pode colaborar com dinheiro e virar usuário premium com mais privilégios. O J-Comi tem projeto de “anistia” de mangás, em que scans ilegais de mangás são “legalizados”. Funciona assim: um usuário cadastrado posta, anonimamente, uma cópia scanneada não autorizada (pirata) de um mangá no site do projeto; o J-Comi entra em contato com o autor, consegue autorização, põe o mangá no seu viewer, com publicidade, e reverte parte desse lucro para o autor, outra parte para o projeto. O artista passa a lucrar com uma cópia pirata que não traria, de outra forma, qualquer lucro para ele; o leitor ganha acesso grátis a um mangá de uma forma que recompensa o autor por seu trabalho (ao contrário da pirataria); e o projeto ganha mais fundos para se manter e expandir, podendo publicar mais mangás e aumentar o número de visitas para atrair mais publicidade. É um ótimo ciclo vicioso.

O projeto deu tão certo que começou a trabalhar com o Google para buscar uma maneira diferente e mais eficiente para o seu viewer, a plataforma de leitura dos quadrinhos – que facilite, além da leitura, a publicidade. É, de fato, uma ótima maneira de acabar com as cópias ilegais – o trabalho é disponibilizado de graça para o público ao mesmo tempo em que o autor não se sente prejudicado pelo uso de seu material. E é uma forma tão óbvia que chega a ser ridículo ninguém ter pensado nisso antes – o rádio e a televisão aberta funcionam só com publicidade e nunca tiveram problemas com isso.

Na verdade, tem dado tão certo que, em dezembro do ano passado, Akamatsu anunciou uma versão beta em inglês (e chinês, francês, coreano, espanhol e outras línguas) para alguns títulos – com tradução automática, que, penso eu, seja também ligada ao Google. Só a versão em inglês já aumentaria o público potencial tantas vezes que possibilitaria, talvez, a disponibilização de mangás ainda em publicação (já que o site só disponibiliza mangás antigos, que não estão mais sendo lançados, assim como menos conhecidos) ou quem sabe de quadrinhos de outros lugares que não só o Japão.

Na mesma ocasião desse anúncio, Akamatsu revelou também um aplicativo para Android em japonês e em inglês para a leitura dos mesmos mangás publicados no site. Usuários registrados do site poderiam ainda fazer o download do pdf desses títulos para o seu aparelho. O autor indicou também que traduções reais (feitas por uma pessoa e não uma máquina) estavam sendo planejadas para o site.

Tendo como um de seus objetivos ajudar a proteger mangás (principalmente os antigos e menos conhecidos) e mangakás, promovendo métodos alternativos de distribuição que respeitem o direito autoral, mas sejam de graça para o leitor (para combater a pirataria), o J-Comi é uma iniciativa pioneira na leitura online de quadrinhos – e é, até onde eu saiba, a única que tem sucesso.

Sendo eu alguém que acredita na internet e tenta incentivar projetos que eliminem o intermediário (editora, gravadora, produtora) entre o público e o artista, não posso deixar que querer que uma iniciativa como essa se torne não só conhecida mas copiada por outros artistas em outros países e com outras formas de artes. Se pensarmos que o Japão é um dos países mais rígidos em questão de proteção aos direitos autorais (imagens de obras não podem ser utilizadas nem no meio jornalístico para resenhas ou reportagens, por exemplo, sem a autorização do autor – e pagamento para ele, claro), o fato de esse projeto ter surgido lá só nos faz pensar que a facilidade para algo deste padrão ser feito no ocidente seja ainda maior.

Love Hina, de Akamatsu, um dos mangás disponíveis no site. Se fosse no Japão, eu teria que pagar para Akamatsu pelo direito de usar essa imagem na coluna

Por que não republicar, no mesmo estilo, revistas antigas da Marvel e da DC, edições do Asterix ou tirinhas do Snoopy? Revertendo o lucro para os autores originais, lutando contra a pirataria, mas pensando também no leitor?

Fica a dica.

[enquanto a versão beta de outras línguas ainda não sai, deixo o link da versão em japonês – que pode não ser útil pra muita gente, mas pelo menos dá pra olhar as figuras, né? http://www.j-comi.jp/ Procurem também o aplicativo para Android!]

Compartilhe
Ler mais sobre
Google ken akamatsu love hina
Ler mais sobre
Coberturas Direitos humanos

Para tornar o conhecimento acessível