Cobertura Oscar 2013 | O cinema e o inacreditável

O Nonada segue a sua cobertura do Oscar 2013 com o filme Argo, que disputa 7 estatuetas (Filme, Ator Coadjuvante (Alan Arkin), Roteiro Adaptado, Trilha Sonora, Montagem, Mixagem de Som e Edição de Som). Acompanhe-nos para ficar por dentro dos filmes que tem chances (ou não) de levar alguma estatueta para casa.

"Argo", além de um suspense exemplar, merece créditos por evitar tipificar seus antagonistas. (Crédito: divulgação)

Argo (Idem, EUA, 2012)

Direção: Ben Affleck

Roteiro: Chris Terrio, baseado em livro de Tony Mendez e em artigo de Joshuah Bearman.

Com: Ben Affleck, Bryan Cranston, John Goodman, Alan Arkin, Victor Garber, Tate Donovan, Clea DuVall, Rory Cochrane, Scoot McNairy, Christopher Denham, Kyle Chandler, Chris Messina, Richard Kind, Zeljko Ivanek, Omid Abtahi, Michael Parks e Philip Baker Hall.

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Já li alguns comentários que associam o favoritismo de Argo no Oscar 2013 em função dos interesses do governo norte-americano no Irã. Claro que os EUA, em termos de política internacional, contribuem para manter um antiamericanismo sempre alerta. No entanto, tal acusação sobre Argo é bastante infundada: Ben Affleck, em seu terceiro trabalho atrás das câmeras, se esforça para enfocar a operação da CIA no Irã em 1980 da maneira mais realista possível, sem glorificar o papel de seu país ou se mostrar etnocêntrico. E tendo em vista que a história narrada em Argo beira o inacreditável, esse esforço é ainda mais louvável – o que ressalta as qualidades inegáveis de sua direção.

(Crédito: divulgação)

Incluindo, em seus minutos iniciais, uma interessante contextualização sobre a história recente do Irã e evidenciando a onipresença dos EUA na política da região (algo nada comum em produções que lidam com tais temas), Argo enfoca a invasão da embaixada americana por manifestantes durante a Revolução de 1979, durante a qual seis funcionários escaparam, escondendo-se na residência do embaixador do Canadá (Garber). Percebendo que uma operação militar seria extremamente arriscada, a CIA delega ao agente Tony Mendez (Affleck) a tarefa de retirar os fugitivos do país com segurança. Sua ideia? Entrar no Irã disfarçado de produtor cinematográfico empregando o grupo como assistentes de produção de uma ficção científica intitulada Argo.

Produzido por Grant Heslov e George Clooney, responsáveis por dois dos melhores dramas políticos dos últimos dez anos (Boa Noite e Boa Sorte e Tudo Pelo Poder) e dirigido por Affleck, que cursou um ano de Estudos do Oriente Médio na faculdade, Argo não possui elementos narrativos/estéticos que justifiquem a acusação de ser um filme caricato e um manifesto anti-Irã. Exibir cenas de violência (real ou simbólica) dos iranianos contra os EUA não os torna necessariamente “o mal” a ser derrotado – até porque Affleck inteligentemente inclui imagens de arquivo que enfocam agressões brutais contra “árabes” (todas as etnias do Oriente Médio são árabes, segundo o americano médio) em pleno território americano, evitando a monopolização da barbárie – e cenas como a reunião de Mendez com o Ministro da Cultura iraniano deixam claro que Affleck não está nada interessado em uma oposição “preto x branco” simplista.

Investindo numa estética que remete aos thrillers dos anos 1970, com uma fotografia granulada e travellings que circundam as discussões dos personagens, Argo também consegue um improvável equilíbrio entre a tensão do que acontece em Teerã e o bom humor que domina as cenas que se passam em Hollywood – o que revela um domínio admirável de Ben Affleck sobre a narrativa que está conduzindo. Revelando um talento que supera bastante suas habilidades de intérprete (ainda não conferi seus outros dois elogiados trabalhos atrás das câmeras), Affleck confere ao longa um forte tom conspiratório, merecendo destaque a sequência do mercado de rua, cuja tensão é cuidadosamente construída pelos enquadramentos de soslaio, pela enorme concentração de pessoas e pela cena em que a van do grupo é cercada por uma multidão de manifestantes. Ao mesmo tempo, a fração do filme que se passa em Hollywood desperta várias risadas em função da química entre John Goodman e Alan Arkin, ao mesmo tempo que leva a sério os detalhes da farsa da produção do filme. Finalmente, o filme também evita dramatizar excessivamente a vida pessoal do protagonista – e sua entrega ao álcool soa mais como uma característica do sujeito do que como uma subtrama mal trabalhada.

(Crédito: divulgação)

Empregando as locações em Istambul como perfeitos substitutos de Teerã, Argo traz, como grande mérito técnico, a excepcional montagem de William Goldenberg (que também faz um grande trabalho em A Hora Mais Escura): cortando as diferentes linhas narrativas no momento preciso, a montagem ainda faz a proeza de levar o espectador, durante os 30 minutos finais, a praticamente ignorar coincidências mais impossíveis que o próprio filme, resultando numa longa sequência que deixa os nervos do público em frangalhos. Também merece destaque a acurada recriação de época, como pode ser constatado nas fotografias exibidas nos créditos finais; e a trilha sonora de Alexandre Desplat, que emprega instrumentos da cultura local ao mesmo tempo que ressalta o suspense de forma eficaz.

Politicamente relevante e beneficiado por um elenco afinado, Argo também funciona surpreendentemente bem como entretenimento. E se de fato os outros trabalhos comandados por Affleck também são dignos de tantos elogios (sua ausência na categoria de Melhor Direção é um dos maiores absurdos desta edição do Oscar), não será surpresa caso venha a desenvolver uma carreira muito mais interessante nesta linha de trabalho do que conseguiu como ator. O Cinema merece mais obras tão memoráveis.

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