A árdua despedida de Paul Di’Anno

 Fotos: Aline Jechow

Ex-vocalista do Iron Maiden tocou em Porto Alegre no dia 19, em show registrado para um DVD.
Ex-vocalista do Iron Maiden tocou em Porto Alegre no dia 19, em show registrado para um DVD.

Uma turnê de despedida é algo doloroso tanto para os fãs como para os artistas – exceto, é claro, para aqueles que nunca foram muito chegados a se apresentar ao vivo. Não é o caso de Paul Di’Anno. O ex-vocalista do Iron Maiden (ele nunca se livrará desse “ex” na frente…) sempre deixou claro que curte muito a vida na estrada. Mas o tempo passa e, para alguns, de forma mais árdua que para outros.

 Em entrevistas recentes, Di’Anno, que vai completar 55 anos no mês que vem, apontou duas possíveis causas para sua aposentadoria. Uma delas era que “chegou o momento para terminar tudo da melhor maneira possível”. A outra era que “os fãs só querem ouvir Iron Maiden nos shows”. O estigma de ex-vocalista de uma banda famosa, aliado ao esgotamento físico do cantor – que só um fã cego não admitirá –, então, são justificativas mais do que aceitáveis para o músico retornar ao Brasil com uma turnê intitulada The Last Tour.

 Disposto a dar o melhor de si, Di’Anno desembarcou no final de março para uma dúzia de apresentações no país, onde criou fortes ligações, especialmente nos últimos anos. Depois de passar por várias cidades, o cara tocou em Porto Alegre na sexta-feira, dia 19 de abril. A noite já era convidativa por receber a tradicional Rock N’ Bira, festa de rock pesado com direito a bebida liberada e bandas locais prestando tributos (as homenagens da vez foram para Ramones, Led Zeppelin e Foo Fighters). Imagine, então, com um ícone do metal se apresentando ao vivo… Por conta disso tudo, o bar Opinião estava lotado.

A abertura ficou por conta dos gaúchos da Scelerata, eleita há alguns anos, pelo próprio Di’Anno, como sua banda para as turnês brasileiras. Antes de acompanhar a atração principal, porém, o quinteto tocou algumas composições próprias, priorizando o novo álbum, The Sniper, mas mandando também sons dos dois primeiros discos, como “Enemy Within” e “Holy Fire”, além de um ovacionado cover de “Master of Puppets”, do Metallica. Uma apresentação impecável, que justifica o porquê de a Scelerata estar, hoje, entre os maiores nomes do metal nacional.

Praticamente sem intervalo, a banda retorna ao palco, agora sem o vocalista Fabio Juan, mas com Di’Anno. E é nesse momento que uma daquelas frases do cara vem à mente: o povo só quer saber de Iron Maiden. Bastam os acordes iniciais de “Sanctuary” para perceber.

Com dores no joelho, Di’Anno sofreu para se manter em pé

Em “Purgatory”, o cantor demonstra um indisfarçável desconforto físico. Uma cara de sofrimento mesmo, e certa dificuldade para se manter em pé. Eis o segundo ponto a que Di’Anno se referia: terminar da melhor maneira possível. Ou seja, sem dor, sem mal-estar, sem constrangimento. Por isso, ele segue em frente com uma força de vontade impressionante, e emenda a clássica “Wrathchild”, seguida por “Prowler”, primeira faixa do primeiro disco do Iron Maiden, autointitulado e lançado em 1980.

“Marshall Lockjaw”, uma das poucas composições de seus projetos solo executadas no show, revela um Di’Anno com uma voz mais cristalina. Nela, o cantor parece mais à vontade, embora o público praticamente ignore a canção. Imediatamente, “Murders in the Rue Morgue”, uma das melhores músicas do álbum Killers (1981), levanta a plateia novamente.

“My knee, my knee”, resmunga Di’Anno, lá pelas tantas. O joelho estourado o incomoda cada vez mais, mas ele faz questão de ressaltar: “A voz continua a mesma!” O público, empolgado, reconhece o esforço do músico e agita mesmo quando os sons não são da Donzela de Ferro, como no caso de “The Beast Arises” (Killers – o ex-grupo de Di’Anno, não a banda de Las Vegas!) e “Children of Madness” (Battlezone).

Em “Genghis Khan”, a execução instrumental perfeita da Scelerata arranca aplausos de Di’Anno, que faz questão de apresentar os pupilos e, quando possível, falar em português.Logo após, na canção mais melódica da noite, ele mostra que a voz é realmente a mesma, levando os fãs ao êxtase com “Remember Tomorrow”.

Embora acumulando inúmeros projetos durante a carreira, Di’Anno não cospe no prato que comeu – apenas reclama um pouco antes de servi-lo. E nem poderia: pauladas como “Charlotte the Harlot”, “Killers”, “Phantom of the Opera” e “Transylvania”, todas da banda que o revelou, são impossíveis de desprezar. A essa altura já bastante afetado pelas dores no joelho (em suas saídas do palco, precisa do apoio de um roadie e de uma bengala para se locomover), o cantor parece abreviar um pouco a apresentação, tendo em vista que canções como “Iron Maiden” não deveriam ficar de fora do setlist, ainda mais quando o show está sendo gravado para um DVD.

De qualquer forma, o final não decepciona. Com a já esperada “Running Free”, que Di’Anno dedica aos Hell’s Angels, fica aquela sensação estranha de que não acabou, de que o cara poderia estar ali de novo no ano que vem. Observando todo o sacrifício do cantor para se manter em pé no palco, percebe-se que isso não vai acontecer. Os fãs, emocionados, aplaudem por vários minutos. Di’Anno, exausto, também se emociona e sorri para eles. O esforço valeu a pena.

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