Mergulho no rock psicodélico e conceitual dos anos 60 e 70

Por Carolina Teixeira (http://about.me/teixeiracarol)

Conforme o nome sugere e na forma mais ampla destas palavras, a Rocartê é uma banda porto-alegrense que surgiu em 2008 querendo mesclar rock com arte. Desde o nascimento – dentro de um atelier – até os dias de hoje, a banda, formada por Érico Alencastro, Fábio Duarte, Leonardo Schons e Pedro Gutierres – vem criando uma linguagem própria, lançando, da forma mais artesanal possível, cartazes, adesivos e clipes. Durante os cinco anos de estrada, o grupo participou de eventos importantes, como o FestiPoa Literária, Macondo Circus, Festival Intergalático da Bicicleta, Noite Senhor F, Grito Rock, Morrostock, Psicodália, dentre outros.

Banda que surgiu em 2008 está lançando novo trabalho (Crédito: Divulgação)

Na última segunda, 3 de junho, a banda realizou o lançamento virtual de “Lua de Tambor”, primeiro disco físico. Produzido entre 2012 e 2013, o álbum é o resultado da imersão musical dos integrantes, que durante três meses ficaram isolados no litoral norte gaúcho. Solos de guitarra improvisados, vinhetas distorcidas, composições instrumentais, vozes que remetem à coros de igreja e a reverberação natural da casa traduzem em música e ruído o novo universo da banda.

“Lua de Tambor” remete ao rock psicodélico e conceitual dos anos 60 e 70 desde os primeiros segundos. Fugindo dos padrões de gravação tradicionais e abrindo portas para o experimentalismo, as 14 faixas do disco são grudadas, para que o álbum seja ouvido na íntegra e, assim, a obra faça sentido. O disco está disponível para download e streaming gratuitos no site da banda www.rocarte.com.br.

Confira abaixo a entrevista que o vocalista da Rocartê, Pedro Gutierres, concedeu ao Nonada:

Nonada – Em “Lua de Tambor” o som da Rocartê se volta ao rock psicodélico e conceitual dos anos 60 e 70. Quais as influências da banda e quais as referências deste novo trabalho?

Pedro Gutierres – O rock feito nos anos 60 e 70 é o que mais aparece no disco, mas a gente ouviu de tudo, mesmo. Moramos juntos numa praia deserta, sem internet, sem televisão, etc., com uma cacetada de discos para ouvir e com a ideia de compor e gravar um álbum. E esses discos passaram sim pelo rock psicodélico antigo, mas também por reggae, samba, rap, hard core, música brasileira contemporânea, seria quase impossível descrever tudo que ouvimos nesses três meses. Era o dia inteiro ouvindo música. O Érico, baixista, tem a melhor memória do mundo e sabe tudo da vida e da obra de grandes bandas, então, além de ouvir música, a gente falava muito sobre discos, histórias, novidades, velharias. Enfim, tudo girava em torno disso.

Nonada – Há uma mudança no estilo da banda do primeiro EP para “Lua de Tambor”. O som está mais denso, com instrumental mais forte. O que levou a banda a tomar este novo rumo?

Pedro Gutierres – A banda tem cinco anos de vida. Pode não parecer muito, mas em cinco anos a gente muda muito. Principalmente nos 20 e poucos anos. Em seis meses tudo pode mudar quando se tem essa idade. Quando a banda começou, a gente não conhecia muito do que estava sendo feito, do que se estava experimentando. Pra nós, na época, misturar rock com samba era tocar Los Hermanos. A gente não sabia que se misturava estilos muitos e muitos anos antes de Los Hermanos existir. Conhecia pouco Mutantes, Novos Baianos, etc. Então quando se começa a pesquisar, estudar música e, principalmente, estudar o instrumento, os rumos mudam e devem mudar. Ninguém gosta de ficar parado. Há cinco anos eu tocava meia dúzia de acordes na guitarra como se fosse um violão. Hoje eu sou um guitarrista, tenho meu estilo, meus gostos, meus vícios. Estudo diariamente guitarra, então é natural que eu sinta necessidade de colocar isso nas músicas e com os guris é a mesma coisa. Todo mundo partiu para outra. O lance ficou sério.

Nonada – O álbum foi gravado em uma casa de praia durante 3 meses. Como foi esse processo de composição e como o isolamento contribuiu para chegar a este resultado final?

Pedro Gutierres – O álbum foi composto durante esse isolamento e as gravações começaram lá, mas por motivos de força maior, depois de três meses, voltamos e gravamos por mais nove meses aqui no meu atelier em Porto Alegre. Voltamos porque não aguentamos mais e as músicas já tinham sido compostas (que era o principal motivo de estarmos isolados). Foi tenso, convivemos dia e noite com o medo. A praia estava deserta. Sentimos muitas saudades da família, das namoradas, dos amigos. Foi muito duro. Eu sofri de ataques de pânico, coisa que nunca tinha me acontecido antes. Mas tenho certeza que valeu muito a pena. O disco acabou virando o registro artístico disso tudo. Tem coisas erradas, coisas que podiam soar diferente, que podiam ser regravadas, etc., mas o conceito do álbum é justamente representar esse momento, então faz sentido que ele seja exatamente o que é. Se for diferente, já não é mais aquilo, já não nos representa. É o trabalho mais verdadeiro que já fiz na vida. O que se escuta ali é, de fato, o que vivemos nesses três meses.

Nonada – Além do processo de gravação, a Rocartê também foge dos padrões ao lançar um disco com as faixas grudadas uma na outra, para ser ouvido na íntegra. Por que essa opção?

Pedro Gutierres – Na verdade foge dos padrões atuais. Pink Floyd, por exemplo, era campeão de fazer isso – e tantas outras bandas já fizeram também. Não encaramos isso como uma novidade, nem defendemos que as coisas devem ser assim. Foi mais uma questão de escolha mesmo, de gosto. A gente ama música, de verdade. Dificilmente eu vou abrir o youtube e ouvir uma música só de um determinado artista. Eu gosto mesmo é de ouvir o disco todo. Por exemplo, se você olhar um desenho de um artista, ele vai fazer sentido? Muito provavelmente não. Por isso se faz séries. Por isso se faz exposições. Porque a maioria das obras só fazem sentido se estiverem rodeadas por outras obras parecidas, que se conversam, que se complementam. É legal lançar single, chama mais atenção, faz mais barulho na mídia, etc., mas será que é isso mesmo que é bom? Será que é isso que me satisfaz enquanto artista? A resposta é não.

Nonada – A banda não se torna anti-comercial com essa opção? Como vocês veem a cena independente em Porto Alegre e até mesmo no País atualmente?

Pedro Gutierres – Acho que se torna anti-comercial para o grande público, mas cada vez mais o mercado está segmentado. De um modo geral, a gente realmente parou de se preocupar com isso. Chegou uma hora que a gente sentou, conversou e pensou “vamos fazer o que a gente quer”. Ninguém se preocupou se ia agradar ou se ia vender. Acho legal a música ser popular, estar na boca das pessoas, mudar o mundo com uma música, etc. É lindo pensar assim, mas eu realmente não me encaixo nisso. Não consigo ficar sorrindo o tempo todo, não sou o cara mais sociável do mundo, etc. Gosto de tocar guitarra, cantar e estar com meus amigos fazendo som. Se vão ouvir, é outro papo. Mas sobre a cena independente, bom, a gente tem feito muitos amigos no meio musical, e tem muita banda foda demais fazendo som aqui. Rodamos muitos festivais nesse verão e foi só alegria. Essa é a parte que eu amo, porque cada dia que passa eu descubro mais gente a fim de fazer e acontecer.   

Nonada – O lançamento de “Lua de Tambor” teve repercussão nacional. Quais são os projetos futuros para a banda? 

Pedro Gutierres – É complicado pensar no futuro, porque acho que a gente só consegue pensar no presente. A Rocartê nunca foi muito de fazer planos mirabolantes e essas coisas. Acho que agora é focar no disco mesmo, rodar por aí, tocar, tocar e tocar. Mas eu morro de vontade de gravar o segundo disco já com o nosso baterista atual, o Fábio Duarte. Quando a gente gravou o “Lua de Tambor” ele ainda não estava na banda e eu gravei as baterias. Agora,  tocando com o Fábio, eu só sinto mais vontade de tocar com ele e gravar e criar junto. O guri é barra pesada, “gêniozinho” das baquetas.

Nonada – Você também é artista plástico e faz todas as artes para a banda. Qual a relação da arte do Pedro Gutierres com o trabalho da Rocartê?

Pedro Gutierres – Eu acho que a relação é pessoal no sentido “pessoa” mesmo, porque sou eu, Pedro, criando para a Rocartê e criando para o resto. Não divido muito. O disco foi gravado em parte no meu atelier, no meio do caos que é esse lugar. Acho que o caos do meu processo criativo está fortemente ligado a Rocartê. Sinceramente não consigo dividir isso na minha cabeça. Talvez eu devesse dividir, sei lá. Mas, por enquanto, fica tudo junto mesmo que tá bom.

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