O Lobo de Martin Scorsese

Leonardo DiCaprio foi indicado ao Oscar de melhor ator por O Lobo de Wall Street
Leonardo DiCaprio foi indicado ao Oscar de melhor ator por O Lobo de Wall Street (Crédito: divulgação)

Há um momento em O Lobo de Wall Street no qual o personagem de Leonardo DiCaprio, o corretor ganancioso Jordan Belfort, literalmente se arrasta até a sua casa após o efeito de uma droga finalmente bater forte nele. A cena é memorável e diz muito sobre o que é o filme de Scorsese: irreverente e cômico sobre as escolhas extravagantes dos seus personagens e debochado no modo como narra as vidas quase inverossímeis desses corretores de bolsas de valores.

É um filme de personagem, antes de tudo, e mais especificamente de Belfort, inserindo-se assim na vertente de biografias que Scorsese tem em seu currículo, tais como Touro Indomável e O Aviador. E como estes, O Lobo de Wall Street também é baseado em uma figura real, afinal é uma adaptação da autobiografia de Jordan Belfort, um corretor de Long Island que passou 20 meses na prisão por fraude e por ter enganado inúmeros investidores em esquemas de corrupção durante a década de oitenta e noventa.

Diferentemente das cinebiografias anteriores de Scorsese, porém, aqui o filme apela mais para o humor decorrente da narração em off de Belfort e da quebra da “quarta parede”, isto é, ele conversa com o público, analisa as situações, e debocha dos próprios atos ou dos atos dos colegas – como se estivesse julgando o que viveu. Ao tomar essa decisão, Scorsese faz com que tenhamos alguma simpatia por um personagem, a princípio, tão desprezível. Não que saíamos da sessão gostando do sujeito, mas ficamos instigados e interessados em acompanhar a sua perturbada vida.

E que vida. Após formar sua própria companhia de corretores de ações, a Stratton Oakmont, e de encontrar amigos e treiná-los para serem corretores capazes de fisgarem clientes à qualquer modo, observamos a ascensão da empresa – o que vem regado a muito sexo, drogas, ostentação e gastos exagerados (em um almoço, chegam a gastar 26 mil reais!). É nessa parte que boa parte do filme se ocupa, mostrando os verdadeiros absurdos, que só parecem encontrar um contraponto na figura paterna de Belfort, ridicularizado por todos.

Acusado infundadamente por alguns críticos e outras figuras da indústria de celebrar a vida imoral desses corretores que roubam dinheiro de pequenos (e depois de grandes) investidores em troca da possibilidade de ganhar mais dinheiro, Scorsese não glamoriza esses personagens. O que ele faz é simplesmente contar a história real da extravagância oriunda do dinheiro roubado, o sonho americano ao inverso, pintando Belfort com ares de um Robin Hood às avessas. É a ambição, o egoísmo, a luxúria e o machismo postos em uma só criatura. Até os gangsters tão retratados na obra do cineasta parecem ter um código de conduta mais “ético” do que os corretores de Wall Street, uma vez que são muito mais leais aos seus. Os corretores são nada mais do que o retrato do absurdo do capitalismo em que uns têm muito mais dinheiro do que outros. E o utilizam das formais mais extravagantes possíveis.

Nas três horas de duração, o filme raramente perde o ritmo, muito devido à competente atuação de Leonardo DiCaprio, a vontade seja nos excelentes discursos motivacionais que Belfort dá aos seus corretores, seja nos momentos de exageros oriundos do uso de drogas, bebidas, sexo. Na sua quinta colaboração com Scorsese, DiCaprio parece ter conseguido um dos melhores desempenhos de sua carreira, sendo também indicado ao Oscar 2014. O comediante Jonah Hill também dá um show à parte, se mostrando cada vez mais competente para papéis com uma maior carga dramática. O mais interessante, entretanto, parece ser a capacidade de Scorsese em continuar fazendo bom cinema mesmo após tantos anos de carreira. Isso porque ele continua se arriscando seja com temas polêmicos, seja na forma como estrutura e conta uma história. E essas são qualidades só dos grandes.

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Jornalista, Especialista em Jornalismo Digital pela Pucrs, Mestre em Comunicação na Ufrgs e Editor-Fundador do Nonada - Jornalismo Travessia. Acredita nas palavras.

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