A banda que o tempo não amaciou: um bate-papo com Jão, fundador do Ratos de Porão

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A formação atual do Ratos: João Gordo, Jão, Boka e Juninho (Crédito: Wander Willian/Divulgação)

O tempo sempre foi um dos grandes inimigos do rock. Em um estilo que urge por renovação constante, permanecer na ativa por mais do que alguns pares de anos pode ser perigoso. Poucos artistas conseguem sobreviver sem cair na mesmice ou sem “amaciar” seu som.

Resistindo às marcas do tempo e a inúmeros outros obstáculos, o Ratos de Porão continua rodando o Brasil e o mundo com seus shows avassaladores há nada menos que 33 anos. E, não, eles não aliviaram em nada o peso do hardcore, como pode ser conferido no último lançamento dos caras, Século Sinistro, um verdadeiro massacre sonoro em forma de disco.

Apesar de o R.D.P. ser conhecido pela figura do vocalista João Gordo, quem segura as pontas desde o início, na verdade, é um sujeito chamado João Carlos Molina Esteves, mais conhecido como Jão. Responsável pelas seis cordas na mais importante banda da cena HC/crossover nacional e, provavelmente, da América Latina, ele já chegou a cantar e tocar bateria no grupo paulistano – o que, de certa forma, mostra o quanto se doou para garantir a sobrevivência do Ratos.

Em entrevista ao Nonada, o guitarrista falou sobre o novo álbum, a vida de turnês e sobre como o R.D.P. sobrevive há tanto tempo na cena underground. Confira.

Nonada – Fazia um bom tempo que o Ratos não lançava um disco novo. Como é que está sendo a repercussão do Século Sinistro?

Jão – Foram oito anos entre o Século… e o Homem Inimigo do Homem (2006), mas nesse meio tempo lançamos um split (disco dividido com outra banda) com o Looking For An Answer, da Espanha, um DVD (Ao Vivo no Circo Voador, com show de 2006, mas lançado em 2010) e o documentário (Guidable – A Verdadeira História do Ratos de Porão, de 2009). Não ficamos parados. Às vezes, o processo de composição é demorado, temos compromissos familiares, o ritmo é outro… Mas ficou do jeito que queríamos. Quanto à repercussão, tá sendo muito boa, tanto do público quanto da mídia, que tá falando “mó” bem do disco!

Nonada – Mais uma vez, vocês disparam pra tudo quanto é lado, com críticas à polícia na repressão aos protestos, por exemplo. Tem também a música “Viciado Digital”, uma alfinetada no uso excessivo de tecnologia, que parece explícito na capa (com arte de Ricardo Tattoo, ela mostra várias pessoas alucinadas, quase se esmagando e erguendo seus smarphones).

Jão – É por aí. Chegamos a um ponto em que as pessoas preferem ter internet rápida do que água potável… Neguinho fica mais tempo mexendo no celular do que conversando com outras pessoas. A capa e a música meio que parodiam essa realidade.

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Velhos companheiros: Jão e Gordo mandam ver em um show do Ratos em Porto Alegre em 2012 (Crédito: Fernando Halal)

Nonada – O Ratos já tem mais de três décadas. Como fizeram para sobreviver por tanto tempo, já que a banda, definitivamente, não faz um som comercial?

Jão – Cara, a gente não imaginava, lá atrás, que continuaria tocando até hoje. Não foi fácil, tivemos que nos virar. Eu já dei aula (de guitarra), fiz uns bicos por aí, abri um negócio em parceria com um amigo (em junho, ao lado do sócio Santi Roig, Jão abriu um bar/restaurante em São Paulo, chamado Underdog). Demorou muito para conseguir viver de música e, mesmo assim, tenho uma vida relativamente simples.

Nonada – Mesmo ficando no underground, a banda já tem um público fiel, inclusive no exterior.

Jão – Isso foi uma conquista ao longo dos anos. Hoje temos público em toda parte, fazemos bastante tour pela Europa. Agora em dezembro vamos para Espanha, Portugal… São países em que tocamos para uma galera que curte a banda mesmo, acompanha o trabalho há um “mó” tempo.

Nonada – No documentário Guidable vocês lamentam algumas “bobeadas” que a banda cometeu no passado, como abandonar instrumentos musicais na Europa ou tentar fazer turnê de trem…

Jão – Então, são coisas que você não repete mais. Hoje estamos calejados, não entramos mais nesse tipo de roubada! (risos) Tocamos em toda parte, desde que tenha uma estrutura legal, pois prezamos muito pela qualidade do show. E estamos velhos para encarar algumas coisas novamente. Não tenho mais 20 anos! (risos)

Nonada – Aliás, com que idade estás?

Jão – Tô com 47.

Nonada – Hoje tu estás com 47 anos… Sei que a pergunta é meio clichê, mas é inevitável: até quando achas que é possível levar adiante uma banda como o Ratos, que exige um nível de energia alto até dentro dos padrões do rock?

Jão – Temos mais de 30 anos de banda. A gente não imaginava isso, então quem sabe? Podemos chegar aos 40, 50… A gente vai tocando enquanto puder e for bom para todos.

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E para quem acha que manter a energia em um disco de estúdio é moleza, a dica é conferir o R.D.P. ao vivo. Os porto-alegrenses terão essa chance logo, logo: no dia 8 dezembro, Jão, Gordo, Boka (bateria) e Juninho (baixo) se apresentam na Segunda Maluca do Opinião (mesmo com a casa interditada, até segunda ordem, o local da apresentação segue mantido). Se você for da Zona Sul do Estado, tem show em Pelotas no domingo, dia 7.

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