O hedonismo poético de Jorge Drexler

Texto e fotos João Vicente Ribas
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Fomos brotando das ruelas da Cidade Baixa, uns já querendo ritmar o passo, outros ainda duros das cadeiras. Afloramos todos naquela esquina agitada da José do Patrocínio. Era mais uma noite de show no bar Opinião, e Porto Alegre estava de aniversário naquela semana. Havia incontáveis atrações, inclusas algumas vindas do além-mar. Distinguimos a nossa e fomos celebrar.

O uruguaio Jorge Drexler e sua banda desembarcavam de longa turnê internacional, para a penúltima apresentação. O disco “Bailar en La Cueva” promovia uma virada estética na carreira do moderno cantautor. Habituado ao olho no olho, em dizer mensagens pelas canções, desta vez apostou pela primeira vez na dança.

Pontual, a subida ao palco se deu ao som de uma batida eletrônica, com os músicos todos exibindo passos mais ou menos ensaiados. Era só uma quebra no protocolo. Desarmou o público e deu boas vindas à diversão que viria: sem coreografia, mas com muito embalo e poesia. Não que precisasse muito esforço do artista, pois estávamos ali para cantar junto seu repertório. Queríamos fotografá-lo, tietá-lo. Só ouvir já compensaria o preço do ingresso.

Aos que estavam atentos aos sentidos daquela performance, Drexler ofereceu uma pista sobre sua guinada hedonista. Revelou que o carnaval de Cádiz na Espanha teria sensibilizado-o. Lá compôs a dançante “Cái Creo que Caí” em 2013. Aos que esperavam identificar-se culturalmente com seu trabalho, lembrou que Porto Alegre também sempre o inspirou propulsando suas investidas na milonga. E aos que perderam o discurso enquanto buscavam uma cerveja, o uruguaio brindou com mais um ritmo irresistível.

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Teve partes mais intimistas o show, lembrando o Jorge Drexler poético-experimental dos discos anteriores. Cantou à capela “Al Otro Lado Del Río”, a exemplo do que fez em protesto no Oscar de 2005, quando ganhou o troféu de melhor canção original. Mas não foi só uma referência ao seu momento de maior visibilidade no showbizz. Era uma nova versão, baseada nas palavras, participativa e visual. (Poderia parecer deslocada a poética, a centralidade na palavra, em um show “para dançar”. Porém ocorreu de forma fluida. Em outro momento, ainda houve declamação de uma poesia do nicaragüense Rubén Darío.)

A banda esteve a serviço do ritmo. Eram dois sets de percussão, que às vezes eram invadidos por até cinco músicos, e naipe de metais. O repertório incluiu novos arranjos mais dançantes para canções que marcaram sua carreira, como “Todo se Transforma” e “Me Haces Bien”. A iluminação também contribuiu para quase transformar o Opinião num baile.

No ápice da noite, Jorge deitou-se no palco, em êxtase. Cantava “La Luna de Rasqui”, composição inspirada na ilha venezuelana do título. Indica um local e um momento em que, sob o luar, viveu um estado de exceção sensorial. Só havia espaço para o deleite. “Yo miraba la luna de Rasquí/ Tumbado en la arena blanca/ Y la luna me hablaba solo a mí/ Me decía la luna de Rasquí: estás en arena santa/ Y la pena no llega hasta aqui”. Ao final da música comparou tal situação poética às duas horas de show que já se encaminhava para o final.

Jorge Drexler promoveu união naquela noite. Fomos os mais narcisistas, em busca de uma noite cool, com “boa música”, uma paquera e um retrato para exibir aos amigos. Também estávamos lá os mais rigorosos apreciadores da cultura latino-americana contemporânea. Juntos, bailamos nesta cidade enredada de fibras ópticas, respondendo ao pulso de ritmos congêneres caribenhos e cantando em castelhano.

Puro prazer. Toda vez que as luzes se apagavam, pedíamos bis entoando o cântico futebolístico: “Olé, olé, olé, olé, Jorge, Jorge!” E o artista voltava ao palco com uma satisfação que não cabia na boca.

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