Better Call Saul: Não dá para fugir de quem você realmente é

Better Call Saul concluiu a sua primeira temporada e a segunda deve chegar em 206
Better Call Saul concluiu a sua primeira temporada. Retorna em 2016 (Crédito: Netflix/ ACM)

***Há spoilers no texto, então, se você ainda não concluiu a série é melhor retornar aqui após terminá-la***

Quando saiu a notícia de que Breaking Bad ganharia uma série derivada protagonizada pelo advogado Saul Goodman, eu realmente não soube o que pensar. Acontece que a maioria dos spin-offs já realizados foi um fracasso, tanto de crítica, quanto de audiência. É claro que há exceções, como Frasier, derivado de uma sitcom de sucesso dos anos 80/90 chamada Cheers. Talvez um dos casos mais emblemáticos de fiasco tenha sido Joey, protagonizada por Matt Le Blanc, que continuava a seguir os passos do carismático ítalo-americano, um dos destaques da super- cultuada Friends, após o fim do seriado. Com tudo isso na cabeça, não consegui evitar o pensamento de que talvez não fosse uma boa ideia Better Call Saul acontecer. Breaking Bad teve um desenvolvimento tão positivo do seu personagem principal e um envolvimento tão grande com a audiência em sua história. Já não bastaria?

Acontece que, em televisão, o dinheiro sempre acaba falando mais alto e, por mais que Breaking Bad tenha rendido muito para os seus criadores e para a rede de televisão ACM, por que não ganhar mais dinheiro?

O interessante é que, pelo menos, eles já começaram acertando na escolha do personagem para expandir a trajetória: Saul Goodman só não é mais misterioso que Mike em Breaking Bad. E mistério e tensão, baseados em ações dos personagens nas entrelinhas, são a base do sucesso da série que contou a trajetória de Walter White. E que continuam se repetindo em Better Call Saul com direções de cenas primorosas, assim como um ótimo casting e atuações marcantes. Mas se em Breaking Bad observamos uma trajetória em ascensão em termos financeiros e de queda em termos morais, aqui encontramos um personagem em momento de indefinição e de mudança de vida, tentando alcançar um objetivo moral que não lhe parece seu. Por isso, Better Call Saul é mais sobre aceitação do que qualquer outra coisa. Ao apresentar o processo de transição de “Slippin Jimmy” (O que ele era: o malandro que vivia com pequenos golpes, mas parecia feliz assim) para tentar ganhar a vida como advogado, assumindo o nome “Jimmy McGill” (sendo que o sobrenome é muito significativo para um homem da lei e o seu irmão é um advogado muito prestigiado e de sucesso, dono de uma firma que leva seu sobrenome) fica evidente que sua motivação de mudança de vida não é natural.

Isto é, sua conduta imoral não pode ser mudada – e por que deveria? – visto que ele é, em essência, Slippin Jimmy. Embora tenha motivações da ordem de crescer profissionalmente, seu trabalho como advogado, quando tentou andar pelo caminho certo da lei, nunca deu muito certo. Ao mesmo tempo, seu irmão por quem tem forte devoção misturada com admiração e respeito, acaba o afastando da possibilidade de exercer a sua profissão dentro da lei de forma mais promissora justamente por acreditar que ele continua “um trapaceiro”.

E é na relação com o irmão que se encontra uma das mais gratas surpresas de Better Call Saul, assim como na relação misteriosa com a advogada Kim Wexler, com quem parece ter um passado ainda não explorado pela série. É no mínimo curioso como são poucas as relações na série, sendo que não há nenhum envolvimento amoroso, pelo menos de modo evidente visto que a relação de Jimmy e Wexler ainda é uma incógnita. Mas, justamente por serem poucas, elas são tão bem exploradas.  E, finalmente, descobrimos mais sobre a história de Mike, em um episódio belíssimo, intitulado Five-O, uma gíria para policial ou tira, o sexto da primeira temporada. Nele, entendemos toda essa mágoa e tensão que Mike carrega em seus ombros.

A primeira temporada de Better Call Saul não a torna uma série obrigatória. É, porém, imperdível para os fãs de Breaking Bad. Não no sentido de continuar a trama de Heisenberg, mas por explorar tão bem um personagem  já conhecido e que sofre de um conflito semelhante ao dele, embora muito mais ligado a conduta moral. Fora isso, o padrão Breaking Bad de produção e direção cênica continua basicamente o mesmo. Ainda há um longo caminho para Jimmy McGill finalmente virar Saul Goodman, mas é um caminho que vale a pena assistir, mesmo sabendo onde vai dar.

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Jornalista, Especialista em Jornalismo Digital pela Pucrs, Mestre em Comunicação na Ufrgs e Editor-Fundador do Nonada - Jornalismo Travessia. Acredita nas palavras.
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