Star Wars IV: A originalidade do universo particular de George Lucas

Fotos LucasFilm/divulgação

É um período de guerra civil. Partindo de uma base secreta, naves rebeldes atacam e conquistam sua primeira vitória contra o perverso Império Galáctico. Durante a batalha, espiões rebeldes conseguem roubar os planos secretos da arma decisiva do Império, a ESTRELA DA MORTE, uma estação espacial blindada com poder suficiente para destruir um planeta inteiro. Perseguida pelos sinistros agentes do Império, a princesa Leia, apressa-se em voltar para casa a bordo de sua nave estelar, protegendo os planos roubados que podem salvar seu povo e restaurar a liberdade na galáxia…

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Luke, Leia e Han Solo estreiam o episódio IV de Star Wars

Os seis filmes da saga Star Wars são um marco geracional. No final dos anos 70, diversos jovens, adolescentes e adultos cresceram vendo as aventuras de Leia, Luke e Han Solo pela galáxia lutando contra o cruel Darth Vader. A partir de conceitos de heroísmo, família e amizade, os filmes estabeleceram-se como marcantes nas décadas seguintes, influenciando jovens amantes do cinema.

O primeiro filme da saga é conhecido apenas como Star Wars (ganhando o subtítulo de Uma Nova Esperança em 1981, após o lançamento de O Império Contra-Ataca). O episódio foi escrito e dirigido pelo próprio George Lucas e lançado em 1977. Inicialmente, diversas pessoas duvidaram do roteiro, que foi até negado por um estúdio. A intenção de Lucas era construir um novo universo mitológico para crianças e jovens, mas também ganhar dinheiro a partir de um filme de ficção científica e fantasia. O elenco era composto por novatos, que construíram sua carreira a partir de Star Wars, sendo Harrison Ford um dos únicos a aparentemente realizar obras de sucesso no cinema nos anos posteriores, enquanto Carrie Fisher seguiu como escritora e Mark Hammil como dublador.

Star Wars seria também um dos responsáveis por trazer para Hollywood a “Era Blockbuster”, nos quais os estúdios investiam em efeitos especiais, sagas e merchandising. Segundo Peter Biskind em Como a Geração Sexo, Drogas e Rock n’Roll salvou Hollywood, Star Wars mostra que os filmes pararam de ser os únicos geradores de lucro de uma produção. Bonecos, camisetas, canecas e diversos outros produtos passaram a ser também possíveis responsáveis pelos retornos financeiros.

No longa, a galáxia vive um período de guerra civil. Rebeldes lutam contra um império estabelecido já há quase vinte anos. Um dos principais líderes imperiais é um Lorde Sith chamado Darth Vader (David Prowse e voz de James Earl Jones), ligado, neste filme, com o governador Tarkin (Peter Cushing). O Império está finalizando uma de suas maiores obras: a Estrela da Morte, uma estação bélica capaz de destruir um planeta inteiro. Os planos são roubados pelos rebeldes escondidos na nave da princesa e senadora Leia Organa (Carrie Fisher), que é atacada pelos soldados imperiais e pelo próprio Vader, numa tentativa frustrada de recuperá-los. Leia já os havia despachado em segurança para Obi-Wan Kenobi (Alec Guinness), para que este tentasse entregar os escritos para seus pais. Os robôs que portam a mensagem são comprados pela família de Luke Skywalker (Mark Hammil), um jovem órfão criado pelos seus tios no distante planeta de Tatooine, e este acaba se juntando à missão. Junto com Obi-Wan e os ambiciosos pilotos Han Solo (Harrison Ford) e Chewbacca (Peter Mayhew), ele tentará encontrar o planeta de Leia e participar da revolução contra o Império.

Princesa Leia e o andróide R2D2 gravando a clássica mensagem para Obi-Wan Kenobi
Princesa Leia e o andróide R2D2 gravando a clássica mensagem para Obi-Wan Kenobi

O protagonista, neste processo, é o jovem Luke Skywalker. De origem desconhecida, ele é o herói que veio do nada para tomar o mundo, mesmo que posteriormente o público descubra sobre seu passado e como este se relaciona com a rebelião. Mark Hammil confere a Luke um ar inocente neste episódio IV, que pouco a pouco vai sendo substituído pela confiança que veremos nos próximos filmes. George Lucas reproduz em Luke o conceito da Jornada do Herói, estudado pelo antropólogo Joseph Campbell. Nele, o herói apresenta-se como aquele capaz de se sacrificar pelo bem comum e parte em busca de mudança, passando por diversas etapas que o levam até seu objetivo final. O herói precisa ter características e problemas que façam com que o público se identifique com ele. O descontentamento de Luke (que gerará a mudança) com sua vida inicial vai além dos momentos em que discute com seu tio para ir para a Academia da Galáxia, sendo reforçado também ao dizer que odeia o Império, durante sua breve estadia na casa de Obi-Wan. Após graves problemas em seu planeta natal, ele decide partir para ajudar na rebelião, começando assim sua jornada. Outros exemplos de sagas que usam o conceito são Harry PotterSenhor dos Anéis.

Han Solo, Chewbacca, Obi-Wan Kenobi e Luke Skywalker a bordo da Millenium Falcom
Han Solo, Chewbacca, Obi-Wan Kenobi e Luke Skywalker a bordo da Millenium Falcom

De volta ao Episódio IV, a princesa Leia é destemida, estratégica, forte, decidida e dotada de atributos essenciais a uma liderança. Ela não é apenas ilustrativa, mostrando que sabe agir e administrar, além de participar da rebelião – junto com seus pais, os governantes do planeta Alderaan que jamais aparecem no filme – contra os planos de Vader. Uma das coisas que mais me chama a atenção é que, além de um leve interesse da parte de Luke (sempre estranho de ver para todos aqueles que já conhecem os fatos apresentados no Episódio VI), não há par romântico para a princesa neste filme. Ela é uma liderança rebelde em meio a um turbilhão político, e não há tempo para romances no Episódio IV. E aqui explico: não há problema em retratar um relacionamento, parte da vida de qualquer ser humano. Mas a existência feminina em tantos filmes hollywoodianos é reduzida a ser uma consorte para o grande herói. Logo, é um acerto em questões de representatividade mostrar que a vida de uma mulher (e aqui temos uma princesa) é muito mais do que isso, assim como, em certos momentos, há questões que são deveras mais importantes do que se envolver com alguém.

Mas sim, há defeitos. O biquíni utilizado no terceiro filme da trilogia original é hiperssexualizado e a própria Leia encontra-se na condição de escrava. Após acertar em sua postura nos dois longas anteriores, no Episódio VI a indústria de Hollywood reduz a heroína a sua sexualidade e forma física durante essas cenas, reproduzindo a lógica perversa que permeia o mundo das atrizes de cinema. E no próprio Episódio IV, não há espaço para o abalo de Leia quando Alderaan sofre o seu destino final: ela rapidamente precisa superar as dores pelo futuro da revolução, uma situação que é bastante inacreditável tendo em vista o que acabou de acontecer com todo o planeta no qual a princesa cresceu.

Luke Skywalker é o herói de Star Wars Uma Nova Esperança
Luke Skywalker é o herói de Star Wars Uma Nova Esperança

Já Han Solo (Harrison Ford) é o perfeito anti-herói. Lucas, ao escrevê-lo, inspirou-se em Copolla, e a relação de Luke e Han seria a sua própria com o diretor de O Poderoso Chefão, segundo Peter Biskind. Ele é um tipo arrogante, porém confiante e bon vivant. Solo é um traficante da galáxia, que, junto com o wookie Chewbacca, contrabandeia mercadorias para Jabba, um grande criminoso local. A cabeça de Han está a prêmio já que deve dinheiro para o bandido e envolve-se com Luke e Obi-Wan ao ser contratado por eles para levá-los a Aldeeran. Han Solo inicialmente provoca o espectador ao mostrar-se ganancioso e egoísta, mas logo este revela sua lealdade e companheirismo. Han Solo também traz o alívio cômico ao filme e protagoniza uma das maiores polêmicas atuais de Star Wars. Quem atirou primeiro: Han ou Greedo? Na primeira edição, Solo simplesmente atirava em Greedo e ia embora, mas na edição especial de 1997, quando a trilogia clássica voltou aos cinemas, George Lucas modificou a cena para que Han Solo não ficasse com a fama de ter matado gratuitamente um personagem, deixando a dúvida se ele teria atirado ou apenas se defendido.

E Darth Vader, mesmo aparecendo por pouco tempo neste filme, já deixa no ar a ameaça que representa. Tal situação pode ser vista na primeira cena em que o vilão aparece: ele caminha em meio a corpos de soldados já derrotados da nave de Leia, mostrando seu poder e capacidade de destruição. Sua relação com a Força – que já aparece num tom mítico desde o primeiro momento – também é interessante já que, mesmo renegando parte de seu passado, ele continua a acreditar e usá-la, porém da perspectiva de um Lorde Sith. Enquanto isso, Obi-Wan representa o guia do filme: ao explicar para Luke sobre seu pai, sobre a força, sobre a rebelião e sobre as guerras antigas, ele também explica para o espectador, situando-o naquele universo tão novo (especialmente se pensarmos na pessoa que assistia pela primeira vez em 1977). Ele também encarna com maestria o inicial papel de mentor de Luke como um dia teoricamente teria encarnado o de seu pai.

Outro ponto sempre memorável de Star Wars: Uma Nova Esperança é a trilha maravilhosa composta por John Williams, capaz de remeter qualquer um que a escute à franquia. É difícil não se emocionar com Luke olhando o pôr-dos-sóis em Tatooine após um breve confronto com os tios, especialmente se já sabemos qual será o destino do personagem, e a trilha emocionante nos remete a tudo o que ele se tornará ao longo da saga.

Cartaz original de Star Wars IV: Uma nova esperança
Cartaz original de Star Wars IV: Uma nova esperança

Sem dúvida, Star Wars foi um projeto ambicioso, especialmente por nascer dentro da geração hollywoodiana onde os filmes autorais e sem um “lado bom” definido começaram a despontar. Os diretores Scorsese, Copolla e Polanski, por exemplo, trabalhavam com personagens muitas vezes de caráter duvidoso, e protagonistas de diferentes realidades sociais, questionando noções maniqueístas. Lucas reinveste no herói e em conceitos de bem contra o mal. Era também um período de Guerra Fria, e talvez a luta pelo estabelecimento da República possa ser um forte paralelo com a política dominadora (cultural e politicamente) pregada pelos Estados Unidos na época, fantasiada de “busca pela democracia”. Ainda assim, vale a pena levar em consideração o fato de que o pequeno grupo de rebeldes atua na clandestinidade contra a ordem estatal vigente.

Na trilogia original, Star Wars: Uma Nova Esperança foi o único filme dirigido por George Lucas. Devido ao estresse da direção, ele entregou a de O Império Contra-Ataca para Irvin Kershner e de O Retorno de Jedi para Richard Marquand. Já nos anos 90, Lucas volta a dirigir. Ele realiza os três novos longas, que se passam antes dos três originais (na cronologia do universo), conhecidas como prequels (você pode conferir aqui as críticas já publicadas pelo Nonada do Episódio 1, Episódio 2 e Episódio 3). Ao decidir explorar a infância do jovem Skywalker – desta vez, Anakin, que se tornará o futuro Darth Vader – o diretor tinha tudo nas mãos para construir um filme multidimensional e complexo. Quem é Anakin Skywalker? O que ele e Darth Vader tem em comum? É possível ver no jovem Cavaleiro Jedi o futuro Lorde Sith? Temos, de fato, as respostas para todas essas perguntas, mas isso não quer dizer que elas sejam interessantes.

Sabe-se que o roteiro do Episódio IV teve diversas versões (Luke se chamaria Annikin Starkiller – sobrenome que, aliás, vai aparecer no Episódio VII, preste atenção) e foi muito modificado ao longo do tempo até seu resultado final. Mas Star Wars: Uma Nova Esperança consegue a proeza de apresentar um universo totalmente desconhecido para aquele que o vê pela primeira vez e situar o espectador dentro daquele mundo. Além disso, a criatividade e a atenção aos detalhes da parte de George Lucas (tão questionada na época) é evidente. Este Episódio IV é uma belíssima introdução a um mundo que, mesmo desapontando nos Episódios I, II e III, consolidou-se no imaginário dos fãs. É inquestionável.

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