Documentário aborda o controle da informação na internet e a importância dos softwares livres

Freenet tem exibições gratuitas por todo o Brasil neste mês (Foto: divulgação)
Freenet tem exibições gratuitas por todo o Brasil neste mês (Foto: divulgação)

Quanto custa o acesso ilimitado ao conhecimento? Qual é o preço real que pagamos pela internet? O documentário Freenet propõe uma reflexão sobre estas questões, a partir dos direitos humanos e do conceito de cidadania. O filme é dirigido pelo conselheiro do Intervozes Pedro Ekman, com a produtora independente Molotov Filmes, e estreia este mês com exibição gratuita em várias cidades do país.

Um dos pilares que sustentam o argumento  do documentário é a consciência de classe, já que o filme vai além de questões que provocam dor de cabeça na classe média, como o bloqueio do WhatsApp, por exemplo. Por mais acessível que a web pareça ser, são poucas as pessoas que podem se informar pelo Instagram. De fato, 2/3 da população mundial não têm acesso à internet, como conta a ativista nigeriana Nnenna Nwakanma, criadora da world  wide web ao lado de Tim Berners-Lee.

Logo no início do longa, conhecemos a comunidade de Caramuri, interior do Amazonas, onde não há internet, e a luz elétrica é comemorada – quando ligada. Em lugares afastados como esse, o comércio é limitado ao boca-a-boca  e o registro em sistemas como o Sisu e o Prouni, por exemplo, são muito difíceis. Vários dos entrevistados defendem que o acesso à rede deveria ser universal e gratuito, já que a internet é uma ferramenta de alcance a muitos direitos fundamentais. O que ocorre na prática, contudo, é o controle comercial e financeiro de uma ferramenta que, no passado, foi pensada para todos e todas.

A recente tentativa das operadoras de telecomunicação de limitar os dados da banda larga no Brasil ganhou visibilidade por escancarar o absurdo interesse financeiro que extrapola os direitos da cidadania. Como mostra o documentário, porém, esta é apenas uma das várias ações vorazes por lucro que essas empresas praticam. O controle econômico começa pela base, já que o setor de telecomunicações é dominado por meia dúzia de empresas.

“É paradoxal que os países com maior renda per capita são os que pagam menos pela internet”, diz Nnenna Nwaakanma. Em um país com desigualdades sociais, o problema é também interno. Freenet aborda a questão de forma bem ilustrativa, mostrando o contraste entre o bairro do Morumbi e a comunidade de Paraisópolis, separados por poucos metros em São Paulo. Somos apresentados a Veronice, diarista que teve o acesso à banda larga própria negado pelas operadoras porque não consegue comprovar a renda. Como solução, ela e uma vizinha estendem metros e metros de fios para alugar a internet de outra moradora.

O filme fala de particularidades de países como o Quênia e a Índia (Foto: divulgação)
O filme fala de particularidades de países como o Quênia e a Índia (Foto: divulgação)

O documentário faz um levantamento de alternativas a este monopólio. Em comunidades afastadas dos centros urbanos brasileiros, por exemplo, pequenas empresas tentam ocupar os nichos negligenciados fornecendo internet via a rádio a preços mais baixos. Nos Estados Unidos, a rede mesh surge como uma maneira mais democrática de conexão. No Uruguai, o governo atua como único provedor, facilitando a internet gratuita em escolas e lugares públicos – espaços que, normalmente, não atraem o interesse privado pela falta retorno financeiro. Uma das cenas mais bonitas do filme, aliás, é feita em uma escola rural do Uruguai, onde vemos que os estudantes são incentivados a aprender programação e robótica desde pequenos.

Além disso, o longa expõe o papel fundamental da internet como facilitadora do midialivrismo e dos movimentos sociais. É o acesso à web que possibilita que os moradores de Paraisópolis denunciem o perigo de uma enchente perto dos fios estendidos nas ruelas – fato que os veículos da grande mídia viram e preferiram não noticiar. É o acesso à web que dá protagonismo às histórias dos habitantes de Nairóbi. Como explica a narração do filme, “com a internet, o mundo pode conhecer a cultura e os valores deste povo sem depender das narrativas estrangeiras”.

As iniciativas de Julian Assange (o criador do Wikileaks) e Edward Snowden, ex-funcionário da CIA que revelou espionagens ilegais do serviço secreto americano, são relembradas como exemplos de contrainformação. Ambos ilustram o poder da internet no exercício da cidadania e na fiscalização dos abusos de poder. E é com essa ideia que Freenet encerra a reflexão, apontando os softwares livres e as licenças livres (como a creative commons) como bastiões da ampla circulação de informação no mundo. O desafio agora é difundir essas alternativas, e a própria produção do filme aponta um começo: qualquer pessoa, de qualquer cidade do Brasil, pode fazer uma exibição gratuita do documentário. Basta preencher o formulário neste link.

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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