Quem tem direito à cidade? Artistas de rua ocupam o centro em ato cultural

Ato ocorreu em frente ao Paço Municipal, no centro histórico (Foto: Roberta Mello)
Ato ocorreu em frente ao Paço Municipal, no centro histórico (Foto: Roberta Mello)

A praça em frente ao paço Municipal de Porto Alegre normalmente abriga passadas rápidas dos estudantes e trabalhadores durante o dia; à noite, o silêncio e a insegurança tomam conta. A união do trabalho dos artistas de rua, porém, modificou o cenário nessa terça-feira (7). Artistas de diversas expressões se uniram para realizar o “ato cultural dos artistas de rua pelo garantia do nosso direito à cidade”, que começou ao meio-dia e se estendeu até às 22h.

Organizado pelo grupo Arteiros da Rua, o protesto foi uma reação à prefeitura de Porto Alegre, que voltou a sinalizar possíveis restrições à livre manifestação nos espaços públicos da cidade. No último mês, o gabinete do vice-prefeito, Sebastião Melo (PMDB) elaborou uma minuta que exige autorização prévia e pagamento de taxas para qualquer evento em locais públicos na cidade, o que afetaria atos políticos, religiosos, esportivos e culturais. A Prefeitura voltou atrás depois da repercussão dos artistas nas redes sociais.

O ato, teve apresentações musicais, teatrais e performances de diversos grupos já tradicionais, como o Maracatu Truvão, a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz e a Cambada de Teatro em Ação Direta Levanta Favela. Tudo transcorreu tranquilamente: o clima era de festa e também de protestos políticos, com gritos de “Se empurrar o Temer cai”, “Fora, Mello” e “Nem recatada e nem do lar, a mulherada tá na rua pra lutar”. O protesto esteve também nas letras do grupo de rap Mente Mestra S/A, nas apresentações teatrais, na música do Africanamente. O Bloco da Laje encerrou a noite, colocando dezenas de pessoas para dançar ao som de letras que defendem o amor sem preconceitos.

Mas cabe o questionamento: se fosse um evento exclusivo das escolas de samba de Porto Alegre, elas poderiam fazer o mesmo sem serem reprimidas pela BM? E celebrações das religiões afro? Interseccionalidade é importante para se pensar o acesso à cultura. Afinal, quem tem direito à cidade?

Cada vez mais, as ruas vêm sendo pensadas como equipamentos culturais com a mesma importância dos museus, cinemas e galerias de arte. As Políticas Públicas na área da cultura deveriam garantir o amplo acesso e a democratização da arte. Nesse sentido, nada mais acessível que os próprios espaços públicos para garantir esse direito, que está previsto na Constituição. As tentativas da Prefeitura de Porto Alegre de cercear a liberdade dos artistas não atinge só os artistas: atinge toda a população e atinge a democracia. Mais ainda: são resultado de um pensamento retrógrado por não reconhecer a riqueza das manifestações populares.

Sabemos que a cultura popular no Rio Grande do Sul é historicamente silenciada e dominada pelo conservadorismo preconceituoso do Movimento Tradicionalista Gaúcho, sob o aval do poderoso e onipresente monopólio midiático do estado. Mesmo em um país com dimensões continentais, o intercâmbio de culturas é possível e saudável para o avanço social. Alguém já viu uma apresentação de Boi-Bumbá por aqui? Manifestações populares são expressões da diversidade do país, e nós temos o direito de usufruir e difundir toda essa pluralidade que nos constitui. O ato fez jus a essa necessidade, trazendo, para as ruas de Porto Alegre, o maracatu, por exemplo. Que cada vez a cidade possa ser palco da verdadeira arte brasileira. Queiram os nossos governantes retrógrados ou não. Afinal, nesses tempos de retrocesso, cultura é resistência.

Confira a programação do ato:

12h – Bloco da Diversidade
12h30 – Pequenas Ações Cotidianas de Amor e Paz. Performance de dançantes de POA *
13h – Intervenção Exu Destranca Rua – Levanta Favela
13h30 – Cartas na Rua
14h – Max Sudbrack
14h30 – Jorge Foques
15h – Coro infanto juvenil Sol Maior (ONG Sol Maior escola de música)
16h20 – Performance da Oficina de Teatro de Rua e Política da Escola de Teatro Popular da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz
16h55 – Intervenção Silêncio Manifesto – Grupo Neelic
18h – Africanamente
18h30 – Mente Mestra S/A
19h – Bate e Sopra
19h30 – Maracatu Truvão
20h – Bloco da Laje

Compartilhe
Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
Ler mais sobre
Direitos humanos Reportagem

Darz Vive: amigos restauram homenagem a grafiteiro assassinado

Direitos humanos Entrevista

“A luta pela terra implica a luta pela cultura”: uma conversa com o coletivo de cultura do MST

Direitos humanos Notícias Políticas culturais

Unesco sugere salário mínimo a todos os trabalhadores da cultura