Ouvidoria: 20 perguntas para Richard Serraria

Foto: Náthaly Weber

Richard SERRARIA é um poeta e cancionista brasileiro. Pesquisador da cultura negra do cone sul da América Meridional, trabalha com o tambor Sopapo há 25 anos. Doutor em Literatura Brasileira pela UFRGS, atua com Bataclã FC, Alabê Oni e espetáculos solos experienciando diferentes dimensões de intervocalidades em performances corporais, griotismo e tamboralitura. Com até o momento 8 discos lançados e 2 DVDs, já atuou em Cuba, Espanha, Argentina, Uruguai e 120 cidades de todos estados do país no Projeto Sonora Brasil do Sesc em 2013 e 2014.

Em 2020, avançou em sua trajetória lírica com o livro SOPAPORIKI via Editora Escola de Poesia, 12 poemas escritos a partir da poética nigeriana  dos orikis em que o Sopapo assume a cosmogonia dos 12 orixás do panteão do Batuque de Nação Oyó Idjexá. Richard Serraria é nosso entrevistado da semana na seção Ouvidoria.

Confira aqui as demais entrevistas da seção.

1- Quando e como começou tua carreira?

Profissionalmente falando em termos musicais, comecei em 1997 com a Bataclã FC tocando contrabaixo elétrico e cantando além de escrever as letras das canções. As experiências anteriores foram enquanto músico tocando em bares, executando covers de Rolling Stones, Prince, Talking Heads, B B King, Tim Maia, Roberto Carlos, Lulu Santos, etc.

2- Principais lançamentos:

2002- Armazém de Mantimentos (primeiro CD com a Bataclã FC): vencedor de 3 prêmios Açorianos de Música
2006- Assim falou Bataclan (segundo CD com a Bataclã FC): vencedor de 1 prêmio Açorianos de Música
2008- Vila Brasil (primeiro disco solo)
2010- O Grande Tambor (trilha sonora do documentário que trata do sopapo, material lançado em CD)
2011- Pampa Esquema Novo (segundo disco solo):vencedor de um prêmio Açorianos de Música
2013- DVD Alabê Ôni
2015- A teimosia da felicidade (terceiro disco com a Bataclã FC)
2017- Mais Tambor Menos Motor (terceiro disco solo): vencedor de 3 prêmios Açorianos de Música
2017- O berço do Batuque no RS: Mestre Borel, toques e cantos da Nação Oyó Idjexá (CD Alabê Ôni)
2020- Sopaporiki (primeiro livro de poesias)

3- Como você descreveria sua essência enquanto artista?

Sou um catador de palavras que se expressa através da poesia, cantada ou falada, tamboralizada ou mastigada.

4- O que mais irrita na cena cultural?

Falta de entendimento do Estado de que cultura é um fator de desenvolvimento social assim como econômico. Basta olhar as porcentagens investidas em cultura nos âmbitos municipal, estadual e federal para facilmente chegar a tal constatação.

5- Quais qualidades são imprescindíveis a um artista?

Disciplina para trabalhar as áreas pessoais carentes de melhorias. É preciso agenda e nisso uma rotina de persistência em busca de entender e reconhecer áreas em que é preciso se aperfeiçoar. Sair da zona de conforto de seguir fazendo apenas determinada parte em que se é bom. A velha dicotomia platônico-aristótelica, tão bem visitada por João Cabral de Melo Neto: Inspiração X Trabalho de Arte.

6- Qual o momento de maior dificuldade que já passou na carreira?

Os últimos 4 anos, momento em que os investimentos em cultura entraram numa espiral de desvalorização absurda no Brasil.

7- E de maior felicidade?

Tocar no Fórum Social Mundial em Porto Alegre com a Bataclã FC para 50 mil pessoas no Anfiteatro Pôr do Sol em 2002 assim como em 2013/14 viajar por 114 cidades do Brasil em todos estados com Alabê Ôni.

8- Um artista não deve…

Apoiar Bolsonaro

9- Cinco coisas que mais te inspiram a criar:

Leitura de poesia, Vivência de cultura popular, Pesquisa acadêmica, Movimento (bicicleta/caminhada) e Viagem.

10- Acredita em arte sem política?

A palavra ética está contida dentro da palavra estética. Arte e Política para mim são indissociáveis. Ex: tambor sopapo: transcende a esfera de um instrumento musical constituindo-se num artefato político à medida que atesta a presença negra na construção econômica e cultural do RS.

11- Qual seria o melhor modelo de financiamento da arte?

Modelos podem variar porém o que não deveria mudar nunca é o entendimento de que investir em arte/cultura é investir em desenvolvimento. Nesse sentido ressalto a importância da política pública pois quando ela se faz efetiva demonstra o entendimento pleno de que a arte é bem de primeira necessidade e isso proporciona maior qualidade de vida à sociedade.

12- Existe cultura gaúcha?

Existe cultura gaúcha de diferentes modos assim como existem visões estereotipadas e ainda presas a modelos do século XIX, por exemplo, na afirmação de um folclore oficialesco e eurocêntrico. Existe cultura indígena no RS assim como existe cultura negra no RS e ambas dimensões são cultura gaúcha. O escamoteamento da contribuição negra e indígena nesse folclore oficialesco criado na metade do século XX é uma das formas visíveis de racismo estrutural ainda vigente em 2020.

13- Que conselho você daria a Jair Bolsonaro?

Que se prepare pois o tribunal da História irá julgá-lo, mais cedo ou mais tarde, e ele será enquadrado na real dimensão do que é e representa: um indivíduo na mesma medida despreparado e mal intencionado que serviu a interesses escusos das elites de rapina nacionais que praticam a necro política em consonância com interesses internacionais de mercado. A sua condução da crise sanitária do Covid 19 é uma das coisas mais bizarras e aviltantes que esse país já vivenciou em sua história assim como a (ausência de) política ambiental, cultural, educacional, etc.

14- Todo artista tem de ir onde o povo está?
Sim, tem que ir onde o povo está não apenas para se apresentar e ser ouvido. Precisa ir onde o povo está para aprender com a riqueza da cultura popular, ir ao povo para absorver conhecimento. Assim fizeram Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros, Tia Ciata, Chiquinha Gonzaga, Villa Lobos, Tom Jobim, Clementina de Jesus, Giba Giba, Zilah Machado e muitos outros e muitas outras mais. Aguns desses e dessas eram do povo porém outros se deslocaram enquanto classe média e foram em busca de escutar as vozes periféricas.

15- Ser brasileiro é…

Viver num país com riquezas imensas no âmbito geográfico, fauna, flora, arte, cultura e etc. Porém ao mesmo tempo um país com profundas desigualdades sociais, com uma das piores taxas de distribuição de riqueza do mundo e uma histórica condução enviesada na política nacional que se renova e constantemente se aperfeiçoa em manter seus privilégios deixando as reais necessidades da população de lado.

16- O que você mudaria no jornalismo cultural?

Contrataria ombudsman artista assim como demais trabalhadores da cena cultural, capazes de observar constantemente as práticas da área em busca de aperfeiçoamentos mútuos, de ambos setores. Queixas, denúncias mas também sugestões de como melhorar a cena artística assim como do jornalismo cultural. Um rodízio de profissionais se revezando em tal condição a fim de melhorar a relação entre cultura e informação.

17- Um livro:

Sopaporiki, livro 1 de Richard Serraria lançado em 2020 pela Editora Escola de Poesia. Trata-se do material mais denso, poeticamente falando, que já produzi em minha trajetória de expressão poética. Como referência citaria Memórias póstumas de Brás Cubas que ainda hoje me remexe as vísceras toda vez que leio.

18- Um espetáculo:

A bateria dos Imperadores do Samba. Como pode aquela reunião de tambores, instrumentos musicais e gente construir uma epifania tão grandiosa, assim em formato musical/espiritual? Formas de transcendência, em termos de espetáculo pluriperceptivo ainda não conheci nada tão impactante que arrepie das solas dos pés até as pontas dos fios de cabelo.

19- Um álbum:

Da lama ao caos, disco de estreia de Chico Science e Nação Zumbi. Feche os olhos, ponha os fones de ouvido e permita-se adentrar nesse universo fantástico criado pelo pai do mangue beat. Antropofagia da Semana de 22, o bispo Sardinha enlatado nos tambores ameríndios do maracatu, neo tropicalismo no encontro das guitarras a la Jimi Hendrix de Lúcio Maia com a embolada/rap no gogó de Chico Science. Griotismos revisitados ao fim do século XX, baita síntese para o século XXI: raízes e antenas numa estética glocal (global mas ao mesmo tempo profundamente local) porque amefricana.

20- Um filme:

O grande tambor, filme documentário de 2010 (Iphan/Catarse). A história negra no RS contada através da saga moderna de construção do sopapo. Giba Giba, Mestre Baptista, Dona Sirley, Mário Maia e o cinema também em sua condição griô. Quadro a quadro a memória de parte da negritude no estado, alardeado por alguns como a Europa do Brasil, se mostrando também enquanto África do Brasil. Disponível no youtube, free download.

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