Uma rapidinha com Lobão

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Músico lançou recentemente a sua biografia (Crédito: Divulgação)

Que ele nunca teve papas na língua, todo mundo sabe. Mas, não satisfeito em polemizar com metade dos grandes nomes do showbiz nacional e contar histórias escabrosas sobre junkie trips, João Luiz Woerdenbag Filho, mais conhecido como Lobão, resolveu colocar tudo em pratos limpos e dar seu ponto de vista (definitivo?) sobre uma carreira marcada por muita polêmica e rock’n’roll.

Com o auxílio do jornalista Cláudio Togni, o músico lançou no final do ano passado sua autobiografia, cujo título fala por si só: 50 Anos a Mil. Mas como a literatura nunca foi a principal forma de expressão artística de Lobão, o livro antecedeu o lançamento de uma outra obra tão ou mais interessante: um box com três CDs compilando os dez primeiros anos da carreira do músico, anteriormente lançados pela gravadora Sony Music. De bônus, o DVD do premiado Acústico MTV, na íntegra.

A reportagem do Nonada procurou o músico para falar um pouco sobre o livro, a caixa e outras coisinhas mais. Através de sua assessoria de imprensa, constatamos o que já havia sido mencionado por jornalistas de outros veículos que tentaram entrevistá-lo: o músico prefere responder as perguntas por e-mail – o que, além de dificultar uma possível “tréplica” do repórter, às vezes frustra pelo conteúdo reduzido. Ainda mais em se tratando de Lobão, um cara que sempre teve muito a dizer, sem medo de fazer inimigos ou de se preocupar com o politicamente correto. A seguir, a brevíssima entrevista com o cara e, logo abaixo, alguns trechos de sua biografia.

Nonada – Com esses dois lançamentos, o livro e o box, dá pra dizer que estás passando por um momento de reflexão sobre esses mais de 30 anos de carreira?

Lobão – Estou colocando tudo o que deveria estar no mercado por todos esses anos. Meus originais estavam presos há mais de 20 anos.

Nonada – Muita gente acha que uma biografia não pode ser escrita pelo próprio biografado, uma vez que este tende a ser condescendente consigo mesmo. Tu, mesmo acostumado a “não ter papas na língua”, pensaste que corrias esse risco?

Lobão – Tenho absoluta certeza de que escrevi um belo livro.

Nonada – Chegou a rolar alguma “autocensura” na hora de colocar as ideias no papel?

Lobão – Não. Foi muito agradável escrever o livro. Aliás, conto todas as histórias com carinho e orgulho.

Nonada – Muita gente já deve ter feito essa pergunta, mas não custa repetir: o que te fez, depois de lançar uma revista como a Outracoisa, que era um negócio totalmente underground, partir para um projeto de acústico na MTV. Depois, acabaste até apresentando um programa lá…

Lobão – Isso está explicado em detalhes no livro, mas já vou adiantando que uma coisa não anula outra, isso  me parece óbvio…

Nonada – A OutraCoisa acabou por que dava prejuízo, por que fechou seu ciclo ou por que os tempos agora são outros?

Lobão – A OutraCoisa  acabou porque não conseguiu andar pelas próprias pernas. Quando acabaram alguns patrocínios a revista fechou, pois nunca deu lucro. Apesar disso, acho que foi um marco importante para o cenário musical brasileiro.

Nonada – Com as tuas declarações polêmicas, já arranjaste muitos inimigos na MPB? Ou há quem saiba ouvir críticas?

Lobão – Não estou muito interessado no que as pessoas pensam ou deixam de pensar sobre aquilo que eu falo. Geralmente todos se ofendem, o que é uma pena, pois não há nada pessoal no que eu falo.

Nonada – Por que preferes chamar tua música de MPB em vez de rock, embora a maior parte da tua produção seja roqueira?

Lobão – Porque não consigo separar o estilo que adotei da produção de música popular brasileira. Ou seja: minha música está repleta de rock, mas o que eu faço é MPB.

Nonada – Qual tua avaliação da produção atual no Brasil? O rock brasileiro não está muito bundão?

Lobão – Temos bandas e artistas incríveis, a OutraCoisa já mostrava isso. Deveriam ser mais ouvidos e vistos nas rádios e TVs, pois são o coração e o valor dessa nova geração.

Nonada – Qual consideras tua maior contribuição, a luta contra as injustiças na indústria fonográfica ou tua própria música?

Lobão – A minha maior contribuição, com toda certeza , ainda está por nascer. Até agora me sinto nos primórdios da minha história.

Nonada – O que podemos esperar do Lobão agora, com mais de 50 anos e uma carreira consolidada? É difícil inovar a essa altura?

Lobão – Estou entrando no período de criação de novo repertório. A essa altura? É agora que está ficando bom!!!

Alguns trechos de Lobão – 50 Anos a Mil

Relação com as drogas

Sabia que ainda tinha comigo o plástico em que guardava a cocaína e também, esquecido há meses, atrás na minha calça, um galho de maconha do século passado cuja existência só vim a saber na hora da revista. Fomos eu, o pobre Ricardo, que não tinha nada a ver com a história, nunca sequer provou alguma substância   entorpecente que não fosse televisão. Acharam a bagaça no meu bolso e me deram voz de prisão. Cheguei na delegacia, muito simpático, propondo reformas urgentes: o ventilador não funcionava, a máquina de escrever também… os telefones estavam cortados por falta de pagamento, realmente, uma penúria. Fiquei verdadeiramente penalizado com aquele pessoal trabalhando, dando duro em condições tão precárias. Paguei a fiança e me mandei pra casa. Encontram 0,8 decigramas raspados do plástico da cocaína e o tal centenário galho de maconha. Um Pablo Escobar de calças curtas!

Processo de composição

A casa nova me proporcionou um estado de profunda alegria e entusiasmo. A primeira coisa em que pensei em adquirir foi uma bateria Sonor. A bateria mudou a minha vida. Não possuía o instrumento desde que vendi a minha Tama… e o resultado foram horas a fio em cima do novo xodó. Percebi que seria interessante começar a compor a partir da bateria, algo que nunca havia experimentado ainda. O Berna morava ao lado de casa e era muito fácil da gente se encontrar. Isso favoreceu a nossa profícua produção musical. Quando ele ouviu a minha levada baterística, teve uma ideia. Se lembrou de um poema que ele havia publicado, em 1976, 1977, no ‘Atualidades Atlântica’. Era um poema muito difícil de metrificar! Daí pensei na bateria meio sambosa e imaginei como seria se repetisse algumas determinadas sílabas, e percebi que algumas tinham sonoridade de um fraseado de tamborim, tipo ‘cara do cara a cara do cara caído’, e adotando esse procedimento, naquela tarde nasceu ‘Vida Bandida’.

O suicídio da mãe

Cheguei justamente na hora em que minha mãe ia almoçar. Adentrei furibundo a sala e, transtornado, comecei a berrar com minha mãe coisas do tipo: ‘Escuta aqui: que merda é essa de ficar plantando bilhete debaixo da porta do meu apê? Tá pensando que é mole aturar uma mãe que só fala em se matar o tempo todo? Agora, quem quer que você morra sou eu, viu? Seja uma profissional do suicídio, seja dessa vez mais eficaz e para de brincar com a minha vida que eu não aguento mais!!’ (…) Ela suspira e quebra o silêncio: ‘Pode deixar, meu filho, dessa vez eu serei, como você mesmo disse, uma profissional’. Virou-se serenamente, pegou a chave do carro e saiu, deixando o apartamento aberto comigo dentro. (…) Fiquei preocupado que minha mãe fizesse realmente o que prometera e saí pro orelhão tentar falar com ela… Ligo pro Brasas e sou notificado que ela está na sala de aula e ninguém notou nada de anormal nela… Suspirei mais tranquilo… Às 10h30 minha mãe cai fulminada em plena sala de aula. (…) Enfarte fulminante. Ela parou de tomar o Isordil desde a nossa discussão, era daquelas pessoas que tinham que tomar o remédio três vezes ao dia. Uma forma sutil e profissional de se matar.

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