Ambição calculada para render

Como boa parte das obras recentes de Ridley Scott, "Prometheus" pouco tem de especial. (Crédito: divulgação)

Prometheus (Idem, EUA, 2012)

Direção: Ridley Scott

Roteiro: Damon Lindelof e Jon Spaihts

Com: Noomi Rapace, Michael Fassbender, Charlize Theron, Logan Marshall-Green, Idris Elba, Sean Harris, Rafe Spall, Emun Elliott, Benedict Wong, Kate Dickie, Patrick Wilson e Guy Pearce.

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Depois de lançar três obras elogiadíssimas em seu início de carreira – Os Duelistas (1977), Alien – O Oitavo Passageiro (1979) e Blade Runner (1982) -, Ridley Scott tornou-se gradualmente sinônimo de um projeto duvidoso. Fez filmes aclamados nesse período, sim (como Thelma e Louise e O Gângster), mas raramente beirando a quase unanimidade de seus filmes iniciais. Assim, quando foi anunciado seu retorno ao universo de Alien, a notícia não foi recebida sem apreensão: seria um retorno às origens ou mácula e um dos maiores clássicos da ficção científica? Para o bem e para o mal, nenhuma das duas coisas: Prometheus é sem dúvida um filme tenso e eficiente, mas prejudicado por sua mentalidade de franquia, que concebe história demais para um único filme.

Escrito por Damon Lindelof (série Lost) e Jon Spaihts (A Hora da Escuridão), Prometheus substitui a tenente Ellen Ripley – o papel da vida de Sigourney Weaver – pela pesquisadora Elizabeth Shaw (Rapace), que descobre a presença de figuras comuns em peças artísticas de várias civilizações antigas que se assemelham a um mapa estelar. Com isso, Shaw convence a corporação Weyland (a.k.a. a Companhia) a financiar uma missão espacial para o local descrito, crente (um conceito recorrente na trama, vale dizer) de que a tal espécie nativa possui o conhecimento da nossa criação – caso não sejam eles próprios os criadores. No entanto, a expedição acaba por tornar-se uma tragédia para todos os envolvidos.

Design de produção respeita e recria cenários do "Alien" original. (Crédito: divulgação)

Inferior ao original em todos os aspectos, Prometheus jamais consegue recriar a atmosfera de incerteza de Alien: naquele filme, só descobríamos que Ripley era a protagonista no terceiro ato, mas até ela poderia se tornar uma vítima. Aqui, o roteiro investe numa galeria de estereótipos que inclui o “idiota” (Harris), o “bobão” (Spall), a “executiva fria e impessoal” (Theron) e, é claro, carne para o abate que não entra nessas categorias. Por outro lado, o respeito ao estilo visual do universo de Alien é admirável: a nave Prometheus surge como uma versão mais clean da Nostromo (mas igualmente pesadona) e os interiores visitados continuam aparentando o estranho misto entre orgânico e metálico concebido por H.R. Giger. Ainda na parte técnica, o diretor de fotografia Dariusz Wolski faz um trabalho competente em aproveitar o 3D mesmo em ambientes de pouca luminosidade. Em contrapartida, a breve participação de Guy Pearce representa uma tentativa descaradamente óbvia de levar uma indicação ao Oscar de Melhor Maquiagem, embora as próteses que o envelhecem soem artificiais, servindo apenas para distrair o espectador.

Buscando, em sua metade inicial, abordar questionamentos sobre a origem da vida (com direito a várias referências a 2001: Uma Odisseia no Espaço), Prometheus acaba se perdendo nesses momentos de grande ambição temática. Quando Elizabeth é questionada sobre como certa descoberta impacta sua fé em Deus, por exemplo, é triste ver uma discussão que poderia ser fascinante ser enterrada com duas ou três falas pouco desafiadoras, muito aquém do esperado para uma cientista obviamente competente e que por pouco não a igualam a uma carola qualquer. Mas não é só: por que David (Fassbender) toma uma atitude similar à do Ash de Ian Holm do Alien original? Por que o objeto estudado pelas cientistas apresenta aquela reação? Qual o propósito do mapa estelar? Ao que parece, quando as mortes passam a dominar a narrativa, o roteiro joga para o alto qualquer tentativa de responder essas questões, mas não pára de plantar informações importantes de forma desajeitada (como o destino do pai de Elizabeth).

Michael Fassbender é o grande destaque do elenco. (Crédito: divulgação)

Mas não há como dizer que o clima de tensão de Prometheus é mal construído. Mesmo contando com uma galeria de personagens tão pouco inspirada, Ridley Scott consegue criar sequências incômodas e gráficas, como a descoberta de uma “cobra” alienígena, desconfortável a ponto de fazer com o que o espectador quase esqueça a estupidez dos envolvidos. Reconhecendo a importância e a popularidade da série, o diretor inclui referências aos outros filmes que certamente agradarão aos fãs, como um personagem praticando basquete e a assinatura de uma gravação. E, lógico, Scott não se furta de incluir uma sequência que tenta recriar o impacto da inesquecível cena em que o Alien irrompia do peito de Kane (John Hurt) durante o jantar – e o fato é que, embora não consiga esse intento, a claustrofóbica “auto-cirurgia” vista aqui é a sequência mais memorável da produção, aproveitando-se bem da atuação intensa de Noomi Rapace, que, mesmo presa a uma personagem cujo desenvolvimento cessa junto com a ambição do projeto, cria uma heroína forte que não desperdiça seu talento e energia (o que aconteceu em Sherlock Holmes 2).

E então chegamos ao androide David – o principal motivo de Prometheus ficar acima da média. Empregando uma dicção calculadamente suave que oscila entre a serenidade e o ameaçador, Michael Fassbender transforma o robô na figura mais intrigante do filme: assim como Ash no original, David claramente sabe mais do que revela – e assim, é pena que o roteiro o faça mudar de atitude radicalmente nos momentos finais sem qualquer explicação ou questionamento. Mesmo assim, vale a pena testemunhar momentos como sua conversa com Charlie (Marshall-Green), em que comenta a decepção que seria para os humanos se descobrissem que foram criados “apenas por que os criadores eram capazes de fazê-lo” – e que, de certa forma, é sua própria condição de “objeto” (que traz o logo da Weyland até mesmo em suas digitais).

No entanto, o momento mais irritante de Prometheus é seu desfecho: só faltando um letreiro “to be continued” para reforçar a certeza de uma sequência (ou, no mínimo, a intenção de fazer uma), este é o ápice da mentalidade que prioriza a franquia sobre a obra que tem cada vez mais tomado conta de Hollywood. Um sentimento de frustração ampliado aqui pela negação de praticamente qualquer resposta – seja a seus questionamentos existenciais, seja a elementos da mitologia da série. Se quiser alguma, aguarde por Prometheuses, dirigido por James Cameron.

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