A opressão do infinito

Retorno de Cuarón à direção é uma experiência sensorial absolutamente inesquecível. (Crédito: Warner Bros./divulgação)

Gravidade (Gravity, EUA/Reino Unido, 2013)

Direção: Alfonso Cuarón

Roteiro: Alfonso Cuarón e Jonás Cuarón

Com: Sandra Bullock, George Clooney e as vozes de Ed Harris, Orto Ignatiussen, Paul Sharma, Amy Warren e Basher Savage.

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“No espaço, ninguém pode ouvir você gritar.” Esta arrepiante tagline foi usada há 34 anos para divulgar Alien – O Oitavo Passageiro – mas poderia também servir à promoção desta obra-prima Gravidade, novo trabalho do mexicano Alfonso Cuarón, cujo centro temático é a solidão. De volta à direção depois de longos sete anos de ausência desde que lançou o igualmente magnífico Filhos da Esperança, Cuarón lança o espectador em uma impiedosa viagem de 90 minutos ao espaço, onde a falta de referenciais da vida terrestre (como direções e sons) cria uma experiência paradoxalmente claustrofóbica que se torna cada vez mais aterradora.

(Crédito: Warner Bros./divulgação)

Revelando a predileção do cineasta por longos planos com força total, Gravidade já inicia com um plano-sequência que se aproxima gradualmente da nave Explorer enquanto a astronauta novata Ryan Stone (Bullock) e o experiente Matt Kowalski (Clooney) realizam um conserto rotineiro no telescópio Hubble. É quando a destruição de um satélite provoca uma chuva de destroços sobre a nave, destruindo-a e deixando a dupla à deriva no espaço (e até aqui não houve um corte sequer). Em condições extremamente adversas e com o oxigênio próximo de se esgotar, Stone e Kowalski buscam chegar ao módulo de emergência de uma estação próxima, mas percebem que talvez não tenham muito mais tempo de vida – uma situação que piora quando as circunstâncias forçam sua separação.

É uma premissa simples que Cuarón maximiza ao usá-la para refletir sobre medos profundos da humanidade. A dra. Stone, aqui, é lançada na solidão mais absoluta que um indivíduo pode experimentar – um desamparo que, segundo descobrimos a partir de sua interação com Matt, já existia antes mesmo de ir ao espaço, em função de traumas do passado. O que move Stone durante boa parte da narrativa é um mero instinto de auto-preservação, já que sua experiência a leva a perceber a falta de sentido da própria existência – culminando em uma cena triste e belíssima em que a mulher “conversa” com um chinês pelo rádio. O momento é tão dramaticamente poderoso porque sintetiza alguns dos maiores temores da experiência humana: mais do que a morte em si, a mera ideia de que tenhamos que enfrentá-la sozinhos ou de que ninguém se importará com ela.

Apenas apropriado, portanto, que Cuarón enfoque ícones de diferentes religiões em meio à tecnologia das naves, já que a ideia de uma divindade é justamente mitigar o sofrimento humano provocado pela consciência da própria finitude – especialmente num ambiente inóspito e que promove o completo isolamento. Felizmente, o roteiro dos Cuarón (pai e filho) é inteligente o bastante para limitar-se a sugerir tal constatação, evitando diálogos rebuscados ou filosofadas improváveis para alguém vivendo aquela situação; a própria simplicidade das falas as torna mais devastadoras – um efeito que também se deve a Sandra Bullock, que confere a Ryan Stone uma densidade dramática que não poderia ser antecipada por sua carreira repleta de mediocridades. Segurando quase metade do filme sozinha em cena com competência e deixando o espectador tenso apenas com sua respiração, Bullock realiza um trabalho complexo e memorável – e não será injustiça alguma caso seja indicada a vários prêmios importantes. Por sua vez, George Clooney se sai bem em uma participação menor, encarnando Kowalski como um profissional seguro cuja postura irreverente reflete uma percepção frente à vida diametralmente oposta à de Stone.

(Crédito: Warner Bros./divulgação)

Com o virtuosismo técnico esperado da dupla que produziu os inesquecíveis planos-sequência de Filhos da Esperança, Cuarón e o diretor de fotografia Emmanuel Lubezki usam Gravidade para explorar ao máximo as possibilidades de situar a ação no espaço, onde a falta de referências direcionais permite que a ação seja acompanhada pela câmera a partir de qualquer ponto – e além do espetacular plano inicial (que deve durar cerca de 15 minutos) em que a movimentação cada vez mais nervosa da câmera ajuda a construir a tensão, ainda temos outro momento fabuloso em que a câmera enfoca Bullock como um ponto minúsculo na imensidão do espaço, aproximando-se lentamente até se transformar num close-up extremo, e então, num plano subjetivo, logo voltando à perspectiva objetiva e se afastando novamente – sem qualquer corte. Além disso, é impossível ignorar a beleza de quadros como aquele em que Bullock, ao livrar-se do desconfortável traje espacial, tem um breve momento de relaxamento, assumindo posição fetal enquanto os cabos que flutuam fazem as vezes de cordão umbilical (o que ecoa o próprio “renascimento” da personagem ao longo da narrativa).

Da mesma forma, a direção de arte acerta em conceber os diferentes módulos espaciais como objetos de épocas diversas, havendo algo de obsoleto na tecnologia vista dentro da nave russa (e o mesmo se aplica ao segundo traje vestido pela protagonista). E enquanto a bela trilha sonora de Steven Price ajuda a construir a tensão de forma impactante, o som do projeto busca a precisão científica ao evitar efeitos sonoros ou explosões nas cenas externas – e o silêncio do espaço é algo enervante, criando uma grande imersão (potencializada ainda mais na versão em Imax, onde até mesmo a conversão para o 3D – via de regra, inapropriada – acaba funcionando pela colossal profundidade de campo). Finalmente, o diretor também acerta na condução das sequências de ação, ressaltando que as mais simples tarefas se tornam complexos desafios num ambiente sem gravidade, bem como a letalidade dos destroços.

Que Cuarón não volte a nos privar de novos filmes por mais tanto tempo. A menos que seja para nos presentear com uma maravilha no nível de Gravidade.

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