O Sol é para Todos: um manifesto pela igualdade

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Lançado em 1960, O Sol é Para Todos foi por muito tempo o único livro da escritora americana Harper Lee

A escritora americana Harper Lee precisou escrever um único livro para receber o prêmio Pulitzer de melhor ficção. Lançado em 1960, O Sol é para Todos se tornou um dos maiores clássicos da literatura dos Estados Unidos, fazendo parte da formação de gerações de crianças e adolescentes.

Na pequena cidade fictícia de Maycomb, na década de 1930, o advogado Atticus Finch precisa defender Tom Robinson, rapaz negro acusado injustamente de estuprar uma mulher branca. O julgamento interfere na vida de seus filhos, Jean-Louise (apelidada de Scout) e Jem, que têm de lidar com o preconceito dos habitantes da cidade, já que os habitantes não aceitam o fato de Atticus defender um negro.

A história é narrada por Scout em um futuro incerto, na forma de flashback. Assim, é possível acompanhar intimamente a formação de caráter da personagem durante a infância. A narrativa simples proporciona uma leitura capaz de nos envolver rapidamente, ao passo que o ponto-de-vista de Scout adiciona doçura e um tom irresistivelmente nostálgico à trama. Os muitos personagens secundários são construídos (e reconstruídos) a partir das descobertas de Scout, como Calpúrnia, empregada da família, e Boo Radley, o vizinho misterioso que nunca sai de casa.

O Sol é para Todos ganhou notoriedade por apresentar um discurso anti-racista em uma época em que a sociedade americana ainda vivia uma segregação racial. Nesse sentido, a cidade de Maycomb é o arquétipo do pensamento preconceituoso. Além da discriminação racial, os habitantes costumam classificar cada família segundo conceitos pré-estabelecidos (a família dos Ewell, por exemplo, é vista como preguiçosa). A própria Scout inicialmente segue esses valores, mas começa a questioná-los na medida em que vive novas experiências. “Acho que só existe um tipo de gente: gente”, diz ela, em um dos vários momentos em que reflete sobre o preconceito.

Seu pai, Atticus Finch – representado no cinema por Gregory Peck em uma adaptação vencedora de Oscars – , tem papel fundamental nesse processo. Íntegro, inteligente e afável, ele é a personificação da virtude, embora não deixe de ter defeitos (e aí, entra o mérito de Harper Lee pela criação de personagens críveis e multifacetados).

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Depois de publicar o livro, Lee se tornou assistente de Truman Capote e o ajudou nas pesquisas de A Sangue Frio

É de  Atticus a metáfora que dá origem ao título original do livro, To Kill a Mockingbird. Em uma conversa com os filhos, ele ensina que é um pecado matar um mockinbird, pássaro típico dos Estados Unidos que não destrói jardins nem plantações, apenas canta belas canções. O nome da ave não tem tradução para o português, embora o título do livro tenha sido traduzido, em Portugal, como Não Matem a Cotovia. Nesse sentido, podemos interpretar matar um mockingbird como o mesmo que matar a inocência, representada principalmente por Tim Robinson, mas também por personagens como Boo Radley.

A obra tem alguns elementos autobiográficos. O pai de Harper Lee, por exemplo, também era advogado e defendeu um caso parecido com o descrito no livro. Dill, o menino sonhador presente nas passagens mais lúdicas, foi inspirado em seu amigo de infância, o escritor Truman Capote. Depois de publicar O Sol é para Todos, Lee se tornou assistente de Capote e o ajudou nas pesquisas de sua obra-prima, A Sangue Frio. O livro foi durante 55 anos sua única obra de ficção publicada, fato que felizmente vai se desfazer em julho. Isso porque a escritora tem guardado o inédito Go Set a Watchman (ainda sem título em português), escrito antes de O Sol É Para Todos e trazendo uma Scout adulta que retorna a Maycomb depois de anos. Ou seja, leitores do mundo vão ter uma sonhada sequência do clássico dos anos 60.

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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