Kingsman: a boa e velha espionagem absurda

Quinto filme de Matthew Vaughn volta a adaptar com sucesso obra de Mark Millar. (Crédito: 20th Century Fox / divulgação)
Quinto filme de Matthew Vaughn volta a adaptar com sucesso obra de Mark Millar. (Crédito: 20th Century Fox / divulgação)

Kingsman: Serviço Secreto (Kingsman: The Secret Service, Reino Unido, 2015)

Direção: Matthew Vaughn

Roteiro: Jane Goldman e Matthew Vaughn, baseado em graphic novel de Mark Millar e Dave Gibbons.

Com: Colin Firth, Taron Egerton, Samuel L. Jackson, Mark Strong, Sophie Cookson, Michael Caine, Sofia Boutella, Samantha Wormack, Geoff Bell, Edward Holcroft, Hanna Alström, Jack Davenport e Mark Hamill.

Qualquer um que leia os quadrinhos escritos por Mark Millar que não seus (excelentes) trabalhos para a Marvel e a DC pensará que o sujeito tem uns parafusos a menos. Frequentemente mergulhadas em sangue e vísceras, suas histórias também primam por um senso de humor mordaz que não poupa figuras políticas, celebridades ou aspectos da cultura pop. Enquanto Kick-Ass 1 e 2 e o spin-off Hit-Girl (Kick-Ass 3 é fraco) representavam uma zoação bacana com o conceito dos super-heróis, Kingsman mira no universo da espionagem – daquela com engenhocas amalucadas e vilões caricaturais, é bom que se diga. E funciona tão bem quanto.

(Crédito: 20th Century Fox / divulgação)
(Crédito: 20th Century Fox / divulgação)

Baseado nos quadrinhos escritos por Millar e ilustrados por Dave Gibbons (Watchmen), Kingsman foca-se em Eggsy (Egerton), um jovem candidato a delinquente que é salvo de uma encrenca policial por Harry Hart (Firth), que, por sua vez, teve a vida salva pelo pai do rapaz. Vendo potencial no garoto, Hart/Galahad o recruta para um processo seletivo que escolherá um novo membro para a Kingsman – uma agência de espionagem ainda mais secreta que a CIA, a KGB ou o MI6. Enquanto Eggsy progride em seu treinamento supervisionado por Merlin (Strong), Galahad investiga os planos misteriosos de um milionário (Jackson) determinado a resolver a crise ambiental.

Voltando a acertar num ponto que tornou Kick-Ass uma experiência tão divertida (e que falhou miseravelmente na continuação), Vaughn estabelece o universo de Kingsman num nível totalmente fantasioso, o que libera o espectador para rir dos absurdos de sua trama e, principalmente, de sua violência (espere para ver a hilária carnificina que ocorre no final do segundo ato e vai entender o que estou dizendo). Da mesma forma, os vários confrontos físicos são coreografados de modo a serem intensos o bastante para prender a atenção e, ao mesmo tempo, fluidos demais para serem totalmente realistas – e, tendo em vista que a obra busca homenagear a atmosfera mirabolante dos filmes de espionagem dos anos 60, esse tom leve é mais do que necessário para o sucesso do projeto. Afinal, de que outra maneira seria possível aceitar a natureza da letal Gazelle (Boutella)?

E ninguém encarna esse tom levemente paródico com mais vontade do que Samuel L. Jackson. Sem medo de submeter-se ao ridículo (que já começa com o nome do personagem, Richmond Valentine), o ator simula um efeito de língua presa em suas falas que, somado à aversão do vilão pela violência (!), o converte numa figura cujo olhar ameaçador (estamos falando de Samuel L. Jackson) não é capaz de ocultar sua natureza patética. Por sua vez, Colin Firth volta a viver o tipo britânico fleumático ao qual está mais do que acostumado ao mesmo tempo em que executa as ações de Galahad com a segurança inabalável de um agente veterano, ao passo que o novato Taron Egerton demonstra carisma ao viver um típico arco de… herói novato. Fechando o elenco secundário, Mark Strong surge numa rara aparição como um não-antagonista, enquanto o sempre excelente Michael Caine faz Firth parecer até irreverente com a arrogância de seu Arthur.

(Crédito: 20th Century Fox / divulgação)
(Crédito: 20th Century Fox / divulgação)

Em sua terceira adaptação de HQs (além de Kick-Ass, ele também dirigiu o ótimo X-Men: Primeira Classe), Matthew Vaughn faz questão de reconhecer a origem de Kingsman nessa mídia (mas de forma mais discreta do que em Kick-Ass), seja através da combinação da montagem com uma série de travellings verticais que passam de um “quadro” a outro, seja com a direção de arte – que, nesse caso, também se inspira nos absurdos megalomaníacos dos primeiros filmes da série 007 (que são citados numa brincadeira metalinguística), incluindo fortalezas remotas em montanhas e masmorras cavadas na rocha. Da mesma forma, Vaughn usa o cenário para fazer o típico humor millariano mesmo quando isso soaria estranho (repare na ridícula manchete que surge atrás de Eggsy após um incidente trágico) – e o mesmo se aplica às referências, com destaque para a cena que remete diretamente a O Iluminado sem perder de vista a tensão do que está acontecendo.

Contando com um terceiro ato empolgante e que faz bom uso dos detalhes estabelecidos previamente sobre os personagens, Kingsman deve se manter como uma das aventuras mais despretensiosas e estilosas do ano. E divertidamente sangrenta.

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