Programa Jabá S04E29 – Na pauta, entrevista com Elmar Bones, editor do Jornal Já

Data 15/04/2016

Conversamos com Elmar Bones, editor do Jornal Já, e um dos jornalistas mais ativos na área do jornalismo alternativo e independente do Rio Grande do Sul. Com uma vasta experiência, tendo passado por importantes veículos de comunicação do Brasil, ele conta nessa entrevista sobre o começo da carreira, sobre o trabalho no Jornal Já e a situação atual da imprensa. Escute a entrevista completa clicando no player a seguir. Embaixo há alguns trechos destacados da conversa.

Imprensa durante o regime militar  

“Eu tinha 20 anos quando aconteceu o golpe militar. Eu estava na Faculdade e acompanhei todo o processo. Comecei a trabalhar em 1967, na Folha da Tarde, ainda era um período em que existia uma expectativa de que aquela intervenção militar seria curta para repor as coisas no lugar e extirpar os focos de corrupção e de subversão e depois as coisas voltariam ao normal, mas não voltaram nas quase três décadas seguintes”.

“Depois da censura veio uma etapa pior ainda, a censura foi retirada, mas ficou a autocensura, que é a pior coisa. E em certa altura eu e um grupo de colegas começamos a refletir sobre o que a gente estava fazendo naquela história. Percebemos o seguinte: as empresas de comunicação estavam envolvidas em um compromisso com o regime militar, e estavam se encarregando de fazer a censura: conferindo assuntos que não podiam ser tratados, pessoas que não podiam ser citadas. E os profissionais dentro dessa estrutura estavam mais ou menos enquadrados, é uma situação muito cômoda. Então, começamos a discutir alternativas”.

“A experiência com o Coojornal dentro de um regime militar fechado nos abriu os olhos para uma realidade que o jornalismo comercial, das empresas, já não cumpria. Evidente que a Coojornal e toda a imprensa alternativa que surgia nesse período foram destruídas pelo regime militar. O que aconteceu com essas publicações é uma coisa criminosa. Perseguições, bombas nas bancas onde distribuíam os jornais”.

“Depois da abertura a gente percebe que a realidade da grande imprensa continua a mesma: grandes grupos estabelecendo uma pauta, estabelecendo um noticiário restrito. E grandes grupos que se estruturam com apoio do regime militar. O problema da ditadura é esse: permeia a sociedade inteira. A sociedade fica autoritária. Hierarquizada. As organizações de imprensa adotaram essa estrutura, até hoje assim. Hierarquizada, de cima para baixa. E a sociedade brasileira foi se diversificando, passando por muitas mudanças ao longo desses anos todos, mas não tivemos uma mudança correspondente na parte da comunicação. Ainda temos a comunicação com esse espírito de ser monopolista, tudo para todos, que é uma coisa cada vez mais na contramão do século XXI. Uma das coisas mais difíceis hoje é o estabelecimento de grandes consensos”.

Jornal Já  

“Quando fechou o Correio do Povo, Folha da Tarde e outros jornais ali da Caldas Junior, ficou um virtual monopólio da Zero Hora e era evidente que em um estado como o Rio Grande do Sul não ia ficar com apenas único veículo. Então, em 1985, um grupo de intelectuais e jornalistas lançou o Jornal Já. Um pequeno jornal que tinha como slogan “Um jornal de opinião e cultura”. Era um jornal de ensaios, de artigos, de análises, não focado em reportagem. Eu estava fora de Porto Alegre, cheguei na cidade em 1986 e me aproximei desse grupo, acabei me envolvendo com o jornal e estou nessa experiência até agora”.

“A experiência da Coojornal foi muito rica, chegamos a ter cem jornalistas e lá a gente já se deu conta que não era suficiente ter um jornal só. A sustentabilidade era difícil. Ainda mais de um jornal com as características do nosso, com reportagens inquietantes. Então, a gente partiu para fazer produção de conteúdo jornalístico para distribuir para outras plataformas. Fizemos livros para terceiros, projetos de comunicação para as cooperativas, diversificamos nossas fontes de operação e de receita. Isso eu levei para o Já também. No começo deu para ver que o problema era o mesmo. Só o Jornal não se sustentava. Não tinha como sustentar um grupo de profissionais só com um jornal, começamos a buscar essa diversificação, começamos a produzir livros com apoio das leis de incentivo a cultura, fizemos seminários, revistas com determinados temas. Buscamos uma diversidade de operação, porque o jornal é uma coisa muito frágil. A diversidade é importante”.

“Em 92, 93, nós já estávamos com bastante atividade, bastante coisa para fazer. Começamos a trabalhar com jornal de bairro, o que eu considero uma experiência fantástica. E lançamos um jornal no Bom Fim, no Petropólis, na Cidade Baixa, no Moinhos de Ventos. Sofremos muita pressão principalmente da Zero Hora, que é o grande veículo do Estado e que trabalha com o espírito monopolista ainda, eles não perderam isso que vem lá de trás. Então, eles fizeram várias tentativas ao longo desse tempo de não deixar o espaço do bairro para os pequenos jornais. Então, de tempos em tempos eles entram para dar uma limpada na área. Nós sofremos, mas o nosso jornal resistiu. Moinhos, Petrópolis e Cidade Baixa nós não conseguimos manter. Mas o do Bom Fim nós mantemos até hoje. É um jornal que eu considero muito importante, aprendi muito fazendo isso e aprendo até hoje. A informação local é extremamente importante, porque quando tu informa o teu leitor o que está acontecendo ao redor dele, o leitor age, ele não fica passivo”.

“Nós tivemos um grande percalço. Publicamos uma reportagem sobre o empresário Lindomar Rigotto, que era irmão do ex-governador Germano Rigotto, e fomos processados porque nós contávamos que por trás da história dele (que acabou assassinado em capão da canoa), tinha uma grande fraude que ocorreu na CEEE, que até hoje não está resolvida. Está parado no judiciário esse processo, há vinte anos em primeira instância. Nós publicamos a reportagem em 2001, mas a fraude ocorreu em 1987. Publicamos em 2001, porque foi quando houve esse desfecho com o empresário, houve um assalto e ele foi assassinado. O processo em cima do JÁ foi com esse intuito, de matar esse assunto. O jornal foi processado pela reportagem, que foi assinada por mim, embora eu tenha trabalhado com quatro repórteres. E não foi encontrado erro, não foi apontado erro na reportagem. Tanto que fomos alvo de duas ações: criminal e civil. A criminal era por calúnia e difamação, e essa nós fomos absolvidos cabalmente. Mas na ação civil por dano moral, embora tenhamos ganhado pela primeira instância, a família recorreu e no tribunal a empresa foi condenada. Mas no civil caiu na mão do desembargador e ele chegou a conclusão que a dor de uma mãe ao ver a história de seu filho exposta de forma crua no jornal e condenou a pagar uma indenização de 17 mil reais.”

“Decidimos levar o processo por todas as instâncias, já que não havia nada de errado com ele. Mas já nisso o governador do estado era o Germano Rigotto, então, aí nós começamos a ter dificuldade com o nosso projeto. Dois dos projetos grandes da editora era da CEEE, então qualquer negócio do governo do estado nós ficamos fora. Começamos a perder as condições de lei de incentivo a cultura. Nós fomos perdendo contratos e nosso faturamento caiu.”

“Uma equipe de jornalistas tu não monta de uma hora para outra. Nós vemos os veículos tradicionais tentando fazer um outro tipo de jornalismo, mas tu não monta uma equipe de jornalismo para produzir uma determinada qualidade de conteúdo de uma hora para outra, então nós resistimos para não desmontar a equipe, demoramos a encolher o projeto, para recuperar das dificuldades e fomos perdendo condições. Chegou um ponto em que a empresa praticamente ficou inviabilizada. E vivemos quase uns dez anos nessa maré negativa. Nesse período mantemos muito precariamente nosso site e nosso Jornal do Bom Fim”.

“Aqui no Rio Grande do Sul todo esse projeto que a gente viveu foi encoberto por um manto de silêncio brutal. Nunca saiu uma nota. Aliás, saiu uma nota de cinco linhas na coluna do Tulio Milman para dizer que o Rigotto não tinha nada a ver com isso.

O jornalista Luiz Claudio Cunha escreveu dois artigos que foram publicados no Observatório da Imprensa descrevendo detalhadamente todo esse processo que tava acontecendo com o jornal, e teve uma grande repercussão. O que chamou a atenção de órgãos internacionais a favor da liberdade da imprensa”.

Momento atual da mídia  

“O que a meu ver caracteriza esse processo como um golpe é o conjunto. Ele vem sendo montado. Eu vivi 1964, eu tinha 20 anos, e se dizia exatamente a mesma coisa que se diz hoje. Começa com os vazamentos seletivos, na primeira semana depois do carnaval, na segunda-feira depois do carnaval sai em todos os jornais um documento do juiz Sérgio Moro remetido para o TSE dizendo que dentro da Lava Jato tem indícios que dinheiro ilícito entrou na campanha da presidente Dilma Rousseff, a campanha de 2014. Muito bem, mas esse documento foi encaminhado para o TSE em outubro de 2015, qual é o mecanismo que fez ele aparecer em todos os jornais na segunda-feira depois do carnaval? No início do ano político…Então tem uma série de coisas assim. E o comportamento de quase a totalidade da grande mídia favorável e, visivelmente, dando ênfase para determinadas coisas e eliminando a ênfase para outras coisas”.

“Eu acho que o governo Dilma é um governo problemático, ele é um governo ruim. Acho que a presidente tem dificuldades, é inábil politicamente, concordo com tudo isso…Mas achar que vai tirar a presidente e que se vai sair dessa dificuldade que estamos? Não creio que vá acontecer. Acho o seguinte: há uma faixa da população que são pessoas bem intencionadas, que são patriotas, dotadas de civismo e tudo, mas elas são ingênuas politicamente e estão evolvidas em uma conspiração que é visível. Da qual a mídia, a Globo e seus repetidores, a revista Veja, tomam parte disso. Sou jornalista há quarenta anos eu sei como eles fazem isso, e estão fazendo”.

“Qual deve ser a principal característica de uma redação de jornal? A diversidade. É a peça fundamental. É tu ter representado dentro da redação todos os segmentos da sociedade. As redações hoje em dia são homogêneas, todos pensam igual. Chegam a se debater para quem vai dizer a mesma coisa antes do outro. É um troço repetitivo. Tu não tem o contraponto. Das poucas figuras que a gente tinha na RBS que fazia isso era o Moisés Mendes e ele não conseguiu ficar lá, teve que sair tal a força centrífuga que conduz ao pensamento único. Então, tu tem a sociedade dividida, mas a imprensa é uma unanimidade. É uma situação muito difícil”.

“Acho que esse é o maior problema que o País tem para enfrentar: essa questão da desconcentração dos veículos de comunicação. Ao mesmo tempo que eles estão na contramão de uma realidade que se diversifica, as alternativas elas existem, estão surgindo e se consolidando, mas ainda não encontram o caminho. São projetos isolados, pequenos, e em um ambiente adverso, porque não temos políticas públicas que favoreçam isso e nem políticas empresarias ou comerciais. Hoje no sistema de comunicação as agências de propaganda não são instrumentos de democratização, mas instrumentos de concentração. Elas são vetores da concentração de recursos em poucos veículos que é o que impede que surjam novos projetos, novas linguagens, novas narrativas de imprensa. Existem sim belos novos projetos, mas eles ainda têm um alcance muito limitado”.

 

Compartilhe
Jornalista, Especialista em Jornalismo Digital pela Pucrs, Mestre em Comunicação na Ufrgs e Editor-Fundador do Nonada - Jornalismo Travessia. Acredita nas palavras.
Ler mais sobre
Coberturas Direitos humanos Especiais

Evento Às Armas questiona a produção de conhecimento na universidade

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *