Escolas de samba de Porto Alegre desfilaram pela resistência do Carnaval

por Iarema Soares e Thayse Uchoa

O carnaval de Porto Alegre sofreu dois golpes até sua realização, que ocorreu no último dia 25: deixou de ser financiado pela prefeitura da cidade e teve a data dos desfiles alterada. Como se os boicotes citados acima não fossem suficientes, na sexta-feira, dia em que as escolas da Série Prata pisariam na avenida, o corpo de bombeiros interditou o sambódromo do Porto Seco após uma vistoria que apontou o não cumprimento de exigências do Plano de Proteção Contra Incêndios (PPCI). Como resultado disso, Unidos do Capão, Vila Isabel, Copacabana, Academia de Samba Puro, Império do Sol, Academia de Samba, Praiana, Realeza e Unidos de Vila Mapa não desfilaram em 2017 e tiveram seus esforços de um ano inteiro de trabalho e dedicação jogados fora.

A última inspeção, a vistoria que liberaria o acesso do público ao Complexo Cultural Porto Seco, começou no sábado (dia do desfile das escolas da Série Ouro) após às 16h. O parecer por parte dos bombeiros que autorizava a realização do carnaval foi divulgado por volta das 21h, sendo que a escola convidada desfilaria 21h30. Como consequência disso, a Acadêmicos do Samba Cohab Santa Rita, heptacampeã da cidade de Guaíba, desfilou para um público formado basicamente por trabalhadores da imprensa e técnicos de áudio e vídeo.

O evento, que foi marcado pelas inúmeras dificuldades para ser realizado, não pôde contar massivamente – como nos anos anteriores – com o elemento que faz a festa acontecer: o público. Enquanto as pessoas não chegavam, a agremiação cantou uma homenagem aos orixás com o tema-enredo A gênesis dos orixás e o renascimento da vida. Em determinadas passagens, os instrumentos deixavam de ser tocados, os integrantes da escola cantavam sozinhos o samba para um público inexistente. Entretanto, a graça com que os casais de mestre-sala e porta-bandeira carregavam o pavilhão da escola, a determinação com que a bateria seguia a marcação, a animação estampada no rosto de cada integrante da agremiação mostrou que, apesar de todas as tentativas de silenciamento, o tambor será tocado, o enredo será cantado, será dançado e o carnaval resistirá.

***

Com homenagem a Frida Kahlo, a Imperadores foi a campeã de 2017 (Foto: André Gomes/ Liespa)
Com homenagem a Frida Kahlo, a Imperadores foi a campeã de 2017 (Foto: André Gomes/ Liespa)

Já era madrugada, mais precisamente 4h10 quando a escola do povo, Imperadores do Samba, entrou na avenida. A escola aqueceu o sambódromo na noite fria de outono. É possível dizer que a escolha do tema foi o grande acerto, Frida, sou México em flores cores e amores. Diva entre Imperadores, a escola foi fiel em contar parte da história de Frida Kahlo.

Uma das escolas de samba favoritas da capital, a Imperadores levantou as arquibancadas com o enredo que falava em resistência, revolução, liberdade e em não se calar, fazendo um trocadilho com o sobrenome de Frida.

Já na comissão de frente era possível entender claramente a mensagem preterida dos Carnavalescos em apresentar sua personagem principal. Trazida pelos Leões africanos, símbolos da escola, Frida era exibida ao público com muita delicadeza, junto a um pequeno carro abre alas que representava a descoberta do talento de Frida para a pintura.

O vermelho e branco, cores da escola, se misturavam com as cores quentes e alegres do México e essa alegria era representada em todas as alas que traziam fantasias com muitas flores, bandeiras, caveiras e outras referências da cultura mexicana.

A importância do carnaval se manifesta diante da grande gama de cultura que essa festa proporciona. Tendo em vista que Frida Kahlo faz parte de uma cultura relativamente distante e que muitos foliões desconheciam a história desta mulher guerreira que superou diversas dificuldades.

A Imperadores do Samba fez um desfile impecável e provou o porquê de seu favoritismo. Com elegância e maestria a escola foi a grande campeã do carnaval de Porto Alegre 2017. Em uma disputa acirrada, a vitória veio só no fim da contagem dos votos, que resultou em uma diferença de apenas um décimo com a segunda colocada, Vila do IAPI.

***

Embaixadores do Ritmo abriu a noite de desfiles (Foto: André Gomes/Liespa)
Pelo Telefone, um dos primeiros sambas do Brasil, foi representado em um dos carros da Embaixadores do Ritmo, na abertura da noite de desfiles (Foto: André Gomes/Liespa)

Porém, antes da escola do povo arrastar uma legião de fãs até a dispersão, outras agremiações coloriram a avenida e, também, contagiaram o público que, aliás, aumentou ao longo da noite. A primeira escola da Série A a desfilar foi a Embaixadores do Ritmo que cantou os 100 anos do samba, gênero este que, por ser fruto das periferia e de mãos e cabeças negras, sofreu racismo logo que surgiu.

Eu sou o sangue correndo nas veias do povo. Se agonizo, levanto e volto de novo, dizia parte da letra que diz muito sobre o carnaval, de 2017, aqui da capital. A escola exibiu fantasias coloridas, belas alegorias e uma bateria alinhada que animou, mas não inovou.

Bambas da Orgia desfilou com toda a sua tradição (Foto: André Gomes/Liespa)
A bateria Trovão Azul, do Bambas da Orgia, levou o Porto Seco à loucura no início da noite carnavalesca (Foto: André Gomes/Liespa)

Os alto-falantes do Porto Seco anunciavam a chegada da águia 20 vezes campeã do carnaval. O Bambas da Orgia com o tema Num piscar de olhos tudo pode acontecer animou a plateia com as paradinhas e batidas ao ritmo de funk da bateria. Por ser uma das queridinhas dos portoalegrenses, todos sabiam decor a letra da música. O Bambas apresentou alas robustas e algumas coreografadas. A parte lateral da pista ficou intransitável tamanho o número de pessoas que faziam questão de acompanhar a escola. A euforia do Bambas fez com que ele estourasse em 5 minutos o tempo de desfile, o que o prejudicou na classificação final.

União da Vila do IaPI foi a vice-campeã (Foto: André Gomes/Liespa)
União da Vila do IAPI: a porta-bandeira Suelen Neves e mestre-sala Raphael Rodrigues, que veio do Rio de Janeiro, onde desfila pela Vila Isabel (Foto: André Gomes/Liespa)

A locomotiva da União da Vila do I.A.P.I apresentou um desfile correto, com alegorias e fantasias muitíssimo bem acabadas e uma sintonia afinada entre bateria e harmonia. No quesito técnico, a escola foi a melhor da avenida, mas não é apenas disso que vive a festa popular. O samba-enredo De Porto a Porto, o sonho aconteceu. Natalício, uma receita de sucesso não contagiou a arquibancada. E curiosa (?) foi propaganda para o Senac-RS em um dos carros alegóricos.

Desfile da Restinga teve contestações Foto: André Gomes/Liespa)
Desfile da Restinga teve contestações Foto: André Gomes/Liespa)

Da Nossa Cana Doce Sai a Pinga Minha Gente!E a Tinga Faz a Festa com Nosso Ouro Aguardente, a tricolor do extremo sul da zona sul contou a história da cachaça. A Restinga apresentou pontos positivos em sua apresentação, o maior destaque sempre fica e ficará com a bateria. Mestre Guto ofereceu um show e tanto aos foliões, teve paradinha, teve coreografia, teve força e potência. Por outro lado, um dos problemas observados foi que os integrantes da bateria não estavam fantasiados, mas o mais grave foi o black face utilizado duas vezes pelo carnavalesco da escola. Esse recurso racista foi aplicado na comissão de frente que simulava escravos trabalhando na moagem da cana, bem como no carro abre-alas, que representava um navio tumbeiro. O black face não representa os negros, pelo contrário, ele é mais uma forma de racista de perpetuação de estereótipos que precisam ser abolidos.

Imperatriz Dona leopoldina Foto: André Gomes/ Liespa)
Imperatriz Dona leopoldina Foto: (André Gomes/ Liespa)

A Imperatriz Dona Leopoldina, que foi campeã do carnaval no ano passado, teve o pior desempenho e ficou em último lugar na classificação dos jurados. Com o tema A Imperatriz canta e conta a negritude tchê, a escola trazia referências africanas de orixás búzios e tambores. Acima de tudo a escola deixou muito a desejar em relação ao acabamento dos carros alegóricos. O carro abre-alas era um grande navio, representava a viagem dos negros africanos ao sul do Brasil e vinha com um grande letreiro com o nome da escola que não aguentou o fim do desfile e foi caindo na avenida.

Os carros alegóricos e fantasias não traziam muita diferença entre si, e é possível que a história do negro no Rio Grande do Sul fosse muito melhor representada pela escola em todos os aspectos (carros alegóricos, fantasias e samba enredo), tendo em vista a grande gama de assuntos que poderiam ser explorados e abordados.

Acadêmicos de Gravataí encerrou a noite Foto: André Gomes/Liespa)
Acadêmicos de Gravataí trouxe Chacrinha para a avenida (Foto: André Gomes/Liespa)

A Onça Negra da Acadêmicos de Gravataí entrou na avenida quando já tinha amanhecido. Falando sobre Chacrinha e o tema Roda, roda, roda e avisa: Faça-se a confusão! O rei da alegria vem sacudir a multidão a escola desfilou para um público muito pequeno devido ao horário e ao frio mas não perdeu a animação e o sorriso no rosto.

O samba enredo era bonito e animado, trazia os bordões de Chacrinha e contava sua história de vida desde o início de sua carreira em medicina no Recife e a mudança para o Rio de Janeiro, passando pelo rádio e por fim na televisão. A bateria deu show, fazendo diversas nuances e paradas, onde se ouvia as vozes da escola cantando o samba enredo.

Mesmo com fantasias coloridas e muito entusiasmo a escola ficou em penúltimo lugar na classificação dos jurados.

A Zona Norte encerrou os desfiles Foto: André Gomes/Liespa)
Ana Marilda e Caio formam um dos casais mais queridos do Carnaval de Porto Alegre. A Império da Zona Norte encerrou os desfiles por volta de 8h da manhã (Foto: André Gomes/Liespa)

A Império da Zona Norte foi a última a desfilar, mas nem por isso deixou a desejar. A escola ficou em 3º lugar na classificação geral e falou de fé com tema Império em procissão.

A comissão de frente trazia pessoas com vestimentas tradicionais de diversas religiões. Como forma de protesto, traziam placas que pediam o respeito ao carnaval e afirmavam: CARNAVAL É CULTURA DO POVO NEGRO. A ação gerou muitos aplausos de quem assistia.

Olhai por nós, na procissão imperiana, que mantém acesa a chama da comunhão universal, abençoai com seu amor o sagrado carnaval, era o que pedia o samba enredo da escola após os tantos boicotes que a festa popular sofreu. Nossa Senhora dos Navegantes, São Jorge, Padre Cícero foram os homenageados que fecharam os desfiles com chave de ouro.

Compartilhe
Ler mais sobre
Culturas populares Reportagem

Baiana mais antiga do Carnaval de Porto Alegre, dona Nicolina festeja: “tenho alma de guriazinha”

Processos artísticos Reportagem

Corpo tem sotaque: como mestra Iara Deodoro abriu caminhos para a dança afro-gaúcha

Direitos humanos Notícias Políticas culturais

Unesco sugere salário mínimo a todos os trabalhadores da cultura

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *