Perspectivas (nada boas) para a Cultura de Porto Alegre em 2018

Foto: Joel Vargas/PMPA

O ano de 2018 começou, mais uma vez, extremamente difícil para a cultura na capital do RS. Como previsto, a gestão de Luciano Alabarse e Marchezan Jr. deu prosseguimento à política de investimento mínimo (pra não dizer zero) na cultura popular e na diversidade cultural, além de seguir com projetos que levantaram dúvidas em 2017 pela falta de transparência.

Em dezembro do último ano, foi aprovada, pela Câmara de Vereadores, a Lei Orçamentária Anual (LOA) do município para 2018, que estabelece o teto de investimentos a cada ação proposta pelo executivo. Os valores referem-se ao total que a prefeitura pode investir, sem a obrigatoriedade de empenhar toda a verba. Para além dos recursos previsíveis como o Porto Alegre em Cena, que se manteve estável, a gestão aprofundou o modelo neoliberal que não vê lucros em incentivar expressões populares e, na área da cultura, deixou de lado a diversidade, alinhando-se sem surpresa aos ideais fascistas do MBL. Emendas fundamentais para a Cultura e unânimes na comunidade artística, como a destinação de recursos para o Carnaval e para a Parada LGBT, além da manutenção do programa Adote um Escritor, foram aprovadas na Câmara, mas vetadas por Marchezan.

Analisamos alguns pontos da LOA, disponível neste link. Os números referem-se aos investimentos previstos para este ano e outras despesas correntes, como recursos com administração. O Fumproarte conta este ano com R$ 1.528 milhão, mas a prefeitura ainda deve aos artistas e vem realizando o pagamento gradativamente. O Funcultura, destinado à “Realização de eventos de grande porte que contemplem diferentes linguagens artísticas e culturais”, segundo a LOA, (e que, ao contrário do Fumproarte, não necessita de editais), tem R$ 2.179 milhões no orçamento para 2018. A descentralização, responsável por incentivar a cultura na periferia da cidade, teve seus recursos reduzidos de R$ 2.300 milhões para R$840 mil. Já para a Usina do Gasômetro, que teve seu projeto de reestruturação reduzido, foi destinado R$ 1.530 milhão – em 2017, o valor era de R$ 10.350.600. Fica a dúvida: a gestão se mostrou incompetente no planejamento ou há algo não explicado nesse erro?

Chama a atenção o valor destinado ao que a secretaria nomeou “literatura e humanidades”. São R$ 229 mil para a realização de cursos e palestras sem licitação, como a Universidade Aberta, conforme mostramos no ano passado. O projeto também prevê a importante iniciativa de fomento à leitura na rede pública de ensino, estranhamente o mesmo objetivo do programa Adote um Escritor, que leva autores do RS e seus livros para escolas públicas de Porto Alegre. A emenda nº 86, da vereadora Fernanda Melchionna (PSol), destinava R$ 400 mil da Secretaria Municipal de Educação para a continuidade do Adote, mas foi vetada pelo prefeito com a alegação de falta de recursos. 

Outros dois vetos tem igual gravidade, embora exista uma certa resignação da comunidade cultural. Sob a justificativa de manter a política de não-investimento em “festas populares”, Marchezan ignorou a aprovação das emendas nº 01, do vereador João Bosco Vaz (PDT) – que previa R$ 1 milhão para a realização do Carnaval – e nº 101, de autoria de Roberto Robaina (PSol), que destinava R$ 60 mil (o equivalente a 0,0005% do total do orçamento do município, diz Robaina) da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esportes para a Parada Livre LGBT. O prefeito alegou ainda que o uso de recursos da SMDE reduziria recursos “as cadeias produtivas do município”. É a primeira vez, desde a consolidação, que a Parada não recebe nenhum apoio do Executivo.

Cabe o questionamento ao senhor prefeito:  por que as chamadas festas populares, promovidas e autogestionadas pela população, têm menos direito a receber investimentos que os cursos sobre gramática e a cultura de Paris? O prefeito (amigo dos ignorantes do MBL) trata as manifestações culturais populares já reconhecidas no calendário da cidade como supérfluos, casos descartáveis e pouco importantes diante da erudição dos seus. A prefeitura segue descumprindo o Plano Municipal de Cultura, amplamente debatido e aprovado pelo Legislativo.

Uma das únicas emendas mantidas na área da cultura é a Nº62, do vereador Tarciso Flecha Negra (PDT), que propôs o valor de R$ 40 mil  da SMC para a valorização do largo Zumbi dos Palmares, “para garantir neste espaço a prática afirmativa da cultura negra”, justificou o vereador. Cabe destacar também a verba de R$ 350 mil prevista para o museu da História e Cultura do Povo Negro (Projeto de Lei aprovado em 2010), que curiosamente tem recursos em todas as últimas LOAs, pelo menos nos últimos quatro anos, embora nada de concreto tenha sido realizado para este propósito. Vale o alerta para que a proposta de valorização do largo Zumbi não seja desvirtuada e para que o prefeito possa se redimir do erro de interromper o projeto Territórios Negros com a finalização e implantação do museu. 

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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