TV Nação Preta desponta como novo veículo alternativo em Porto Alegre

Enquanto os tempos são de mudanças drásticas para a comunicação pública no Rio Grande do Sul, com a extinção oficial da Fundação Piratini, a resistência no campo do jornalismo alternativo continua originando veículos independentes. Um exemplo é a TV Nação Preta, canal de reportagens em vídeo protagonizado pelos jornalistas da Fundação Piratini Fernanda Carvalho, Vera Cardozo e Domício Grillo.

A TV Nação Preta nasce da necessidade de criação de um espaço dedicado ao registro, divulgação e valorização da história e da cultura afro-brasileira. “O objetivo é dar visibilidade e representatividade ao povo negro, que encontra muito pouco espaço na mídia brasileira tradicional”, segundo a equipe. A iniciativa vem para somar no mosaico da mídia alternativa gaúcha, que possui também o portal Nação Z,  com a mesma temática.

Entre as pautas já realizadas pelo grupo, estão a cobertura da FestiPoa Literária, um debate sobre o carnaval de Porto Alegre e a ausência de políticas públicas e ainda a reivindicação acerca do Centro de Referencia do Negro Nilo Feijó. O canal completa em breve um ano no ar, trazendo no total mais de 80 vídeos, e o Nonada conversou com Fernanda Carvalho para saber mais sobre as pautas e os obstáculos que ainda existem para a visibilidade da cultura negra na mídia porto-alegrense.

Como surgiu a TV? O que motivou o surgimento, tem a ver com o processo de extinção da TVE?

Na verdade, agregar a internet já era um plano que eu e Vera Cardozo (idealizadora e diretora do Nação) tínhamos. Primeiro porque por ser um programa semanal, em formato de reportagem especial/mini-doc muita pauta ficava de fora do Nação. E por sermos o único programa na grade nacional da TV aberta a ser totalmente voltado a negritude, recebíamos pautas do país todo e até do exterior. Mas se tinha, por exemplo, o lançamento de um livro ou um show, a gente ou tinha que encaixar isso em um programa com o tema ou ficava de fora. Depois porque nossos entrevistados geralmente eram historiadores e estudiosos que geravam entrevistas belíssimas e muita coisa também ficava de fora da edição final. Começamos então a postar no canal da TVE no YouTube o que não ia ao ar e esse material era super acessado. Pensamos então que a internet poderia ser uma maneira de atender também a essas pautas mais dinâmicas ou pontuais. Porém, neste tempo veio o triste processo de extinção, eu e Vera saímos da TVE por motivos diferentes (eu era PJ e meu contrato não foi renovado, ela aderiu ao PDV) e pensamos que era a hora da gente se dedicar então inteiramente a esse projeto.

Trata-se um veículo de jornalismo independente, alternativo? Como vocês classificam?

Chamamos de jornalismo alternativo até porque, para mim, uma das características deste jornalismo é a cobertura do que a grande mídia segue ignorando por motivos comerciais. Infelizmente, pautas da comunidade negra são exatamente isso ainda.

Vocês têm mostrado que a cultura negra é muito mais ativa e tem papel central da sociedade, ao contrário do que a mídia no geral apresenta. Como a mídia pode naturalizar e dar mais visibilidade pro tema?

Eu acho que despertar este interesse tem que partir da própria comunidade negra. Como eu disse, a mídia ignora nossas pautas porque tem uma visão comercial e, dentro desta visão, acha que negro não vende e, mais erroneamente ainda, que não consumimos. Somos mais da metade da população e temos uma mídia que não só não nos inclui, como também nos agride muitas vezes. Mas continuamos a consumir e dar audiência. Nós que temos que cortar esse ciclo. Não assistindo, não prestigiando e não consumindo o que não nos representa. Já estamos vendo mudanças neste sentido quanto as telenovelas, por exemplo. O movimento de telespectadores fez com que uma novela tivesse que ser repensada e ajustada. E essa mudança, por mais que tenha sido mínima e longe do ideal, não aconteceu para agradar ninguém, mas para evitar uma baixa audiência. O poder é nosso neste sentido, precisamos exercê-lo para mudar a mídia embranquecida que temos hoje.

Que tipos de pautas vocês abordam dentro desta temática e quais são os planos pro futuro? Pretendem ampliar a equipe?

No que inclui os interesses da negritude, tudo é pauta. Música, literatura, política, religião, denúncia… o intuito é nos tirar da invisibilidade. E sabe o que é mais interessante? Na maioria das pautas que cobrimos, somos os únicos a estar lá. É revoltante ver que um desfile ou o lançamento de um livro, por exemplo, não são interessantes para muitos meios simplesmente porque tem como foco a negritude. Nosso plano é atingir o maior número de espectadores possível, até porque nosso interesse é que as pessoas conheçam as histórias, os movimentos e as pessoas que viram nossas matérias. Ampliar a equipe seria sinônimo de que precisamos de mais gente para chegar ainda mais longe e cobrir ainda mais nossas pautas, ou seja, significaria que estamos alcançando o que nós definimos como sucesso.

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