Com inação do Governo Bolsonaro, setor cultural depende do Congresso para receber recursos

Ester Caetano

Foto: Pedro França/Agência Senado

Depois do alívio trazido momentaneamente pela Lei Aldir Blanc (LAB), o setor cultural aguarda novas medidas vindas do Congresso Nacional. O governo Bolsonaro ainda não lançou nenhum programa – sequer emergencial –  voltado ao desenvolvimento do setor, mas tramitam no Senado e na Câmara novos projetos que podem dar novo fôlego à cultura, uma vez que a retomada do setor ainda é lenta.

Um dos PLs mais aguardados é a Lei Paulo Gustavo, que pretende distribuir mais R$ 4,3 bilhões para o setor nos moldes na Lei Aldir Blanc. Os recursos seriam oriundos do Fundo Nacional de Cultura e do Fundo Setorial do Audiovisual. Responsável por injetar R$ 3 bilhões no setor cultural, a Lei Aldir Blanc é considerada um marco em termos de políticas públicas de cultura. Parlamentares e gestores culturais avaliam que a Lei, que foi proposta em conjunto por políticos de diferentes partidos, ajudou a implementar o Sistema Nacional de Cultura, programa criado em 2010 para capilarizar a verba e as políticas públicas da área. O projeto que cria a Lei Paulo Gustavo está para ser votado pelo plenário do Senado Federal, embora pelo menos três sessões em que a matéria estava na pauta tenham sido canceladas nas últimas semanas –  e tem como relator Eduardo Gomes (MDB). 

Embora proposto pelo senador Paulo Rocha (PT), o PL é apoiado também por parlamentares de partidos como o PSDB. “Uma das contrapartidas desse projeto é a contratação de estudantes e jovens e a exibição de obras nacionais por prazo prolongado e disponibilização gratuita dos respectivos serviços culturais para publicações específicas. Isso quer dizer empregos de jovens, de estudantes e dessa juventude que não pode ser sacrificada por mais um período de descaso com relação à qualificação profissional, à habilitação desses jovens estudantes à essa revolução que o mundo vive hoje do ponto de vista tecnológico. Enfim, que a gente tenha compromissos efetivos”, afirmou o tucano José Aníbal na sessão do dia 14 de setembro, diante da retirada do projeto da pauta por requerimento do líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB).

Nas redes sociais, o secretário especial de Cultura, Mário Frias, e o Secretário Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciúncula, têm feito uma intensa campanha contra a aprovação da Lei. “Um absurdo que transformará o governo federal num caixa eletrônico de saque compulsório. Essa lei destinará anualmente 4 bilhões de reais para estados decidirem o destino desse recurso. Sou radicalmente contra!”, postou Frias horas antes do PL ser retirado da pauta, no dia 14.

Ilustração: Bárbara Quintino/Nonada

Além de medidas emergenciais, parlamentares esperam que o debate, que se intensificou com a ampla aprovação da LAB, sirva de base para se pensar o desenvolvimento do setor de forma permanente. Segundo a deputada federal Benedita da Silva (PT), atuante na Comissão de Cultura da Câmara, existe um fluxo de mais de 400 projetos que tramitam todo ano no órgão. “Da minha parte como deputada federal, cabe a formalização das necessidades para consolidar a economia da cultura, defender e fiscalizar as políticas públicas e ampliar o arcabouço legal para que o setor tenha respaldo legal e jurídico para se desenvolver e pleitear direitos”, expõe Benedita, avaliando que o Legislativo tem tomado lugar dos guardiã das bases legais, além de construir outras bases para defender os direitos já adquiridos.

Para a deputada federal Fernanda Melchionna (PSol), a LAB mostrou que foi um acerto descentralizar a aplicação de recursos, uma das principais críticas de Mário Frias à possível sucessora da LAB, Lei Paulo Gustavo. “Temos visto como o governo Bolsonaro, principalmente o interlocutor folclórico Mario Frias, está tentando destruir a diversidade cultural brasileira. Se os recursos fossem administrados pelo governo Bolsonaro, seria um caos”, acredita.

Benedita da Silva pondera que a LAB foi um marco histórico e que possibilitou a aplicação do SNC de fato, mas que sempre foi uma lei emergencial. “A LAB possibilitou a operacionalização do Sistema Nacional de Cultura, com recursos, mesmo sendo uma ação de emergência vinculada a uma pandemia, como a que enfrentamos até hoje. Se o sistema estivesse regulamentado todo o processo junto aos entes federados seria menos complexo e corrido”, relata. 

Melchionna considera que o mais importante é a discussão sobre a necessidade de se ter um financiamento permanente para o setor da Cultura no Brasil. “Termos uma fonte de financiamento fixa com políticas de estímulo à diversidade cultural, sem privilegiar os grandes empresários do setor, mas sim os artistas das comunidades de todo o Brasil precisa ser uma prioridade. Artista também vai ao supermercado, compra comida, paga luz etc. E mais, mostramos, mais uma vez, que a criatividade e a qualidade técnica das produções artísticas dos brasileiros são impressionantes e precisam ser estimuladas”, avalia.

Uma das propostas que pensam em um desenvolvimento permanente do setor é o Projeto de Lei (PL) 1518/2021, que propõe a criação de uma Lei de fomento direto e permanente ao setor cultural, nomeada de Política Nacional Aldir Blanc. O projeto prevê que a União repasse anualmente R$ 3 bilhões aos estados, Distrito Federal e municípios, baseado na experiência da Lei Aldir Blanc, já a partir de 2022. Os recursos seriam repassados a partir do superávit do Fundo Nacional da Cultura (FNC), de doações, de subvenções e auxílios de entidades de qualquer natureza e de parte da verba arrecadada nas loterias federais, entre outras fontes. O PL é de autoria da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB) e co-autoria de 12 parlamentares de diversos partidos como PT, PDT, PCdoB, PSOL, PSDB e PSB. 

Se aprovada, a Política Nacional Aldir Blanc terá como beneficiários entidades e pessoas físicas e jurídicas que atuem na produção, difusão, promoção e preservação e aquisição de bens, produtos ou serviços artísticos e culturais, incluindo o patrimônio cultural material e imaterial. A LAB 2 segue os parâmetros da Lei 14.017/2020 e prevê o estímulo a iniciativas e projetos culturais, garantindo financiamento para ações que visem o pleno exercício dos direitos culturais aos cidadãos brasileiros, dispondo dos meios e insumos necessários para produzir, registrar, gerir e difundir iniciativas culturais.

Segundo Melchionna, no entanto, o Congresso tem sido discreto na área da Cultura e não tem garantido as condições necessárias de subsistência do setor, muito devido ao desinteresse do presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas). “A Comissão de Cultura da Câmara tem tido uma importante atuação, mas é evidente que não é a prioridade de Arthur Lira o apoio à Cultura. Lira está conectado com as demandas do conservadorismo do governo Bolsonaro e também quer atender aos grandes empresários, que querem o desmonte do Estado e dos serviços públicos. O que o Brasil precisa é um Ministério da Cultura potente, forte, que execute uma política definida pelo povo e para o povo, com recursos legítimos previstos no orçamento federal, em uma porcentagem relevante e não com as migalhas que temos hoje”, diz. 

Esta reportagem é uma produção do Programa de Diversidade nas Redações, realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo, com o apoio do Google News Initiative.

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Jornalista engajada nas causas sociais e na política. Gosta de escrever sobre identidade cultural, representatividade e tudo aquilo que engloba diversidade.
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