Cantora e multiartista Valéria Barcellos relata que sofreu transfobia no Theatro São Pedro

Em carta aberta, a cantora e multiartista Valéria Barcellos relatou que sofreu um caso de desrespeito com cunho transfóbico sofrido a partir de uma fala do presidente do Theatro São Pedro, Antônio Hohlfeldt, na quinta-feira (9).
Por Valéria Barcellos

CARTA ABERTA (e de repúdio à atitude) AO SENHOR ANTÔNIO HOHLFELDT, PRESIDENTE DO TEATRO SÃO PEDRO.

Porto Alegre, 09/12/2021.

Caro Senhor.

Venho por meio desta trazer a público, o episódio de desrespeito e transfobia da noite do dia 08/12/2021, sofrido por mim, por parte do Senhor acima citado.

Para contextualizar outras pessoas que lerão isso, vale explicar o ocorrido: Estava eu na minha passagem de som, quando o senhor Antônio, grosseira e desrespeitosamente pediu que esta fosse interrompida, pois “estava vazando som para o foyer” e que “já havíamos tido nosso tempo”. Quando da minha resposta de”sim já estamos parando”, pois havia sido avisada segundos antes do ocorrido ( embora não nos tivesse sido relata nenhuma atividade no foyer), que também foi seguida da frase “não precisa ser grosseiro”, ouvido ainda um “Querido, não estou sendo grosseiro”, tratamento este no gênero masculino que foi repetido pelo senhor citado acima. Cabe ressaltar que o tom e volume de voz não conseguem ser expressos em palavras, mas garanto a quem estiver lendo, não foi nada gentil.

Meu gênero não é fantasia. Embora roupa alguma defina gênero algum , eu estava usando um vestido verde com decote o que embora, repito, não defina gênero, demarcava o meu, naquele momento.

Ao fim do espetáculo que eu participava, não quis ouvir suas desculpas. E confesso continuo não querendo ouvi-las. Eu já as conheço e sei exatamente como começarão e principalmente como terminarão. O senhor vai se desculpar, e terei de aceitar e ao final nada será feito, porque é assim que é, e tem sido sempre.

Nos meus 16 anos de trabalho aqui na capital, e mais de trinta de vida artística, talvez esse episódio em especial, tenha me machucado a tal ponto de tão cedo não querer pisar no palco do Teatro São Pedro, que tanto sonhara e respeitara desde sempre, para não ter reviver a lembrança do desrespeito e da transfobia “velada”.

Em momento algum quero parecer alguém que sente necessidade de publicizar essas situações de maneira torpe, leviana, marqueteira.Mas é preciso falar disso com urgência para que não pareça algo isolado. Penso também que se eu fui exposta em público (diante de funcionários e equipes ali presentes) essa situacão também mereça tamanha exposição.

Não quero e nem vou parecer a louca raivosa. Expor essa situação me dói tanto, e machuca tanto, que escrevo essas palavras com as mãos trêmulas. Mas cansei de aceitar desculpas vãs que não resultam em ações efetivas. É preciso entender o respeito ao artista, ao palco e as novas configurações de vida. Sou uma mulher trans/travesti naquele palco e seu desrespeito pra mim só disse, mais uma vez que ali não é MEU/NOSSO lugar.

Se o senhor não sabe como lidar, aprenda. É preciso estar disposto a aprender ouvir. É preciso prudência com palavras e atitudes, e se no momento do ocoriddo lhe faltou isso por qualquer razão, penso que o mais indicado era não fazer-se presente, e retornar quando o senhor se sentisse melhor.

No mais repito: MEU GÊNERO NÃO É FANTASIA! Não preciso estar vestida assim ou assado para ser aquilo e quem sou: uma mulher trans.

A todos que me proporcionaram ótimos momentos lá: OBRIGADA!

Ao senhor deixo aqui exposto que, acredito eu, depois do ocorrido minha ausência vale mais que minha presença, arte e vivências naquele lugar. Portanto: ME RETIRO.

Espero que essa situacão jamais se repita com nenhuma de nós nunca mais, ali e em nenhum lugar.

Fico imaginando que se eu, uma artista de destaque da cena tive de ouvir/passar por isso, como seriam tratadas outras sem voz para manifestar-se. Será que esse mesmo tratamento teria sido/será dado a outras artistas de renome nacional?

Espero realmente uma retratacão, mas não em formato de desculpas formais e sim de ações efeitivas anti transfobia e de traquejo, no bem tratar artistas.

Espero poder esquecer o ocorrido da noite de ontem algum dia.

Espero que isso nunca mais se repita com nenhuma artista, e menos ainda uma artista trans.

Obrigada pelo carinho e respeito de todas as pessoas.

E ao senhor,reitero o quanto ainda me sinto triste, invadida e desrespeitada por sua postura naquela noite.

Valéria Barcellos

Multiartista

(DRT 9396)

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