Quebrando armários: os desafios de estudantes, pais e professores LGBTQIA+

Reportagem: Ícaro Kropidloski

Artes: Caio Ramos

Fotos: Matheus Pé e Max Peixoto

Antes de você iniciar essa leitura, vale explicarmos alguns termos que serão recorrentes no texto.  Cis e transgênero, por exemplo, referem-se à identidades de gênero possíveis nas vivências humanas. Cisgênero é a pessoa que identifica-se com o gênero que lhe foi atribuído no nascimento, ao passo que uma pessoa transgênero é aquela  que não se identifica com o gênero que lhe foi atribuído no nascimento. Além desses termos, usaremos aqui palavras que referem-se a orientação sexual (gay, lésbica, etc..). Caso você não tenha familiaridade com o assunto, preparamos a arte abaixo, o famoso “Biscoito do Gênero.” Veja a arte abaixo com atenção e siga em frente, lembramos que o Biscoito é um conteúdo didático e de aproximação, as nuances e questões sobre gênero são mais complexas. Boa leitura!  

Arte: Caio Ramos/Nonada Jornalismo

***

Eduardo de Oliveira Guterres é um homem cis e gay, tem 24 anos, é técnico em enfermagem, estudante de publicidade e propaganda e mora em Santa Cruz do Sul, cidade da região central do Rio Grande do Sul. Ele é natural de Pantano Grande, cidade vizinha de Santa Cruz do Sul e com apenas 9.000 habitantes. Foi lá que Eduardo cresceu e enfrentou situações de homofobia durante a vida escolar em uma escola da rede municipal. 

Ele lembra que, a partir da quinta série, o bullying homofóbico começou, e termos como “bichinha” e “viadinho” eram os xingamentos mais comuns. “Eu procurava muito a direção e acho que ninguém ali estava muito preparado, naquela época, pra lidar com esse tipo de coisa. E eu estava sempre procurando e dizendo ‘olha tão me chamando disso e daquilo'”, relembra.

A Pesquisa Nacional por Amostra da População LGBTQIA+, conduzida de forma online pela startup Todxs em 2019, mostra que sete em cada 10 alunos LGBTQIA+ do ensino médio não assumem a orientação sexual ou identidade de gênero durante a vida escolar. Foram sistematizadas respostas de 15 mil pessoas das 27 capitais brasileiras e, até o momento, esse é um dos maiores censos focados na população LGBTQIA+. Vale lembrar que os levantamentos conduzidos por órgãos oficiais como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, apresentam poucas ou nenhuma pergunta referente a sexualidade e identidade de gênero. É comum, portanto, que mapeamentos sobre essa comunidade sejam coordenados e publicados por instituições do Terceiro Setor. 

Arte: Caio Ramos/Nonada Jornalismo

Mas quais motivos levam esses jovens a omitir a orientação sexual e a não assumir a identidade de gênero no ambiente escolar? Um levantamento um pouco mais antigo parece dar algumas respostas. Entre dezembro de 2015 e março de 2016 a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) coordenou no país a aplicação da Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil. O estudo fez parte de um esforço conjunto entre sete países da América Latina (Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Peru, Colômbia e México), e cada um foi apoiado em seu território por organizações locais. No Brasil, dos 1.016 adolescentes entre 13 e 21 anos que responderam ao questionário online aplicado pela Associação, 73% relataram já ter sofrido bullying homofóbico verbal. O levantamento identificou ainda que 60% relataram que sentem-se inseguros na escola por conta da sua orientação sexual e 27% já sofreram violência física.

Segundo a professora de Psicologia do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) Jaqueline Gomes de Jesus, o preconceito e a discriminação contribuem para a evasão escolar. “O problema da transfobia no Brasil é que ela leva boa parte da população trans à desescolarização. Aqui é muito explícito isso, pessoas trans são expulsas da escola”, pontua  Jaqueline, mulher trans que leciona também no Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz.  Como consequência,  a desescolarização influencia na empregabilidade dessas pessoas. Dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) demonstram que 90% das pessoas trans e travestis estão fora do mercado formal de trabalho e recorrem à prostituição para prover o próprio sustento. 

Arte: Caio Ramos/Nonada Jornalismo

TransEnem: na linha de frente, mudando destinos

Para subverter essa realidade, um grupo formado por professores e ativistas cis e transgênero, em sua maioria mulheres, idealizou, em meados de 2015, o coletivo TransEnem. Caio Tedesco é um homem trans, professor de história, e fez parte desse grupo fundador. Ele explica que “o coletivo foi criado basicamente para que pessoas trans pudessem estudar fazendo as coisas mais banais do cotidiano que não podiam nos espaços de educação formal, como ir ao banheiro, comer em paz, ser tratado pelo nome e pronome corretos, não ter medo de apanhar. Queríamos ser um espaço seguro.” 

O forte do TransEnem é a preparação dos estudantes para o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), com o  qual jovens e adultos, inclusive pessoas privadas de liberdade, que não tiveram oportunidade de concluir os estudos na idade apropriada, podem pleitear certificação de conclusão do Ensino Fundamental e Médio. Após o período de aplicação da prova do Encceja, os esforços voltam-se para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e demais vestibulares. 

Professor de história, Morgan Lemes é um homem trans e leciona no TransEnem desde 2020. Essa é a primeira experiência dele na docência, e ele explica que o ofício vai além da transmissão de conteúdos que caem nas provas citadas. “Eu nunca me imaginei como professor e agora eu sou. É ótimo ter uma troca com os teus ali, uma troca de saberes com os alunes. A gente aprende muito com eles”, sinaliza. 

A partir do segundo semestre de 2016 o TransEnem iniciou uma parceria com o Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) campus Porto Alegre e o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade (NEPGS) da instituição. Desde então, o IFRS oferece sua estrutura física e acadêmica para os alunos, alunas e alunes do TransEnem. Em contrapartida, o coletivo proporciona formações em gênero e sexualidade para os funcionários do campus e, em parceria com o NEPGS, produz pesquisa científica nos campos de gênero e sexualidade. 

Morgan Lemes e Caio Tedesco, professores do Transenem (Foto: Matheus Pé e Max Peixoto/Nonada Jornalismo)

Morgan e Caio frisam que o TransEnem é também um local para criação de vínculo, escuta e apoio. Desde 2017, por exemplo, os estudantes têm acesso ao Núcleo de Apoio Psicopedagógico e Social, conduzido por psicólogos, assistentes sociais, pedagogos e pessoas de outras áreas do conhecimento. Além disso, discussões em sala de aula são propostas, além das matérias que caem nas provas do ENCCEJA e do ENEM,  como debates sobre direitos de pessoas trans, cidadania, ansiedade e saúde mental e outros assuntos  caros a alunas, alunos e alunes. 

A iniciativa vem mudando a vida de pessoas como Anna Sanguiné Rabaioli, mulher trans moradora da Região Metropolitana de Porto Alegre. Em 2019, ela ingressou no coletivo por indicação do seu psicólogo e passou a frequentar as aulas. Naquele mesmo ano, certificou-se no Ensino Médio com a nota alcançada na prova do ENCCEJA e resolveu não parar. Fez a prova do ENEM e prestou vestibular para o curso de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Anna passou e atualmente, aos 25 anos, trilha uma trajetória acadêmica. 

Ao relembrar a passagem no TransEnem, ela frisa que “existe uma importância de como os professores nos fazem sentir pertencentes, criando atividades dinâmicas, que vão além da sala de aula. Isso está muito relacionado a como (os professores) pensam em uma educação diferente, com engajamento e consciência política. Isso é fundamental.”  Anna entende que a crítica anticapitalista e o entendimento estrutural do problema que atinge a população trans fazem muita diferença no processo de aprendizagem e são pontos fortes do coletivo. 

Nome social: desafios para garantir o básico

O ilustrador Charlie Camara Konarzewski é um homem trans e também foi aluno do TransEnem. Ele tem 21 anos e é gaúcho, mas atualmente mora na cidade de Vespasiano (MG). Em 2017 ele cursava o segundo ano do magistério, um curso profissionalizante concomitante ao Ensino Médio  que qualifica o professor para lecionar na Educação Infantil, no Instituto Estadual Dom Diogo de Souza, na Zona Norte da capital gaúcha. 

Ele explica que na época ainda era menor de idade, não tinha Carteira de Nome Social (CNS), não havia retificado o nome nos documentos oficiais e estava no começo da transição. O nome social é a designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida, e a CNS é uma política pública, regulamentada no Rio Grande do Sul pelo decreto nº 49.122, de 17 de maio de 2012

Na época, Charlie sofreu resistência de professores e colegas em chamá-lo pelo nome masculino, e a escola se negou a fazer a mudança na matrícula e na chamada. Além disso, ele lembra que, durante o pré-estágio, realizado por um curto período e com turmas da própria instituição, a equipe pedagógica o proibiu de se dirigir às crianças usando seu nome social e determinou que as aulas dele fossem sempre supervisionadas por uma professora, diferente dos outros colegas com os quais essa situação não ocorria. “A maior parte dos meus desafios enquanto pessoa trans foi no Ensino Médio”, resume. 

Mas Charlie não era o único rapaz trans na turma e se uniu ao colega para tentar mudar o ambiente. “A gente tomou a frente para explicar para os colegas e  professores quem a gente era e falar mais sobre questões de gênero. Mesmo assim, não surtiu efeito com o tempo”, desabafa. Charlie define a vivência dele no Ensino Médio como  uma “bola de neve”  que comprometeu a saúde mental. Com o tempo, ele não quis mais lecionar, objetivo inicial de todo estudante do magistério, e chegou a solicitar trabalhos escritos que substituíssem a parte prática. Mas esse modelo de avaliação foi negado pela instituição. No último ano, faltando pouco para se formar, Charlie sofreu uma queda enquanto ia para a escola, quebrou o joelho e precisou ficar de repouso. Hoje, ele confidencia que, talvez de forma inconsciente, esse foi um pretexto para não voltar para aquele ambiente.

Quando chegou ao TransEnem, a meta dele era se formar no Ensino Médio com a prova do ENCCEJA para conseguir melhores oportunidades de trabalho, objetivo alcançado após um ano de estudos e dedicação. “Foi um ambiente muito acolhedor, era extremamente confortável estar lá. Eu nunca fui tão respeitado e tão bem tratado como no TransEnem”, comenta. Atualmente, Charlie tem o nome retificado nos documentos e pretende ingressar no curso de Belas Artes da Universidade de La Plata, na Argentina. “No momento, estou trabalhando e guardando dinheiro para a mudança, além de contar com uma assessoria para me ajudar com os documentos. O que me impede mesmo de ir é a questão financeira, porque uma mudança de país é algo caro”, explica. 

O Instituto Estadual Dom Diogo de Souza atendeu nossa reportagem por telefone e preferiu não enviar uma nota por escrito. Durante a conversa, uma representante da instituição, que prefere não ser identificada, frisou que a atual equipe diretiva não é a mesma de 2017, período em que o caso de Charlie ocorreu, mas que a escola tem ciência dos fatos. A instituição confirmou que não permitia que o estudante se apresentasse com nome masculino para as crianças porque ele estava no começo da transição de gênero e com uma aparência ainda muito feminina, fato que, no entendimento da escola, poderia confundir as crianças das séries iniciais. Além disso, a escola explicou que não fez alteração do nome de Charlie na matrícula e na chamada porque ele não tinha Carteira de Nome Social, autorização dos pais ou os documentos oficiais retificados. 

No entanto, segundo a escola, os professores foram avisados e orientados a chamá-lo pelo nome masculino. A instituição admite também que alguns docentes negaram-se e não cumpriram o combinado. Sobre a presença de uma professora titular durante as aulas de pré-estágio, o Instituto afirmou ser uma atitude de praxe com todos os estudantes, independente da orientação sexual ou identidade de gênero. A representante do Instituto Estadual Dom Diogo de Souza frisou em vários momentos que a escola tem estudantes e membros das equipes diretiva e docente que são pessoas LGBTQIA+ e que não admite casos de homofobia e transfobia nas dependências da instituição, prestando auxílio afetivo e psicológico aos estudantes que precisarem. O outro colega trans citado por Charlie foi procurado pela reportagem, mas preferiu não dar entrevista ou ter o nome divulgado.  

Carteira de nome social (Foto: governo do Pará/reprodução)

O nome social também foi uma questão para João Vicente Marcelino, estudante de jornalismo na Escola de Artes, Comunicação e Design – Famecos da PUCRS. João iniciou o processo de transição durante a graduação. Ele diz que na faculdade teve contato com outras pessoas trans e isso o ajudou. “Eu acho que foi um passo muito importante o meu ingresso na graduação porque eu tive acesso à informação. A imagem que eu tinha da transsexualidade antes era muito estereotipada”, reconhece. 

Mas ele só conseguiu alterar o nome na matrícula, nos ambientes digitais e nos demais registros da instituição no fim do ano passado, quando retificou a sua documentação e solicitou a troca para a Universidade. Antes disso, no entanto, João procurou a coordenação do curso de Jornalismo da PUCRS e explicou a situação. Ele conta que foi acolhido e, na ocasião, os professores foram orientados a chamá-lo pelo nome correto, não aquele que constava na chamada. João diz que não encontrou resistência por parte da equipe docente, mas até pouco tempo atrás viveu essa situação ambivalente: tinha o nome social respeitado entre professores e colegas no dia a dia, mas por questões burocráticas, a Universidade não efetuava a retificação. 

Durante a trajetória no curso de Jornalismo, João e outres estudantes desenvolveram, dentro de uma disciplina transdisciplinar, o Projeto Trans-formar, com foco em educação para pessoas trans. Em 2020, o trabalho foi premiado no 33º Set Universitário, um evento de jornalismo universitário promovido pela faculdade. No entanto, durante a cerimônia de premiação, que ocorreu de forma online por conta da pandemia, João foi chamado pelo nome de registro no momento em que seu grupo foi anunciado vencedor de uma das categorias. 

Na ficha de inscrição para o prêmio não havia nenhum campo para inserção de nome social. João conta que esse foi o seu primeiro prêmio da vida como estudante de Jornalismo, mas desabafa: “eu nem me inscrevi mais no prêmio depois, nem pensei nisso nos outros anos. Eu percebo que a gente vai fugindo de espaços de constrangimento.”  

Segundo o estudante, embora as universidades não estejam preparadas para acolher pessoas trans, cursar uma graduação da área de Ciências Sociais Aplicadas em um ambiente supostamente mais acolhedor o ajudou. Ele argumenta sentir-se, até então, confortável entre os colegas e professores do curso, mas salienta que entraves burocráticos e institucionais podem gerar situações de constrangimento como a que ele passou.  “Tu precisa chegar e explicar a tua situação para que as pessoas entendam a tua condição e te tratem com respeito”, pontua.  

A PUCRS se manifestou por nota e afirmou que “o referido evento acadêmico ocorreu no ano de 2018, sendo que o pedido formal de inclusão de seu nome social nos registros acadêmicos foi realizado somente em dezembro de 2021. Por fim, a Universidade esclarece que após a entrada do pedido formal da parte interessada, todas as alterações são efetuadas em um tempo médio de apenas 5 dias úteis, sendo este o necessário para examinar o pedido e providenciar os ajustes.” No final desta reportagem você confere a nota da instituição na íntegra. 

Diego Machado Candido, homem cisgênero, é advogado da ONG Igualdade – Associação de Travestis e Transexuais do RS, e explica que no âmbito da educação existe legislação específica do Ministério da Educação (MEC) no que diz respeito ao nome social. Ele refere-se a duas iniciativas do MEC: o parecer  CNE/CP nº 14/2017, aprovado em 12 de setembro de 2017, que define o uso do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares da Educação Básica, para alunos maiores de 18 anos, e a resolução CNE/CP nº 1, de 19 de janeiro de 2018, que ampliou o direito para registros escolares de todos os níveis. 

 “Uma vez que o direito ao nome social é garantido pelo MEC, este deve ser respeitado em qualquer nível de educação, casos de violação ou desrespeito devem ser denunciados”, explica. Mas Diego corrobora que, para a mudança ocorrer na matrícula, é necessário ao menos a CNS. “E para menores de idade realizarem essa retificação junto à escola, é necessária a autorização dos pais. Para fazer a Carteira de Nome Social, basta o jovem ir acompanhado do responsável legal até um posto de identificação do estado”, orienta. O advogado também salienta que, atualmente, para retificar o nome e gênero de menores de idade no registro civil é necessária, além da autorização dos pais, autorização judicial. 

Além do respeito ao nome social, o uso de banheiros é um tema recorrente nas vivências de pessoas LGBTQIA+ em instituições de ensino, principalmente pessoas trans. Não por acaso, os jovens ouvidos na Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil relataram que os principais espaços onde ocorrem situações de discriminação são os banheiros (38,4%) e as aulas de educação física (36,1%). 

Arte: Caio Ramos/Nonada Jornalismo
Escolas inclusivas? Trajetórias de estudantes LGBTQIA+

O filme Alice Júnior, disponível na Netflix, retrata esses desafios com base na história de Alice, interpretada por Anne Celestino. Na história, Alice é uma adolescente trans, extrovertida e youtuber. Um dia, seu pai, Jean, interpretado por Emmanuel Rosset, é transferido pela empresa do Recife para Araucárias do Sul, e eles precisam se mudar. Na nova escola, Alice enfrenta preconceitos de uma sociedade conservadora do interior. O filme é uma comédia, mas aborda de forma crítica e sensível questões e desafios da adolescência. Desafios esses que Liz e sua mãe, Luciana Athayde Paz, estão prontas para enfrentar juntas.

Foi durante uma caminhada na beira da praia em um fim de tarde, no verão de 2021,  que Liz contou à Luciana que se sentia, já há algum tempo, como uma menina. No mesmo momento, Luciana entendeu o comportamento mais introspectivo da filha nas últimas semanas. “Minha filha, a gente vai ter que ter muita força juntas, para você se sentir sempre capaz e merecedora de ocupar o lugar social que você quiser”, garantiu a Liz.

A partir daí, mãe e filha construíram um processo de diálogo e adaptação com a escola, uma instituição de ensino privada da capital gaúcha, na qual Liz estudava há seis anos. Liz tem 14 anos e cursa o oitavo ano do Ensino Fundamental. É filha de Luciana. Quem conversou conosco foi Luciana, mulher cis, 49 anos e atriz. Liz preferiu não dar entrevista, mas autorizou que a história dela fosse contada e o nome citado. Já Luciana pediu que o nome da escola na qual Liz estudou recentemente e da instituição atual não fosse revelado como forma de proteção da integridade física da filha. 

 Luciana confidencia que, em um primeiro momento, sentiu medo da violência e do preconceito social que Liz, por ser uma menina trans, poderia vivenciar. Mas felizmente, do ponto de vista institucional, não houve entraves. Luciana conseguiu resolver, com a equipe da escola, a questão do nome social da filha, mesmo Liz não tendo ainda a CNS. O advogado Diego Machado Candido pontua que, em casos como este, no qual o estudante ainda não tem a Carteira ou o nome retificado, mas existe uma tentativa de diálogo por parte do mesmo ou da família, deve prevalecer o bom senso das instituições de ensino.

Luciana conta que, depois de Liz passar a ser chamada pelo nome feminino, o rendimento escolar dela aumentou. Dados da Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil mostram que os estudantes que são alvo menos frequente de preconceito têm um rendimento escolar melhor do que aqueles que são vítimas da discriminação com mais intensidade. 80% dos que alegam sofrer ou já ter sofrido agressões pela orientação sexual ou pela identidade ou expressão de gênero “nunca, raramente ou às vezes” disseram ter recebido notas boas ou excelentes. Os índices caem entre aqueles que sofrem agressões frequentemente ou quase sempre por orientação sexual (73,5%) e expressão de gênero (72,4%).

Além disso, a socialização de Liz na escola mudou. Antes, ela tinha muitos amigos meninos, mas hoje encontra mais acolhimento e proteção entre as meninas. Segundo Luciana, o fato de ter estudado tanto tempo na mesma escola e conviver com pessoas que a conheceram antes da transição tem sido um ponto de reflexão importante para a filha. 

No fim do ano passado, ela pediu para a mãe que a trocasse de instituição, e Luciana acredita que Liz queira uma experiência onde todos e todas já a conheçam como uma menina e o passado não se faça tão presente nas relações interpessoais. Mãe e filha visitaram uma escola da rede estadual da capital gaúcha e, atualmente, Liz estuda lá. Segundo Luciana, desde a visita, a filha mostrou-se ansiosa para iniciar os estudos naquela instituição porque a família foi bem recepcionada. A direção da escola mostrou-se consciente no que diz respeito a questões de identidade de gênero, deixando nítido, por exemplo, que Liz tem a liberdade de usar o banheiro no qual ela se sente mais à vontade e segura. Mas nem sempre o ambiente escolar é acolhedor.

Professores do Transenem com as cores da bandeira trans(Foto: Matheus Pé e Max Peixoto/Nonada Jornalismo)

Eduardo, história com a qual abrimos essa reportagem,  conta que, em determinado momento, as agressões verbais no ambiente escolar viraram tentativas de agressões físicas. Um vizinho dele, que estudava na mesma escola, passou a persegui-lo no horário da saída, no trajeto entre a escola e a rua em que ambos moravam. Eduardo, então, pediu ajuda para a professora que, por sua vez, passou a liberá-lo sempre dez minutos mais cedo. O caso não foi levado para a diretoria e nem para a mãe de Eduardo. O menino, que até então o perseguia, não precisou se explicar. Eduardo entende que o gesto da professora foi um ato de proteção, mas sente que, na época, foi negligenciado. “Eu sempre peço que os professores estudem e se qualifiquem sobre diversidade, porque ela existe dentro de uma escola. Eu acredito que a minha história poderia ter sido menos pesada se eu tivesse tido professoras, uma diretora e uma coordenadora que soubessem o que é um aluno LGBTQI”, desabafa.

Eduardo conta que foi estigmatizado pela própria equipe pedagógica da escola. Ele era rotulado enquanto uma “criança fofoqueira” porque procurava muito a direção para denunciar bullying. “Eu nunca vou me esquecer que um dia me falaram assim ‘bom, Eduardo, se tu não se encaixa na escola, quem sabe tu começa a ir na biblioteca durante o recreio?”’ E, assim, entre maio e dezembro de 2008, ele passou a não frequentar as áreas comuns da escola durante os intervalos. Ficava na biblioteca para se resguardar física e emocionalmente. Eduardo recorda que as coisas melhoraram durante o Ensino Médio, quando ele foi para uma escola da rede estadual e não era o único jovem LGBTQIA+ do lugar. 

Ao relembrar a trajetória, ele confidencia que, após os primeiros sinais de bullying, entendeu “que a escola não era um lugar tão legal assim. E até esse momento eu gostava de estudar. Depois dessa época, ir pra escola se tornou muito complicado. Eu criei uma aversão a escola. E eu ia bem, me dedicava. Mas porque era melhor ser o gay esforçado do que ser o gay afeminado, o gay chato.” 

Mãe de Eduardo, Elisângela Aparecida de Oliveira Guterres, mulher cis e heterossexual, é professora de história na rede estadual de Pantano Grande. Ela conta que sempre teve noção que o filho era diferente. “Eu tinha medo das coisas que eu enfrentaria. Eu sempre digo que não fui uma mãe perfeita, tive as minhas falhas. Mas naquele momento era o que eu conseguia” desabafa. 

Após finalizar o Ensino Médio e sair de Pantano Grande, Eduardo pediu que ela contasse para o pai que ele era gay. Elisângela lembra que pensou: “Ele (o pai de Eduardo) vai ter que trabalhar os preconceitos que ele tem e vai ter que ser pai!” A preocupação inicial de Chico, um homem cis e heterossexual, marido de Elisângela e pai de Eduardo, que cresceu em uma cidade pequena do interior do Rio Grande do Sul, era o que os outros iam dizer. Como explicar a situação para os amigos, por exemplo. 

Com o tempo, Elisângela decidiu buscar mais informações sobre gênero e hoje ela entende que “os pais não precisam ter medo dos seus filhos. Eles vêm pra nos ensinar.  E eu, como mãe, aprendo muito com o Eduardo. A mãe que eu era não é a mãe que eu sou hoje.” 

“Sai, sai da Frente! Sai que com as mães é diferente!”

Esse é um dos gritos de guerra do Mães pela Diversidade, uma ONG que reúne mães e pais de crianças, adolescentes e adultos LGBTQIA+. Tanto Luciana, mãe de Liz, quanto Elisângela, mãe de Eduardo, integram o coletivo. A ONG foi criada em 2014 por mães e pais preocupados com a violência e com o preconceito contra os filhos LGBTQIA+. No Rio Grande do Sul, ela é coordenada, desde 2015, por Renata dos Anjos, uma mulher cis e heterossexual mãe de uma pessoa LGBTQIA+. “E o nosso intuito é o que? Acolher! Acolher aquela mãe que chega sangrando, seja pelo machismo do próprio companheiro ou pela violência dentro da família. Às vezes na comunidade, ou em alguma situação na escola, na igreja…”, exemplifica Renata. 

Elisângela conta que participar do Mães pela Diversidade a fortaleceu e a fez mudar a forma como ela trata dos assuntos gênero e sexualidade em sala de aula com os alunos. “E não se fala muito disso em escolas, principalmente em escolas do interior. Hoje, como professora, sou muito mais atuante. Eu digo que a orientação sexual do meu filho me ajuda, hoje, na escola, a olhar para os meus alunos com um outro vínculo. Mesmo eles não dizendo que são gays, lésbicas, bi ou trans, eu estou criando esse laço com eles e eles têm essa confiança em mim, e isso é muito bom”, pontua. Ela reconhece também que tratar desses assuntos gera alguns choques com os colegas de docência. “Eles podem até dizer que não são (preconceituosos), mas são e se entregam nas próprias falas e atitudes”, sinaliza. 

Luciana também tenta, de alguma forma, promover mudanças no ambiente escolar. No começo da transição de Liz, a equipe administrativa e docente chegou a ter um momento de formação sobre gênero e sexualidade com Renata dos Anjos, sugestão dada por Luciana. Ela explica que esse tipo de movimento não diz respeito apenas à Liz, sua filha. É também uma forma de garantir bem-estar para futuros alunos LGBTQIA+ daquele lugar. “É uma questão privada e pública. Não basta eu só amar a minha filha e acolher se eu não faço efetivamente alguma coisa no mundo para que o mundo também acolha a minha filha como ela é”, explica Luciana. 

Nesse sentido, uma configuração familiar diversa pode ser uma aliada nas experiências escolares.  Ariane Laubin é produtora cultural e casada com Bia Garbelini,  sindicalista. As duas são mulheres cis e mães da Sofia, uma adolescente de 14 anos que cursa o oitavo ano do Ensino Fundamental. Sofia é uma menina cis e é uma pessoa com deficiência. Ela aproveita, inclusive, parte do espaço nas redes sociais para desmistificar questões relacionadas ao capacitismo e à Síndrome de Willians. 

Ariane explica que “a gente não deixa ela permanecer num lugar onde ela não esteja sendo respeitada e bem atendida.” Logo, a forma como a escola lida com o fato de Sofia ser uma pessoa com deficiência e integrar uma família LGBTQIA+ determina a permanência dela naquele local. Sofia relata brevemente que chegou a sofrer bullying em algumas escolas, mas prefere não relembrar esses momentos. Ao contrário, costuma trazer para a conversa boas memórias e questiona: “Seria muito chato se todo mundo fosse igual, não seria?”. 

Ariane e Bia frisam que a trajetória escolar de Sofia ocorreu, até o momento, sempre em instituições de ensino públicas e contou com momentos bons e ruins. Entre as boas experiências, a família destaca um evento na Escola Estadual de Ensino Fundamental Aurélio Reis, na Zona Norte de Porto Alegre, quando Sofia cursava o 4º ano do Ensino Fundamental.  Cerca de um mês depois da chegada de Sofia à escola, ocorreu uma feira de ciências. A turma dela aproveitou a configuração familiar diferente da colega para falar sobre os diferentes tipos de família e diversidade. 

Sofia, filha da Ariane e Bia (foto: arquivo pessoal)

Mas nem sempre a configuração familiar delas foi bem recebida. Bia lembra que, quando ela e Ariane começaram a namorar, Sofia tinha 8 anos de idade. Com o tempo, Ariane foi criando um vínculo com a então enteada e, naturalmente, tornou-se também mãe de Sofia, dividindo as responsabilidades da maternidade com a esposa. A escola na qual Sofia estava matriculada na época, no entanto, não reagiu bem. “Eu até entendi, a princípio, essa resistência, porque legalmente eu sou a mãe. Mas passou do ponto”, pondera Bia. As duas relembram que Ariane era ignorada em qualquer tomada de decisão, mesmo insistindo em participar da vida escolar da filha e frequentando reuniões de pais e mestres. 

Um dos momentos mais tensos foi quando a escola chamou Bia e Ariane para uma reunião. A pauta do encontro eram as roupas que Sofia usava. A equipe da instituição pontuou na ocasião que Sofia poderia usar mais peças rosas e “blusas de alcinha” para tornar-se “mais feminina” e apostar menos em looks compostos por camisetas largas e moletons. “Nós somos mulheres que não estamos dentro do padrão de feminilidade esperado, então, foi uma conversa num tom de ‘vocês têm que cuidar para que a Sofia não fique igual a vocês’”, relembra Bia.

Ela explica que nunca impôs nenhum estereótipo de gênero para a filha e que Sofia sempre foi muito livre para escolher quais roupas gostaria de usar. Porém, ela sempre priorizou roupas funcionais para a filha ir à escola. Peças que permitissem maior motricidade e conforto para Sofia. “E isso não tem a ver com a nossa sexualidade, mas sim como entendemos o ambiente escolar” completa Ariane. 

Recentemente, a família mudou-se para São Paulo. Mas, até o começo deste ano, Sofia frequentava a Escola Estadual de Ensino Médio Anne Frank, situada no bairro Bom Fim, em Porto Alegre. Ela conta que a configuração familiar não era uma questão ali e ela, inclusive, não era a única jovem integrante de uma família LGBTQIA+. 

Professores LGBTQIA+: desafiando a hegemonia
A professora Jaqueline Gomes de Jesus (Foto: divulgação)

Muitas vezes, ser a única pessoa LGBTQIA+ em um lugar gera desafios. Entre 2017 e 2019, Caio Tedesco trabalhou no Memorial do Rio Grande do Sul com ensino de História na Educação Patrimonial para turmas dos anos finais do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e também do Ensino Superior. Ele dividia a função com um outro professor, um homem cis e hétero. Mas era comum os alunos se referirem a ele como um professor auxiliar. Caio lembra que “às vezes, havia um choque entre eu e algum professor ou professora da turma, algo do tipo: ‘Quem vai ser a autoridade aqui?’”. 

Ao relembrar experiências como essa e a trajetória docente no TransEnem, o professor explica que “quem é trans geralmente está inferiorizado em lugares de poder. E, enquanto professor, era uma das poucas situações em que os meus alunes estavam vendo uma pessoa trans em um lugar de posição de poder, de autoridade.” 

A professora e pesquisadora Jaqueline Gomes de Jesus também destaca esse ponto ao falar das sutilezas do sistema. Ela frisa que, ao tratarmos de vivências trans, precisamos ter um cuidado interseccional e levar em consideração questões de raça e as relações de poder implícitas nas instituições de ensino. “O que eu fico muito preocupada é com a nova geração. A gente tem uma população trans maior na graduação, mas como vai ser o acesso à pós graduação? Porque interessa muito aos colegas ter estudantes e orientandos trans, mas eu sei que não interessa tanto a eles terem colegas e professores trans em posição de igualdade”, pontua. 

Escultura “A Fuga” (Foto: Tripadvisor/reprodução)

A professora leciona desde 2003, quando teve sua primeira experiência docente com uma turma de Psicologia Social durante um estágio docente no mestrado. Ela terminou o doutorado em 2010 e compartilha que passou por cerca de 30 seleções para professora em universidades públicas. Em uma dessas seleções, a banca chegou a questionar o que ela sabia sobre mulheres negras e trans. Jaqueline traz que “o desafio maior é como a minha bibliografia é lida e referenciada. Tem uma tendência de as pessoas verem a minha produção científica a partir da minha identidade. Como se eu só falasse de pessoas trans, é o primeiro estereótipo.” 

Ao refletir sobre esses tipos de questões de hierarquia e poder e rememorar a própria trajetória, Caio relembra que as crianças estavam mais abertas a respeitar a identidade de gênero dele, visto que os adultos em algumas situações respeitavam mais por uma questão de convenção. Dos pequenos, no entanto, o acolhimento parecia genuíno. Ele lembra que, durante uma aula, quando ele estava no começo da transição, um menino perguntou “Tá, tu é ele ou ela?” e, antes que Caio pudesse responder, um outro menino, colega de turma do primeiro, disse: “O nome dele é Caio! É ele né!”.

Em outro momento, Caio conduzia uma turma com crianças de mais ou menos 10 anos durante uma mediação chamada “O Memorial e seu Entorno” a partir do patrimônio da Praça da Alfândega. Ele, então, perguntou para as crianças do que a estátua “A Fuga”(Mirian Obino, Porto Alegre, 1937), a única obra da Praça que trata sobre gênero, estaria fugindo. Um menino de 10 anos respondeu sem pestanejar: “ela está fugindo da masculinidade tóxica.” 

Nota da PUCRS na íntegra:

“A PUCRS esclarece que o campo para indicação do nome social se faz presente em seus formulários de cadastro desde o ano de 2013, possibilitando aos estudantes que solicitem a inserção deste dado em seus registros acadêmicos. Desse modo, estudantes que contém apenas o nome civil nos cadastros da Universidade, têm a opção de requererem expressamente este acréscimo de dado e manifestarem a todos/as que com este/a se relacionam, sua escolha de tratamento pelo nome social com o qual se identificam. É importante salientar que a Universidade, na condição de ambiente plural e democrático, desaprova quaisquer formas de discriminação e opera, vigilante, guiada pelo compromisso Marista de atuar em prol da promoção, proteção e defesa dos Direitos Humanos.  

A Instituição cumpre rigorosamente a legislação e atos normativos expedidos pelo Ministério da Educação acerca deste tema, no que tange ao ensino superior e, sem deixar de assegurar a segurança jurídica dos documentos acadêmicos oficiais que expede, sempre procura adotar uma postura de facilitar o ajuste de dados de seus acadêmicos/a, incluindo o nome social, em seus registros internos, desde que expressamente requerido pela parte interessada. Nesse sentido, o fluxo administrativo para estas solicitações é a entrega de requerimento pelos/as estudantes à Coordenadoria de Registro Acadêmico (CRA), que avalia o pedido e providencia os ajustes no cadastro.

Desde 2015, a instituição não exige mais a Carteira de Nome Social para viabilizar as solicitações, bastando o requerimento expresso desta manifestação de vontade pelo/a interessado/a. Todavia, primando pela segurança jurídica dos registros acadêmicos, a adoção do nome social não exclui a necessidade de manter-se os registros relativos à identificação civil dos/as estudantes. Apenas nas hipóteses em que ocorre a alteração do nome civil no órgão competente, é que a Universidade exige a apresentação dos novos documentos para realizar a substituição em todos os seus registros acadêmicos.

Em relação ao fato narrado à reportagem por estudante entrevistado, no sentido de que teria sido tratado pelo seu nome de registro civil por ocasião da sua participação em um evento acadêmico, ao invés do seu nome social, é importante registrar que o referido evento acadêmico ocorreu no ano de 2018, sendo que o pedido formal de inclusão de seu nome social nos registros acadêmicos foi realizado somente em dezembro de 2021. Por fim, a Universidade esclarece que após a entrada do pedido formal da parte interessada, todas as alterações são efetuadas em um tempo médio de apenas 5 dias úteis, sendo este o necessário para examinar o pedido e providenciar os ajustes.” 

Esta reportagem foi financiada pelo 3º Edital de Jornalismo de Educação | Jeduca e Itaú Social

Compartilhe
Ler mais sobre
LGBT
Memória e patrimônio Reportagem

Com acervos e museus, entidades lutam pela memória LGBTQIA+ no Brasil