Apanhador Só: provocando transe coletivo

Texto: Daniel Sanes (danielcsanes@yahoo.com.br)

Público cantou todas as músicas em coro no show de lançamento do clipe de Prédio (Crédito: Paula Turra/Verde Club/Divulgação)

Casa com lotação praticamente esgotada, mesmo num domingão – na verdade, quase segunda-feira, pois já se aproxima da meia-noite. Quando os quatro sujeitos começam a tocar, o frisson é evidente. Destilam um repertório lapidado durante alguns pares de anos e já bem conhecido do público, que canta todas as letras com uma entrega comovente.

Parece show doLos Hermanos, mas não é. O quarteto em cima do palco é gaúcho e acha que ainda tem muito o que ralar para conquistar reconhecimento semelhante ao de Camelo, Amarante e companhia. O que não dá para negar é que, no ritmo que a coisa vai, logo, logo a Apanhador Só deve figurar entre as maiores bandas de rock do Brasil.

“Isso só nos deixa lisonjeados. Mas acho que (a comparação) é em pequena escala, né. Se chegarmos a esse ponto será uma alegria muito grande”, pondera o guitarrista Felipe Zancanaro, entre um gole e outro de cerveja, aliviando a sede após o show de lançamento do videoclipe dePrédio, no dia 5 de setembro, noVerde Club , em Porto Alegre. Felipe é um dos mais falantes, assim como o vocalista e também guitarrista Alexandre Kumpinski. O baixista Fernão Agra e o batera Martin Estevez acompanham tudo atentamente, riem e fazem algumas piadas, mas nitidamente preferem outra função que não a de porta-vozes da banda.

Alexandre acha a comparação com Los Hermanos relativamente normal, devido a algumas semelhanças entre os dois grupos. “Como a gente trabalha em cima desse legado da música brasileira e tal, é natural que as pessoas se apeguem às canções e interajam bastante durante o show. E isso tem a ver com Los Hermanos, essa mistura… Com certeza passa pelas nossas influências. Tomara que a gente chegue nesse nível”.

Assisti a outras apresentações da banda uns dois anos atrás. A interação com a plateia já era forte, mas ainda não havia a intensidade demonstrada nesse show. A semelhança com o grupo carioca não fica apenas no clima apoteótico dos shows. A “salada musical”, tanto em estúdio como no palco, é outra característica que os aproxima. A diferença é que, enquanto Los Hermanos se utiliza muito de sopros, a Apanhador Só prefere adotar um monte de “cacarecos”, como define Alexandre.

A Apanhador Só: Fernão, Felipe, Martin e Alexandre (Crédito:Rafael Rocha/Divulgação)

“A gente curtia muito quando via Tom Zé, Hermeto Pascoal fazendo isso. O Felipe tinha uma banda antes chamada Verde Vilastra, e nela ele já tocava o ralador de queijo que a gente usa no palco. Essa mistureba era uma coisa que tava na nossa cabeça, aí um dia a Carina Levitan foi lá em casa ver um ensaio e a gente começou a batucar umas percussões na garagem, uma garagem cheia de cacarecos. Começou a sair som, a gente curtiu aquilo e ela já entrou na banda. Durante muito tempo a Carina foi responsável por tocar isso ao vivo, só que agora tá em Londres e não pode tocar mais com a gente. Mas foi ela que gravou tudo isso no disco. Agora a gente faz como pode, divide algumas percussões e chama uns convidados, como no caso do Rafael Penteado, que já é praticamente um membro honorário da banda” explica o vocalista.

A ideia de adotar “instrumentos” exóticos virou uma marca registrada da banda, assim como a bicicletinha que aparece na capa do primeiro disco, e que é usada como percussão em todos os shows. O “cacareco” mais importante entre os tantos utilizados pela Apanhador Só, sem dúvida. “É a nossa marca registrada. Virou praticamente um símbolo da banda”, admite Felipe.

 Finalmente, o disco de estreia O disco de estreia, que leva o nome da banda, vem recebendo elogios da imprensa de todo o Brasil. Mas quem conhece a Apanhador Só há algum tempo vai perceber que as músicas já eram “quase famosas”. Algumas, presentes nos dois EPs que antecederam o debut, apenas ganharam uma roupagem nova. Mesmo assim, os caras levaram mais de um ano pra finalizar o álbum. O principal motivo foi o uso de recursos do Fumproarte, que financiou todo o processo de gravação e em cujo edital a banda concorreu três vezes até ser selecionada. Mas houve outros obstáculos.

“Demorou por diversos fatores, desde a falta de horário pra gente ensaiar antes das gravações a questões de saúde. Eu considero essa demora normal, acontece quando todos os envolvidos não estão conseguindo doar 100% do seu tempo. Mas em meio a aulas, trabalho e aniversários de família, finalmente conseguimos terminar o disco”, brinca Alexandre.

Rafael Penteado, membro “honorário” da Apanhador Só, com a bicicletinha, marca registrada da banda (Crédito: Paula Turra/Verde Club/Divulgação)

A demora no lançamento e a junção de temas compostos em períodos diferentes faz com que Apanhador Só não apresente a mesma unidade que teria caso fosse composto de uma tacada só – o que, ainda assim, não o impede de ser um grande álbum de estreia. “Isso que tu estás falando é porque nosso primeiro disco é mais – como acontece com quase todas as bandas – um apanhado de tudo o que já estava pronto, tipo uma coletânea dos nossos primeiros anos. Então tem uma música que vai um pouco mais pra lá, outra mais pra cá… Além disso, somos uma banda que mistura muitos sons”, enfatiza Alexandre.

Apesar de estar com o primeiro disco há pouco tempo na praça, eles já pensam em um próximo, como revela Felipe, ao falar sobre as variações do debut. “Algumas músicas novas, que já estamos tocando nos shows, também ‘picam’ um pouco. Como a gente vai gravar o segundo logo, vai ter um pouco mais de coesão”.

Mas esse “logo”, quando seria? O guitarrista hesita ao falar em datas. “A gente conversa sobre isso, mas não planeja exatamente quando gravar. Até ficamos pilhados: ‘bah, vamos começar no ano que vem’. Mas talvez até seja um pouco cedo pra isso. Não faz nem quatro meses que a gente lançou o primeiro CD”, ressalta.

Quem quiser ouvir o álbum de graça pode acessar o site da banda. Ele está disponível para download, com direito a projeto gráfico e ficha técnica. “Na real, se tu só venderes o disco, alguém vai colocar na internet pra baixar com uma qualidade ruim. No nosso site está com uma qualidade muito boa”, explica Felipe.

“Acima de tudo, a gente quer que as pessoas conheçam as músicas”, complementa Alexandre. Ele destaca o capricho no projeto gráfico, feito por Rafael Rocha e com cards, pequenos cartões que se referem às músicas, ilustrados por Fabiano Gummo. “Se as músicas estão disponíveis pra download, o disco deve ser atraente, precisa ter um diferencial. Caso contrário, por que alguém vai querer comprar? Fora isso, a gente queria ter um disco com um encarte afudê. Tem funcionado, tanto que vem vendendo bastante, já acabaram as primeiras mil cópias”.

Porto Alegre, (ainda) doce lar O crescimento é claro e gradual, mas a Apanhador Só não quer dar um passo maior que a perna. Ao contrário de muitas bandas gaúchas, que vão para São Paulo em busca de maior visibilidade, Alexandre e Felipe acham que, ao menos neste momento, não há necessidade de deixar Porto Alegre.

“A gente não tem essa previsão. Hoje em dia mudou um pouco esse panorama, as bandas não precisam estar obrigatoriamente em São Paulo. Estamos em Porto Alegre e temos um contato bom com São Paulo através da internet, a nossa produtora inclusive é de lá. O que acontece é que a gente está indo bastante pra lá, passa duas semanas e volta”, argumenta o guitarrista.

“Enquanto for confortável ficar aqui, ir pra São Paulo fazer shows, voltar e ir pra outros lugares, beleza. A gente tá conseguindo fazer todo o Rio Grande do Sul, cidades que o pessoal de São Paulo não alcança, alcança pouco ou muito tarde, e ainda viajar bastante pelo Brasil, mesmo morando em Porto Alegre”, complementa Felipe.

A agenda da banda no MySpace confirma: há shows marcados até novembro em cidades como Aracaju e Recife, além de apresentações em São Paulo (capital e interior) e alguns municípios gaúchos. Isso pra não falar da indicação para o Video Music Awards Brasil, na categoria “Aposta MTV”.

Levando em consideração que a Apanhador Só é relativamente nova, o sonho de viver apenas da banda não parece tão distante. Alexandre trabalha com trilha sonora e finalização de som pra cinema e TV, enquanto Fernão e Martin estão concluindo a faculdade de música do IPA. “O Felipe tá fazendo algo que, se as coisas continuarem andando pro nosso lado, todos nós, mais cedo ou mais tarde, teremos que fazer: se dedicar só à banda, inclusive na produção”, admite Alexandre.

Interação com o público é grande, lembrando Los Hermanos, uma grande influência para a banda (Crédito: Paula Turra/Verde Club/Divulgação)

Esquilinho malvado??? Existem vários caminhos para o sucesso. E no caso da Apanhador Só parece que um dos segredos é a capacidade de compor melodias bem elaboradas e acessíveis ao mesmo tempo. Mas é inegável que as letras ajudam muito, como pôde ser comprovado pelo enorme coro ouvido no show de estreia do clipe da canção Prédio em Porto Alegre.

De onde elas surgem é algo que os integrantes da banda já devem ter respondido em dezenas de entrevistas, mas ainda assim têm dificuldades de explicar. “Cara, sei lá… Às vezes, vêm de uma conversa. Falando como compositor, sempre dei muita atenção para as letras. Até demorei um pouco a dar atenção para o resto, harmonias, arranjos… Tinha época em que só tinha ouvido para melodia e letra. De alguma forma isso me inspira agora, tenho mais cuidado com o resto”, diz Alexandre.

Apesar de dividir o crédito com os companheiros, o vocalista é o principal compositor da banda – seu nome é o único que aparece nas 13 faixas do CD. “Esse primeiro disco chega a ter dez compositores. Normalmente sou eu que centralizo, começo a música e chamo alguém pra acabar. Em geral, é um processo coletivo. As músicas são feitas mais cruas, com voz e violão. Depois a gente joga pra banda e aí elas tomam cara mesmo, pois cada um vai colocando suas influências. Daí esses arranjos cheios de misturas, que são uma característica da Apanhador”, afirma.

Mas, além de Los Hermanos, Tom Zé e Hermeto Pascoal, o que mais eles ouvem para chegar a esse som tão característico? A uma pergunta tão clichê, as respostas podem variar muito… Alexandre cita Walter Franco e Wilco, enquanto Felipe menciona Jorge Drexler e depois dá uma dica inusitada. “Esquilinho malvado! Do caralho! Aí, galera, tô falando sério: baixem esquilinho malvado”, debocha. Difícil acreditar que alguém ainda não tenha visto esse vídeo, mas o guitarrista foi tão enfático que fica difícil não colocar o link aqui

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