15 anos de Ok Computer – O disco de uma era

Por Rafael Oliveira*  

Há exatos 15 anos, a banda Radiohead lançava o álbum Ok Computer. Em 12 faixas, os ingleses de Oxford fazem um retrato crítico do modo de vida capitalista/ocidental pré-século XXI.  Nele, o Homem é apresentado como um ser reprimido, inseguro e alienado. Hino da geração dos anos 90, o disco é incluído em várias listas como um dos melhores e mais conceituais da história do rock.

Obras como 1984 (George Orwell) e Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley) serviram de referências para o tom apocalíptico do disco. Para chegar ao som experimental do álbum, o grupo usou influências que vão da eletrônica vanguarda de Kraftwerk e DJ Shadow, do pós-punk de Joy Division aos álbuns da segunda fase dos Beatles. O jazz de Charles Mingus e a fase fusion de Miles Davis, principalmente com o álbum Bitches Brew (1969) também são lembrados.

Em 2007, o crítico musical Arthur Dapieve (jornal O Globo) fez um comentário sobre a sonoridade do disco: “OK Computer deu uma sobrevida ao rock. Quando tudo parecia feito, quando tudo parecia mais do mesmo, o Radiohead pegou o melhor do rock progressivo, o cerne da postura pós-punk e abriu aos ouvidos à música eletrônica, sintetizando algo que, na falta de melhor rótulo, a gente chama de pós-rock. É o disco mais importante dos últimos dez anos, sem sombra de dúvida. É cabeçudo, emocionante e, sobretudo, lindíssimo. O pianista de jazz Brad Mehldau, um gênio, não interpreta obsessivamente os temas do Radiohead e, em particular, de OK Computer à toa…”

 

Arte de Stanley Donwood & The White Chocolate Farm (Crédito: Reprodução)

 

E tudo começa com “Airbag”, enigmática canção que fala sobre um tema relativamente moderno: a insegurança no trânsito. Na letra, o interlocutor, desconfiado sobre o controle que temos sobre carros, motos, se surpreende por ter sobrevivido e acha que renasce após fazer uma curva perigosa em um caminhão ou depois de se acidentar dirigindo um conversível alemão veloz. Logo depois, vem a melhor faixa de Ok Computer, “Paranoid Android”. Como “Bohemian Rhapsody do Queen”, é um épico musical dono de uma melodia belíssima e com muitas variações que vão de momentos calmos e tristes a outros sérios e quase raivosos. O título é uma referência ao personagem Marvin, androide deprimido com a sua própria existência, da história O Guia do Mochileiro das Galáxias do escritor e músico Douglas Adams, já contada em livros, série e filme. 

A figura do alienígena é usada em “Subterranean Homesick Alien” (homenagem à música “Subterranean Homesick Love” do Bob Dylan) para mostrar o tão distante o Homem se sente dentro do seu mundo natural. O protagonista lamenta por ser cada vez mais difícil, por causa da modernidade e suas construções, ter sensações tão naturais como sentir a fragrância da manhã ou odor do ar quente de verão. Ao estilo do escritor alemão Hermann Hesse, Nobel de literatura de 1946 e bastante citado por Thom Yorke, essa ótima canção é uma mistura de sonho, angústia e ironia.

“Exit Music (For a Film)” é inspirada na história de Romeo e Julieta de Shakespeare (virou trilha sonora do filme “Romeo + Julieta”, do diretor australiano Baz Luhrmann). Planejando uma fuga, o casal não resisti à pressão do sistema que tenta de todas as formas neutralizá-los fazendo-os acreditar que isso não passa de um sonho, uma loucura. Em “Let Down”, o ritmo intenso das grandes cidades, com suas ruas cheias de carros, motos e caminhões traz uma sensação de vazio para as pessoas, que, desapontadas, vagam sem rumo em busca da felicidade e da paz interior.

Mantendo o pessimismo do álbum, na bela “Karma Police”, a opinião que contraria a ordem imposta, a pessoa que foge de um determinado padrão é silenciada e caricaturada por quem está no poder, por quem controla a opinião pública. No final, aqueles que protestam por melhoras na sociedade, que lutam por melhores salários, por direitos iguais não passam de uns rebeldes, utópicos, baderneiros (“Isto é o que você ganha quando mexe com a gente“). Segundo Yorke: “Essa é uma música contra chefes. Foda-se a média Gerência!”.

 

Da esquerda para a direita: Phil Selway, Colin Greenwood, Thom Yorke, Ed O´Brien e Jonny Greenwood (Crédito: Divulgação)

 

A faixa mais estranha, mas ao mesmo tempo a que mais se aproxima com a ideia do álbum é “Fitter Happier”. Basicamente, não temos uma canção e sim uma voz robótica que dá dicas para uma vida melhor e mais feliz. É a receita para você se adequar ao mundo moderno, para você fazer parte do sistema. Não beba demais, seja mais paciente, relaciona-se melhor, não sinta medo, não chore em público. Faça o que a máquina determinar, consuma, veja televisão, ande na linha. “Electioneering” e “Climbing Up The Wall” falam sobre interesses políticos e sobre o medo da violência e do crime, respectivamente.

Parecendo uma canção de ninar, na música “No Surprises”, um indivíduo sem expressão, sem perspectivas, cansado da vida, caminha, sem alarmes e sem surpresas, para o seu fim, para a degradação completa da natureza, dos recursos naturais. Mas em “Lucky”, o pessimismo sobre a condição humana, presente em quase todo o álbum, dá lugar a um sentimento de esperança graças às pessoas que se preocupam com quem necessita de ajuda. No Clipe Oficial, em meio a imagens de crianças vítimas de guerras, surgem mensagens positivas (caminhões abastecidos de alimentos, mais equipes médicas, álbum da campanha “War Child”, que ajuda carentes em áreas de conflito, em primeiro nas paradas).

E para fechar, em “The Tourist”, vem o pedido para que o ser humano reflita sobre as consequências dos seus atos para si mesmo e para o planeta, que pense o que significou o século XX, tempo marcado pela intolerância e pelo totalitarismo, com duas guerras mundiais, nazismo, holocausto, ditaduras. Aos poucos, a obra vai terminando com uma voz súplica cantando Hey man, slow down, slow down…”

Ok Computer, a exemplo de uma grande obra jornalística, é uma crônica fiel da sua época. É um disco atemporal, a frente do seu tempo, como Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band (1967) e Revolver (1966) dos Beatles e The Dark Side of the Moon (1973) do Pink Floyd. É um dos últimos momentos de arte no século XX que ajuda a refletir sobre o futuro da humanidade.

*Estudante de Jornalismo da  UFRGS 

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