No Unimúsica, Karina Buhr traz furacão feminista para Porto Alegre

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Karina apresentou seu último álbum, “Selvática” (Foto: Raphael Carrozzo/Nonada)

Na noite do dia 4 de agosto, exatamente às 20 horas e 34 minutos, a cantora, compositora, percussionista, atriz, escritora, fanzineira e ilustradora Karina Buhr apresentou em Porto Alegre, no Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), o seu álbum mais recente, Selvática (2015). Durante duas horas, Karina levou ao delírio o público de 1300 pessoas, em mais uma apresentação do Festival Unimúsica, promovido pela Ufrgs, que este ano traz só cantoras mulheres ao palco. O figurino transparente, assim como na capa do álbum, era uma prévia do que seria aquela apresentação: uma noite de e empoderamento e libertação feminista.

Ela, que já passou pela Bahia (onde nasceu), por Pernambuco (onde viveu), pela Alemanha (onde tem família) e por vários outros lugares, hoje chegou em gente de todas as cores, idades e gêneros na capital gaúcha. Os mais atingidos foram os jovens adultos universitários. Ela começou o show como quem não queria nada, com a suave “Dragão”, que fala sobre superar as adversidades da vida (A tristeza é amiga da onça/Ensina a enfrentar leões). A segunda música, “Eu sou um Monstro”, fez a plateia cantar junto em peso.

Depois de “Conta-gotas” e “Velha e Navalha”, veio a demoníaca “Esôfago”, que parece ter sido tirada de um noticiário policial ao abordar um problema grave da sociedade machista: o feminicídio. É nessa parte que um dos pontos principais do show começa a aparecer: a performance dela. Karina se contorce, se balança, se quebra inteira. Entra no contexto da situação, talvez. Se deixa conduzir.

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A cantora fez um show marcado por sua performance forte e por protestos contra Temer e a Polícia Militar (Foto: Raphael Carrozzo/Nonada)

Eu só sei tocar meu tamborzinho e olhe lá, diz a música “Ciranda do Incentivo”, do disco Eu menti pra você (2010), e que não entrou nesse setlist. Mas Karina pegou um tamborzinho e tocou para a gente. Tocou o axé “Rimã”, também do Selvática. Logo depois, ela tocou um bumbo, completando o show de percussão.

A seguir, veio o reggae “Alcunha de Ladrão”, que conta uma história bem interessante: a de uma mulher que tem fome e, por vezes, precisa roubar comida – Ela Não tem medo de nada/Mas teme ainda a polícia. Por isso, a música foi emendada com Não acabou/ tem de acabar/ eu quero o fim/ da Polícia Militar entoada pela plateia e acompanhada pela banda, que transformou o grito de guerra em funk.

Nesse momento, todos do auditório já estavam de pé, imersos na vitalidade de Karina e sua banda. Depois da punk “Cerca de Prédio”, a corda da guitarra de Edgard Scandurra (também da banda Ira!) estourou. A pausa no show por causa disso foi relativamente longa, mas MAU no baixo, Bruno Buarque na bateria e André Lima nos teclados fizeram com que esse não fosse um momento entediante: fizeram uma improvisação dançante, embalado por gritos de “Fora Temer” de todos que estavam ali, na plateia e no palco.

Corda trocada, hora de retomar o show. A banda, então, entoou a introdução da minha música preferida do Selvática: “Pic Nic”. O rock entusiasmou mais ainda o público. Todos estavam dançando a música que fala sobre as hipocrisias presentes na classe média alta (Seu filho ri enquanto o meu chora/Você chama o psicólogo/Eu jogo você fora).

O Festival Unimúsica desse ano traz exclusivamente cantoras na programação (Foto: Raphael Carrozzo/Nonada)
O Festival Unimúsica desse ano traz exclusivamente cantoras na programação (Foto: Raphael Carrozzo/Nonada)

“Copo de Veneno”, do disco Longe de Onde (2011) foi o pontapé para que a cantora sentisse liberdade para fazer suas peraltices: depois de tomar um copo com alguma bebida que não consegui identificar, ela cantou “A pessoa morre”, do mesmo álbum, e foi se deixando levar até o chão, e se arrastou lentamente, chegando até a passar por debaixo das pernas de Edgard Scandurra, como se realmente tivesse sido envenenada. Todos, claro, foram ao delírio. Provavelmente não esperavam uma presença de palco tão intensa. E terminou a performance dizendo: “A pessoa morre de Olimpíadas também”.

Karina é psicodélica. Enquanto cantava “Guitarristas de Copacabana” e “Avião Aeroporto”(outra música que eu gosto muito e que não esperava que entrasse no setlist), ela dançava com o tripé do microfone, se enrolava nos fios, se batia, se jogava no chão, com uma disposição inexplicável de cantar e fazer tudo isso ao mesmo tempo. Não tinha como não não vibrar com todo aquele poder.

A faixa-título finalmente apareceu. “Selvática”, música mais pesada de toda a sua carreira e que conta com participação de Elke Maravilha, é praticamente um manifesto feminista narrado aos berros, falando por todas as mulheres que estão cansadas de serem cobradas pela sociedade e serem agredidas por gente que não sente o quão punk é ser mulher (Guerreira que bebe sangue/Arco e flecha do daomé/Viço de bicho, ebó de mangue/Jurema da favela/Óleo de palma pra ela/Alma na planta do axé). Nesse momento, havia várias mulheres na plateia sem a roupa de cima, com os peitos para fora, se sentindo libertas. Essas mesmas mulheres, de repente, subiram no palco e começaram a dançar, pular, comemorar o fato de uma cantora conseguir decodificar tão bem o que nós sentimos e sofremos e levar a mensagem mundo afora. Foi uma cena fantástica.

Depois, veio o maior sucesso da cantora, “Nassiria e Najaf”, que dispensa comentários. No bis, foram apresentados mais sucessos: “Eu Menti pra Você”, “Cara Palavra” e “Eu Sou um Monstro”, essa apresentada pela segunda vez. Karina Buhr é um furacão, um furacão do bem. Nos deixa extravasados, leves, reflexivos e descontruídos. Por isso, dorme logo, antes que você morra.

 

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Editora, nordestina, nômade e entusiasta de produções autorais. Gosta de escrever sobre música e qualquer coisa que seja cultura.
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