Por Eduardo Vieira da Cunha*
Uma coleção particular guarda um testemunho visual inédito da Primeira Guerra Mundial. Há 90 anos, um oficial do exército alemão, artista amador, produzia uma série de desenhos e aquarelas em plena frente de batalha. Por mais paradoxal que pareça, a tensão na guerra das trincheiras permitia momentos de introspecção ao jovem tenente.
O resultado desse trabalho, com todo o frescor de um depoimento, foi dividido em duas partes. A primeira encontra-se hoje em exposição no Museu da Guerra na cidade de Munique, Alemanha. A segunda, não menos importante, está guardada em uma coleção particular da família do artista em Porto Alegre. Essa, ainda inédita, talvez nunca tenha recebido a atenção que merece por parte de nossos museus e instituições culturais, nem tampouco em termos editoriais. Algumas imagens aqui reproduzidas demonstram bem isso: são movimentos de tropas, carroções e soldados, num cenário sombrio de destruição que mais tarde seria substituído na obra do artista pela luz tropical do Brasil, e pelo alegre cotidiano dos arrabaldes de Porto Alegre dos anos 20 a 60.
Nascido de Altöting, na Baviera, Joseph Lutzemberger herdou o talento do pai para a reportagem. Sua família era dona de uma editora de jornais da região. O jovem Joseph, entretanto, preferiu desenvolver sua habilidade como ilustrador e desenhista. Entrou para a Universidade Técnica Real da Baviera e depois trabalhou como arquiteto, até ser convocado para o front. A partir de 1914, foram cinco anos de lutas e de produção de um diário visual. Em 1918, ao final do conflito, Joseph, então com 38 anos e mais de cem aquarelas produzidas, decide desligar-se do exército para tentar a vida fora da Alemanha, arrasada pela guerra. Divide a coleção de pinturas em duas, doa uma das partes ao Exército, e com a outra na bagagem viaja para o Brasil. Em 1920, chega a Porto Alegre.
A economia do estado florescia nos anos 20, e logo o talento do arquiteto passou a ser requisitado para diversas construções importantes: a igreja São José e o Palácio do Comércio, ambos em Porto Alegre, e outras tantas no interior. Em 1926, casa-se com Emma Kroeff. Ao final do mesmo ano nasce o primeiro dos três filhos do casal: José Antonio Lutzemberger, que anos mais tarde viria a ser o fundador da Associação Gaúcha de Proteção ao Meio Ambiente (AGAPAN) – a primeira entidade a se preocupar com as questões do ambientalismo no Brasil.
Joseph Lutzemberger foi convidado a lecionar no Instituto de Artes da Universidade do Rio Grande do Sul depois de produzir a série de aquarelas para o centenário da Revolução Farroupilha, em 1935. O que caracteriza a sua obra a partir dos anos 40 é o mesmo dom de documentarista já presente nos anos da Alemanha: a preocupação com a reportagem visual, através da linguagem do desenho e da aquarela, dos modos de vida típicos da região de colonização alemã do Estado. Joseph Lutzemberger morreu em 1951, deixando uma vasta obra sem, entretanto, ter desfrutado em vida de reconhecimento como artista importante que foi.
* Eduardo Vieira da Cunha é artista plástico e professor do programa de pós-graduação em Artes Plásticas do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul