“Caro Haiti”, além de um livro reportagem, é também o projeto de conclusão de curso da então estudante de jornalismo, Julimária Dutra. Autora, repórter e estudante completam e contemplam o registro do Haiti, uma nação com recente histórico de problemas militares e catástrofes naturais. Sem apoio de nenhum veículo de imprensa, a pernambucana Julimária resolveu embarcar no projeto de modo independente. Não foi fácil, mas ela não desanimou e após passar dez dias no País, coletando informações, entrevistando e conhecendo de perto a história e as dificuldades daquele povo, tratou de traçar uma verdadeira coletânea de impressões sobre a realidade haitiana. Confira a entrevista que realizamos com a autora:
Nonada – Como surgiu a ideia de escrever o livro reportagem sobre o Haiti?
Julimária Dutra – Quando ainda era estudante de jornalismo participei de um curso em São Paulo na Oboré em que trabalhava questões de situações de conflito armado e outras situações de violência dentro do jornalismo. A partir desse curso conheci militares do Exército e delegados da Cruz Vermelha. Por meio dessas pessoas me interessei em visitar o País e desenvolver meu livro-reportagem.
Nonada – Como surgiu a divisão em três momentos do livro? Por acaso são ecos da obra clássica “Os Sertões” de Euclides da Cunha?
Julimária Dutra – Euclides não me passou pela cabeça. Mas li muitos livros de livro-reportagem para tentar encontrar um estilo próprio e, claro, uma pegada interessante, com uma estrutura que pudesse abordar tudo o que eu vi nos dias em que estive no País. A razão que me fez realmente dividir o livro em três momentos foi simples: ao chegar no País e conversando com muitos civis percebi que a vida deles era dividida em antes e depois do terremoto. Com isso resolvi fazer um antes e o depois, mas o processo histórico e político do Haiti também me forçou a explicar o que fez do Haiti hoje o que ele é. Explicar que há tragédias humanas e catástrofes geográficas. Mas quando se juntam as duas o resultado é uma verdadeira hecatombe. Por isso escolhi dividir em três momentos e pontuar com isso os períodos importantes e cruciais do País.
Nonada – Quais os cuidados você tomou para contar uma história tão complicada como essa?
Julimária Dutra – Muitos, diria que foram incontáveis. Um verdadeiro jogo de equilíbrio, onde evitei rotular as pessoas que cometiam crimes, pois em se tratando do Haiti milicianos são criminosos para um e não para outros. Receio de expor determinados civis para preservar a integridade física dessas pessoas. O cuidado de inserir as diversas informações do Exército, ONU, sem assumir uma postura embed.
Nonada – Para ti, como foi essa experiência de se defrontar com um País tão carente e que sofreu muito nos últimos anos?
Julimária Dutra – A experiência foi única e faria tudo novamente. Mas ao mesmo tempo tudo foi muito doloroso. Ver crianças famintas, magérrimas e não puder fazer nada. Sentir o cheio da morte e pisar em entulhos que cobrem até hoje centenas de corpos que não foram sepultados. É tudo demasiadamente impactante. Você volta diferente.
Nonada – Lá você ficou hospedada onde? Gostaria que comentasse algumas experiências marcantes que teve no Haiti.
Julimária Dutra – Fiquei hospedada no Batalhão Brasileiro, o Brabatt, sob a responsabilidade das Nações Unidas. Durante dos dez dias que passei testemunhei muitas situações chocantes, mas duas de fato me sensibilizaram. Uma foi o agradecimento singelo de uma criança quando a ofertei com uma barrinha de cereal. A voz dela entrecortada dizendo: fica com Deus, até hoje não me sai da memória. E a outra situação foi do garoto Vitor Elly que ao invés de pedir comida, me pediu um livro para aprender melhor português. Esse último me chamou muito atenção, porque em um país tão pobre onde as pessoas sofrem tanto pela falta de comida e água, ver aquele pedido me deu uma certeza de mesmo com toda a tragédia humana acometida naquele País, as pessoas de lá têm outros tipos de fome e outros tipos de sede.
Nonada – Como está sendo a recepção do Caro Haiti?
Julimária Dutra – Tenho recebido agradecimentos e elogios de muitas pessoas, isso tem me confortado demais. Acho que o livro conseguiu de certo modo levar um pouquinho de informação sequer as pessoas que só tinham conhecimento do Haiti. Alguns professores comentam dele na aula de jornalismo, tenho sido convidada para dar palestras, tudo tem acontecido de modo paulatino, natural e bastante positivo. Confesso que não imaginei que um livro de projeto de conclusão tomasse a proporção que esse tomou, de ser divulgado pelos principais veículos de comunicação do meu Estado.