Recortes | Cinema – A estagnação da criatividade

Falta de sucessos baseados em conceitos originais é acompanhado de franquias artificialmente desenvolvidas para maximizar os lucros.

Alguém que acusasse uma crise de criatividade em Hollywood há, digamos, 10 ou 15 anos, deve querer engolir as palavras agora. Não por motivos positivos, infelizmente. O fato é que, comparado com o que temos hoje, a época citada era de criatividade fervente – e o pensamento que prioriza a franquia sobre a obra individual está mais nítido do que nunca. A grande estreia da semana, o aguardado Prometheus, é mais um exemplo claro – potencializado por sobrepor sua ambição financeira sobre a temática (veja aqui o que escrevi sobre o filme).

Não que essa mentalidade unidimensional não tenha respaldo do público – sequer existiria sem este. Das 10 maiores bilheterias do período 2001-2010, apenas Avatar não é baseado em um material previamente existente; todos os outros são adaptações de livros, quadrinhos e/ou continuações. Mesmo que usemos uma lista das 50 maiores, o cenário não melhora muito para as criações, que são, em sua maioria, produções da Pixar. E as consagração de dois originais consecutivos nas últimas cerimônias do Oscar (O Discurso do Rei e O Artista) é uma exceção colossal nos últimos anos da premiação, que também tem primado pelas adaptações.

William Powell e Myrna Loy, o casal Nick e Nora da série "The Thin Man", que possui seis filmes.

É claro que o propósito desse texto não é condenar as adaptações ou as franquias; sou fã de várias. Séries cinematográficas também não são um fenômeno recente. Um exemplo da Hollywood clássica é The Thin Man, seis filmes de mistério estrelados por William Powell e Myrna Loy entre 1934 e 1947. Mas o fato é que um bom número das grandes franquias do Cinema não foram concebidas como tal, mas desenvolvendo-se a partir de um primeiro sucesso; e , a partir daí, investindo em sua história e seu universo ou limitando-se a repetir a fórmula do original. Não é um modelo que se aplique a O Espetacular Homem-Aranha, que sequer estreou e já tem a continuação sendo escrita; e, lógico, as prometidas sequências de Branca de Neve e o Caçador, que buscam espremer todos os trocados da atual onda de reimaginações de contos de fada. E se isso não é o bastante para evidenciar a míngua de criações originais, vale trazer as atrasadas (e desnecessárias) continuações de filmes antigos ou clássicos, como a sequência de Tron lançada em 2010, inacreditáveis 28 anos depois do original (e tão esquecível quanto) e as já confirmadas continuações de Touro Indomável (1980) e Blade Runner (1982).

Criar uma franquia para depois desenvolver suas partes tem grandes chances de possuir membros frágeis – e o exemplo mais claro disso é Os Vingadores. Por mais divertida que seja a reunião da Marvel, não há como negar que, a partir do momento que sua produção tornou-se uma certeza, seus antecedentes deixaram de receber a atenção merecida, resultando em exemplares genéricos e esquecíveis como Thor e Capitão América – filmes de super-heróis que estão muito aquém da densidade dramática de filmes como Homem-Aranha 1 e 2 e a série X-Men (exceto Wolverine). Seguindo uma variação dessa escola, Prometheus, novo trabalho de Ridley Scott, propositalmente limita o desenvolvimento de seus temas para aproveitá-los numa possível continuação. Uma coisa é deixar pontas soltas, outra é recusar-se a amarrá-las – exatamente o caso de Prometheus, que oferece pouco retorno ao investimento feito pelo espectador no que está acontecendo na tela.

O fracasso de "A Bússola de Ouro" impediu que a trilogia continuasse a ser adaptada.

Paradoxalmente, esse modelo de produção é prejudicado caso não corresponda à expectativa dos estúdios, que cancelarão os filmes sem piedade – e a própria série Alien já passou por isso. Por mais fraco que seja o Alien 3 de David Fincher, ao menos ele concede um fim digno à história de Ripley (cujo desenvolvimento é um dos poucos aspectos positivos do longa). Já A Ressurreição (escrito Joss Whedon), mesmo sendo eficiente, representa um reinício desnecessário – e com o desgaste da franquia, faltou um desfecho satisfatório para a azarada tenente. Um exemplo mais recente é A Bússola de Ouro: adaptação de um popular livro de Philip Pullman, o filme contou demais com o próprio sucesso para realizar as continuações, não hesitando em terminar sem qualquer conclusão. Infelizmente, além de suas próprias deficiências narrativas, o filme ainda enfrentou alguma resistência por seu suposto subtexto anti-católico. Resultado: um fracasso de bilheteria que eliminou as sequências – deixando o espectador sem a menor ideia de como a história acaba ou mesmo se desenvolve.

Claro que as chances de Prometheus ser um fracasso são pequenas – mas e se não fossem? Teríamos um novo Alien – A Ressurreição. E, enquanto isso, nenhuma das maiores bilheteria do ano parte de um conceito original.

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