Por Robson Delgado Baré, especial para o Nonada Jornalismo
Uma das grandes ameaças atuais na Amazônia, que afetam especialmente as Terras Indígenas (TI), são os grandes empreendimentos. Seja para a exploração de recursos naturais ou para projetos de infraestrutura, essas iniciativas trazem uma série de impactos socioambientais em nome do desenvolvimento. No Brasil, as empresas em ação na maior floresta tropical do mundo trazem riscos a territórios indígenas com populações já estabilizadas, assim como aos povos isolados e de recente contato.
Um exemplo é o caso do potássio na cidade de Autazes (AM). A empresa Potássio do Brasil avança sua exploração de minérios sobre terras indígenas reconhecidas. A mina de potássio fica próxima de terras indígenas demarcadas e homologadas, a Paracuhuba e a Jauary, além de outras duas comunidades indígenas em processo de demarcação, Urucurituba e Soares. A TI Ituna Itatá (PA) é outro território invadido constantemente para o avanço do agronegócio, causando desmatamento e diminuindo o espaço dos indígenas em isolamento voluntário, mesmo com a validação pelo estado de restrição de uso do território.
O que assusta os povos indígenas é ver como o Estado lida com a presença dessas empresas em seus territórios, inclusive auxiliando e incentivando a permanência dessas companhias na Amazônia, como é o caso do leilão dos poços de petróleo na Foz do Amazonas, no estado do Amapá. Para justificar os projetos predatórios que afetam as terras indígenas na Amazônia brasileira, as empresas adotam um discurso desenvolvimentista, alegando que a Amazônia e os povos indígenas, com seus territórios protegidos, não contribuem para o desenvolvimento econômico do Brasil.
Esse discurso ignora a importância das Terras Indígenas para a preservação da Amazônia, como barreira contra os efeitos das mudanças climáticas, e os diversos tipos de economia indígena que geram renda de forma sustentável dentro dos territórios. Angela Kaxuyana, representante da Coiab na Bacia Amazônica e autoridade no assunto de povos indígenas em isolamento voluntário e de recente contato, fala sobre como esses projetos afetam os isolados.
“Como essas empresas adentram os territórios sem considerar a territorialidade das populações indígenas, nesse caso a dos povos indígenas em isolamento, elas afetam totalmente e colocam em risco a permanência desses povos indígenas. Ao fazer qualquer tipo de ação, seja de pesquisa ou implementação de projetos, onde há circulação da territorialidade dos povos indígenas isolados, essas empresas passam literalmente por cima das pessoas”.
Para as organizações indígenas, qualquer efetivação desses empreendimentos sem a consulta ou presença dos povos indígenas das regiões afetadas é nociva à vida das populações originárias, e uma ameaça aos seus direitos fundamentais.
É fato que as terras indígenas da Amazônia são autossustentáveis e, em alguns casos, são a solução para o desenvolvimento de determinadas regiões. Um exemplo é a produção de artigos artesanais e as agroflorestas, que são fonte de sustento de muitas famílias e até de municípios ao redor do território. O caminho é apoiar os territórios para terem autogestão e independência financeira, tendo como bem comum a biodiversidade a ser protegida.
Angela cita também exemplos de resistência indígena bem-sucedida contra grandes empreendimentos em terras isoladas: “Uma resistência permanente dos povos indígenas do Tapajós, sobretudo do povo Munduruku diante do complexo de hidrelétricas do Tapajós. Há pelo menos uma década, já vem resistindo de forma muito corajosa em regiões onde o estado brasileiro anunciou a construção de hidrelétricas. Posso mencionar também a resistência e permanência também dos Waimiri Atroari, de Roraima, e tantos outros povos que têm se colocado frente a esses grandes empreendimentos e colocado como prioridade dentro das suas vidas permanecer na resistência para que esses empreendimentos não avancem nos territórios”, declara.
A Coiab por meio da Gerência de Povos Indígenas Isolados e Recente Contato e Assessoria Jurídica, trabalham juntos para que essas grandes companhias não afetem os povos isolados, incidindo em campanhas e diretamente no Estado, como explica a assessora jurídica Kari Guajajara
“Os eixos de atuação da assessoria transversalizam, necessariamente, a categoria de enfrentamento a grandes empreendimentos que ameaçam os territórios indígenas na Amazônia e a defesa dos direitos dos povos indígenas em isolamento. Exemplos dessa afirmação é a atuação da Coiab nas ações judiciais e políticas que tratam da BR-319 e a própria ADPF 991. A Coiab utiliza diferentes mecanismos jurídicos para atuar em defesa dos direitos indígenas no âmbito dos direitos dos povos indígenas isolados e de recente contato e de enfrentamento a grandes empreendimentos que possam impactar negativamente os povos indígenas”, declara.
A GPIIRC trabalha de forma contínua nos territórios onde há presença de povos indígenas isolados, com parceiros e organizações de base da Coiab para verificar e pensar estratégias para a proteção desses grupos, no âmbito nacional e internacional, considerando que a mesma realidade assola os territórios dos parentes de outros países, como o Peru, que faz fronteira com o Brasil. O coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineri, ressalta o compromisso da Coiab com o tema.
“A Coiab tem construído um trabalho muito bom em relação aos povos indígenas em isolamento voluntário com a gerência e a assessoria jurídica, pensando na questão de restrição de uso desses territórios para que sejam demarcados o mais rápido possível. Apesar desses esforços, a gente percebe que essas empresas que entram nos territórios não se importam com quem vive na região nem a situação que se encontram, excluindo qualquer tipo de contato com as organizações indígenas, a qual eles devem consultar. Afinal, são nossos territórios. Diante desses perigos, precisamos cobrar do governo a proteção dos povos isolados”, conta.
Vale ressaltar que a Coiab está atenta a garantir o cumprimento da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que exige consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas afetadas por empreendimentos. A Coiab também atua política e juridicamente para impedir que grandes empreendimentos avancem sobre terras indígenas, garantindo o respeito aos direitos e à autodeterminação dos povos indígenas na Amazônia, especialmente os em isolamento voluntário.

Robson Delgado Baré
Robson Delgado Baré, é um jornalista indígena do povo Baré e Tukano, do munícipio de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Primeiro indígena formado em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), é atualmente pós-graduando em Educação Indígena. Atua na valorização da cultura indígena, promovendo debates sobre inclusão, direitos dos povos originários e a presença indígena nos meios de comunicação. Além de atuação como jornalista, é curador de exposições culturais, como a “Mejtere: Histórias Recontadas” no Museu Paranaense, e escreve sobre temas como moda sustentável, clima e meio ambiente. Robson também colabora com organizações como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Articulação Brasileira de Indígenas Jornalistas, onde promove pautas relacionadas às comunidades indígenas e combate à desinformação em torno dessas questões.