Como a arte-educação pode transformar a vida de jovens de escolas públicas

Apesar de presentes como obrigatórias no currículo disciplinas de artes ainda carecem de apoio e recursos no ensino público

No portão da Escola Estadual de Ensino Médio Padre Reus, na Zona Sul de Porto Alegre, figura em letras de forma o comunicado “Não há vagas. Não insista.”. A frase é a primeira coisa que se avista depois que se atravessa o pátio arborizado na entrada da instituição. O aviso foi uma iniciativa da direção para pelo menos reduzir a alta procura de pais e responsáveis por vagas na escola para seus filhos, já que todas estão lotadas. 

É que a escola Padre Reus faz uso de uma metodologia educacional que dá frutos ao contribuir ativamente na formação dos adolescentes que lá estudam através de uma aproximação com a arte e com a cultura, atraindo o interesse de quem quer garantir um estudo mais eficiente para sua prole. Em grande parte, a popularidade da escola reside na abordagem da arte-educação. 

Para a estudante Marina Vitória da Rosa, ingressar na instituição foi relativamente fácil. Mas ela já tinha boa parte do caminho andado. Apaixonada por artes e cultura desde muito cedo, Marina venceu, na edição do ano passado, através do Colégio Estadual Paraná, o primeiro lugar do prêmio estadual Escola Íntegra, na categoria do 1º ano do ensino médio. A premiação se trata de um concurso de manifestação artística sobre integridade para escolas da rede estadual, promovido pela Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage), em parceria com a Secretaria de Educação. 

Sirlei Henrique, professora de artes (Foto: Alexandre Briozo Filho/Nonada)

“Eu conheci a Escola Íntegra através da divulgação do Estado. Eles passaram lá na sala e falaram ‘tem até tal data para inscrever  alguma forma de expressão cultural, arte, poesia, coisa assim. Aí eu fiz uma música. E eu consegui ganhar”, explica a estudante.

Naquela edição, a escola Padre Reus figurou sete vezes na lista dos vencedores. Ao final da premiação, a estudante, admirada com a força da presença da arte na instituição, se aproximou da professora de artes Sirlei Henrique, premiada pela sua atuação na escola, e manifestou o interesse de ser sua aluna. Sirlei, fora os períodos de artes que leciona, conduz oficinas de pintura no contraturno para os alunos do ensino médio. “Aqui eu tenho o privilégio de ter essa sala, lutei muito para ter essa sala, esse espaço aqui. Porque eu não tive uma sala de artes antes”, diz a professora.

Já matriculada na nova escola, Marina realiza pinturas e desenhos elaborados na disciplina da professora, bem como se engaja em discussões sobre o contexto histórico e cultural das produções que realiza em aula. Estar cercada de cultura, conforme ela defende, “é uma oportunidade de se expressar e se desenvolver”. “Se a pessoa conseguir ir bem em arte, ela vai se sentir motivada para ir em outras disciplinas também”, opina.

O ensino na escola contraria uma certa noção nacional de que a presença de artes e cultura nas escolas é um mero caso de recreação e distração, em comparação com as disciplinas que “de fato importam”, como Português e Matemática. Além de contribuir com o desenvolvimento de competências socioemocionais em adolescentes e de ampliar visões de mundo, a presença de atividades artísticas e culturais nas escolas contribui com a vontade de estar no ambiente escolar, combatendo a evasão. 

Para 76,5% dos estudantes de ensino médio entrevistados para o estudo Arte e Cultura nas Escolas, realizada pelo Observatório Fundação Itaú e pelo Equidade.Info, a presença de atividades artísticas e culturais nas escolas, como dança, teatro e música, aumenta a vontade de frequentar o ambiente, enquanto para 77,3% aumenta a vontade de estudar e melhora o desempenho escolar. A pesquisa também mostrou que 84,3% desses estudantes gostariam que houvesse mais atividades desse cunho nas escolas.

O estudo também avaliou a percepção da importância das artes para os professores e identificou que “65% dos docentes concordam totalmente e 28% parcialmente que as atividades artísticas têm relações com suas matérias”. Para a professora Sirlei Henrique, “a arte ainda é muito elitizada, muito do homem branco. E eu quero que os meus alunos de ensino público entrem nos espaços públicos quando tem Bienal. Esses espaços precisam pertencer a eles”.

Segundo a arte-educadora Ana Mae Barbosa, o contato com as artes no ensino básico é fundamental. Contudo, a pouca valorização dada à arte-educação na formação dos sujeitos, principalmente na formação de jovens, é algo a ser repensado. “Há uma importância muito grande da arte para o desenvolvimento cognitivo. A arte é importantíssima na adolescência, porque é a fase em que há grandes mudanças de hormônios no corpo. Há uma luta dentro dos nossos corpos durante a adolescência que a gente tem que trazer para o positivo, para a ampliação de perspectivas, de maneiras de ver o mundo”, avaliou a arte-educadora durante entrevista para o Nonada via vídeo. “A arte na escola não é para formar artistas. Definitivamente não é. É para desenvolver a capacidade mental geral do indivíduo”, defende.

Um problema estrutural

No Brasil, o ensino das artes e a presença de cultura popular nas escolas de Ensino Médio ainda figura como um aspecto da educação que, em muitos casos, é dispensável, principalmente nas instituições públicas. A baixa valorização dada à arte-educação no país, além de ser reflexo de uma consciência nacional que percebe a presença das artes nas escolas como recreação e não como uma parte importante da constituição dos sujeitos, é consequência de uma série de fatores interligados. Desses fatores, se elencam a gestão do recurso público destinado à área, o pouco incentivo à formação de professores para atuarem no campo, a subsequente ausência de profissionais qualificados dentro das salas de aula e a exclusão de profissionais do campo das artes que são educadores, mas não possuem licenciatura.

“O ensino das artes está dentro da área de Linguagens na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ou seja, todo aluno tem que ter o estudo da arte”, explica a gerente do Observatório da Fundação Itaú, Carla Chiamareli. “Só que na hora de operar isso, acaba que muitas redes de ensino não conseguem prover o professor de artes cênicas, o professor de música, o professor de dança e o professor de artes visuais. Geralmente, é o professor polivalente que dá aula sobre isso, mas com uma carga horária menor ou não dá com tanta ênfase em cada uma das suas linguagens”, diz. 

Carla, que está à frente do Observatório há mais de vinte anos e já coordenou diversas pesquisas intersetoriais entre cultura e educação, acredita que as escolas poderiam contratar um profissional para cada uma das linguagens artísticas, deixando de lado a crença na escassez de profissionais habilitados na área. O problema, segundo ela aponta, está na execução da contratação de professores, que exige licenciatura na maioria dos casos. 

Foto: Ocupa Escola/divulgação

“O que te habilita a ser um professor de Teatro, às vezes, é o DRT (registro profissional emitido pela Delegacia Regional do Trabalho), e não uma licenciatura. Então, precisa ter licenciatura ou pode não ter licenciatura? Pode contratar com o dinheiro do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) ou não pode? Se não for do Fundeb, é um dinheiro do Tesouro [Nacional]?”, questiona. 

Carla explica que, geralmente, muitos dos profissionais do setor artístico são educadores. A ampliação das formas de contratação desses profissionais por parte das instituições de ensino poderia, ainda, abrir espaço para a inserção da cultura popular dentro das escolas. “Por exemplo, você tem os griôs e os mestres da cultura popular. Como eu posso fazer para contratar esses mestres?”, indaga. 

Essa proposta vai de encontro com o que estudantes e professores de escolas brasileiras demandam: maior presença cultural dentro das escolas. É o que diz a pesquisa da Fundação Itaú, que foi divulgada no final de abril. O estudo constatou que 88% dos entrevistados gostariam de ter mais atividades culturais dentro das escolas, tais como teatro, dança, música e pintura. Esse interesse se dá apesar da ausência de recursos específicos para impulsionar o crescimento dessas atividades. 

O levantamento vai na contramão da percepção nacional de que os estudantes não estão interessados em artes e cultura no ambiente escolar. Segundo os dados, 85% dos estudantes realizaram pelo menos uma atividade cultural com a sua escola no último ano, enquanto apenas 46% praticaram alguma atividade artística ou cultural fora da escola, como tocar instrumentos musicais, desenhar, fazer teatro ou dança. 

“É super importante o português e a matemática para a gente existir e coexistir no mundo. Mas será que se eu der aula de dança, de música, de teatro, não vou melhorar o português e a matemática?” – Carla Chiamareli, gerente do Observatório da Fundação Itaú

A pesquisa também relacionou a presença de atividades culturais na educação básica com o interesse dos estudantes por permanecer na escola. Essa percepção prevalece entre 96% dos gestores, 95% dos professores e 80% dos dos alunos. 

Para Carla, a arte promove o desejo de estar na escola. “É super importante o português e a matemática para a gente existir e coexistir no mundo. Mas será que se eu der aula de dança, de música, de teatro, não vou melhorar o português e a matemática?”, questiona. Para ela, competências como a comunicação, colaboração e resiliência podem ser desenvolvidas a partir da arte-educação. “Talvez o processo educativo, as escolas e os sistemas educacionais ainda estejam presos numa formalidade, em um jeito muito arcaico de olhar para o processo de ensino-aprendizagem”, comenta.

A arte no currículo escolar

Desde que foi oficializada na lei que ficou conhecida como Diretrizes e Bases da Educação, de 1971, a presença das Artes no ensino brasileiro passou e ainda passa por uma série de desafios. Ainda que tenha instituído a obrigatoriedade do ensino das artes nas escolas, essa lei “estabeleceu uma educação tecnologicamente orientada que começou a profissionalizar a criança na 7ª série, sendo a escola secundária completamente profissionalizante”, conforme explicou a arte-educadora Ana Mae Barbosa em relato para o Congress on Quality on Art Teaching, da Unesco. 

Como consequência disso, a presença das artes dentro das escolas se deu de maneira tecnicista. Atividades como desenhos geométricos através de projeção, folhas para colorir e desenhos de observação eram o tipo de prática artística estimulada com os estudantes. Aos poucos, a educação foi perdendo espaço na formação de sujeitos e se voltando cada vez mais para a formação de mão-de-obra. “Evoluções não tem lugar em salas de aula nas escolas públicas”, já dizia a arte-educadora naquela época.

Ana Mae Barbosa é homenageada pela Ocupação Itaú Cultural (Foto: Andre Seiti/Fundação Itaú)

Já naquele momento, a atuação de professores das artes se dava preferencialmente por meio da licenciatura. Mesmo os profissionais que obtiveram formação em arte-educação por meio das Escolinhas de Artes, criadas pelos arte-educadores Augusto Rodrigues e Noemia Varela, não podiam exercer a função de professores a menos que tivessem diploma universitário, algo que a maioria não tinha. 

A criação do curso de Educação Artística pelo Governo Federal, que compreendia em uma formação de dois anos para docência em teatro, artes visuais, dança, desenho e desenho geométrico, gerou contradição entre arte-educadores. “É um absurdo epistemológico ter a intenção de transformar um jovem estudante (a média de idade de um estudante ingressante na universidade no Brasil é de 18 anos) com um curso de apenas dois anos, num professor de tantas disciplinas artísticas”, disse Ana Mae Barbosa. 

Mais recentemente, mudanças importantes nas políticas públicas voltadas para a arte-educação no Brasil, como a implementação da BNCC e o decreto da Lei nº 13.278/2016, definiram a disciplina de Artes como uma área do conhecimento, ou seja, uma disciplina que abrange de forma ampla artes visuais, música, dança, teatro e artes integradas. No entanto, a falta de formação adequada de professores é um problema que ainda persiste. 

Por uma sensibilização do ensino

Para além do interesse de permanecer no ambiente escolar, o incentivo às artes e à cultura nas escolas também colabora com o desenvolvimento de uma subjetividade maior para o sujeito, “muito mais ampla no sentido de entendimento de si, de entendimento do outro, de criatividade”. É o que diz a educadora Fátima Verônica Santos, idealizadora do projeto Ocupa Escola. 

O projeto, realizado entre 2015 e 2018 em escolas municipais e centros de desenvolvimento do Rio de Janeiro, levava artistas-educadores para dentro desses espaços para ministrarem atividades extracurriculares através de oficinas, que passavam pelo hip hop, pela dança, pelas artes cênicas e circenses e pela poesia. Sob a premissa de que toda escola deveria ser um ponto de cultura, o Ocupa Escola atendeu diretamente 7 mil estudantes em 11 escolas diferentes, situadas em áreas de vulnerabilidade social. As instituições foram escolhidas em comum acordo com as Coordenadorias Regionais de Educação. 

Levar cultura e artes para dentro das escolas era apenas um dos objetivos do projeto. Integrar o fazer artístico da comunidade que circunda as escolas e aproximar a comunidade no geral do ambiente escolar, como forma de potencializar as possibilidades tanto para o corpo discente quanto para o corpo docente, também fazia parte do planejamento. “Quando você oferece a cultura e a arte dentro do cotidiano da escola, quando a escola é aberta para o que está sendo produzido em termos de arte no território, você cria oportunidade para aquele aluno, para aquele professor, para quem está na equipe como um todo”, diz Fátima. 

O projeto atuou ao lado de professores artistas que não necessariamente possuíam licenciatura para o exercício da docência artística. Essa atuação permitiu que artistas educadores das comunidades levassem para dentro das escolas aquilo que estava circunscrito na própria comunidade. “A gente entendeu que esses professores artistas do território têm um saber orgânico, uma metodologia orgânica, que seriam importantes de se aplicar no Ocupa Escola”, conta.

Foto: Ocupa Escola/divulgação

Para a professora Michelle Valadão, que atuou no Ocupa Escola como docente, projetos como esse são boas iniciativas tanto para mitigar a ausência das artes e da cultura no espaço estudantil como para sensibilizar estudantes em situação de vulnerabilidade, impulsionando a formação subjetiva a partir do trabalho com as artes e com a cultura. “Alguns estudantes que o Ocupa Escola atendia eram considerados como estudantes ‘problemáticos’: aqueles que não terminam o ciclo, aqueles que não continuam. Mas quando você vai ver, tem uma série de problemas ali que fazem com que o estudante não consiga ter um foco somente nos estudos. O trabalho com cultura e artes em geral, ajuda muito a sensibilizar esse estudante para ter um interesse maior pela escola”, explica a professora. 

Ainda segundo Michelle, quando o ensino nas escolas trabalha com a perspectiva de sensibilizar o estudante para refletir a partir das artes e da cultura, é possível acessar uma série de elementos que outras disciplinas não acessariam. “O Ocupa Escola ajudou muito no engajamento dos estudantes. Foi possível ver ali talentos nascendo”, comenta. Verônica compreende essa sensibilização como uma forma de criar a oportunidade do encontro dos estudantes com a arte e fazer com que esse vínculo se estenda para situações do cotidiano. “Esse contato produz conhecimento num lugar subjetivo, abstrato. Um lugar que certamente vai fazer diferença quando essa pessoa sair da escola, quando essa pessoa estiver na sociedade, dentro de uma situação onde ela vai precisar criar ou ela vai ter que lidar com diferenças”, defende.

“A gente entendeu que esses professores artistas do território têm um saber orgânico, uma metodologia orgânica, que seriam importantes de se aplicar no Ocupa Escola” – Fátima Santos, idealizadora do Ocupa Escola

O impacto do contato com a arte

A influencer Júlia Bispo ficou conhecida como Perigosa do Japeri depois que começou a cantar músicas dos gêneros musicais Reggae e R&B nos metrôs do Rio de Janeiro. A alcunha se deu por conta da língua afiada da jovem, que não poupa argumentos para defender o que acredita. Depois que se formou no Ensino Médio e as perspectivas de emprego não saltaram no horizonte, Júlia recorreu à arte que aperfeiçoou durante o Ocupa Escola para ganhar a vida e sustentar os filhos pequenos. A jovem passou a gravar e postar no Instagram a sua rotina vendendo doces no trem enquanto cantava. Hoje, acumula mais de 270 mil seguidores.

Júlia não apenas partilha da mesma reflexão da professora Michelle sobre sensibilização, como também a vivenciou na prática. “Imagina que você chega em um colégio completamente problemático, onde todos diziam que aquilo que você ia tentar fazer ali era uma completa perda de tempo. Um lugar onde a única perspectiva de vida que os alunos tinham era de algo completamente distorcido”, relembra a influencer. 

Foto: Ocupa Escola/divulgação

Não demorou muito até que ela notasse mudanças comportamentais nos colegas depois do contato com as oficinas extracurriculares. “Imagina que em menos de um ano você transforma aquele cenário. Você vê alunos que tinham o pior comportamento do colégio inteiro, que só viviam sendo advertidos e suspensos, tendo um comportamento diferente, se esforçando para participarem das atividades que eram oferecidas, como grafite e desenho”, pontua. O Festival de Pipa, organizado a partir de uma proposta de aproximar as brincadeiras do território com o ambiente escolar, cravou a adesão dos estudantes às oficinas. “Você via o brilho nos olhos daqueles meninos que só tinham como perspectiva o crime”, comenta a influencer.

Em contrapartida, essas mudanças também operavam na jovem, cuja realidade em casa era dura, com episódios de violência. Em meio ao caos da vida pessoal, Júlia só queria encontrar refúgio e tranquilidade no ambiente escolar. Ela defende que esses projetos deveriam ser permanentes nas escolas. “Além de mostrar a arte e outras coisas que podem abrir a mente deles para outros tipos de carreira, também abre a mente deles para a formação enquanto ser humano”, comenta Júlia. “Os alunos que estavam com a gente no projeto aprenderam ser tolerantes, aprenderam a respeitar. Passaram a pensar ‘o fulano é diferente, mas tudo bem o fulano ser diferente, é algo que não me cabe, mas eu posso respeitar’”, diz. 

Em 2018, com a troca de governo da prefeitura do Rio de Janeiro, o Ocupa Escola encerrou suas atividades em virtude da descontinuidade do projeto, evidenciando a falta de perenidade das políticas públicas voltadas para a cultura. 

A arte como emancipação

Em meados de 2002, a professora de artes Sirlei Henrique, da Escola Padre Reus, enfrentava as extensas leituras da graduação com o senso de que a obtenção do diploma e o exercício da profissão seriam mais gratificantes se os aprendizados adquiridos no curso de Licenciatura em Artes Visuais ocorressem com a devida atenção. Em meio aos autores e autoras lidos pela professora, se destacam a educadora Ana Mae Barbosa, pioneira nos estudos de Arte-Educação no Brasil, a professora Analice Dutra Pillar e o educador Paulo Freire. 

De 2010 para cá, ano em que realizou sua especialização em educação, gênero e sexualidade nas escolas, sua visão sobre arte foi modificada por meio do contato com as obras de artistas contemporâneos que exploram esses temas. “Através desses trabalhos, tive uma nova visão da arte. Isso mudou toda a minha forma de trabalhar”, comenta. 

Em sala de aula, a professora trabalha com seus alunos através da Abordagem Triangular proposta por Ana Mae Barbosa, que consiste no fazer artístico, na leitura e interpretação de imagens e na contextualização da arte a partir de fatores socioculturais e históricos. A inserção de elementos da cultura popular no cotidiano da disciplina é incentivada como um preceito. 

No longo corredor central da instituição de ensino, que foi adaptado com uma estrutura adequada para funcionar como uma galeria para as telas pintadas pelos estudantes, figuram os trabalhos produzidos na sala de artes da professora Sirlei – cuja linha de pesquisa na especialização foi educação, gênero e sexualidade nas escolas. Mulheres negras, indígenas e pessoas transexuais com palavras de força e de protesto se delineiam em meio às cores de algumas das telas. Violência de gênero e abuso sexual é a mensagem denunciada em outras. Cantos de compreensão das problemáticas sociais, de demandas por mudanças e de liberdade englobam o conjunto de obras. 

Apesar do feito, Sirlei reconhece que o que a escola Padre Reus tem em termos de arte-educação é uma exceção: Em contrapartida, Carla Chiamareli, do Observatório Fundação Itaú, observa que “regiões que têm bastante cultura no ensino médio, nas escolas de tempo integral, sempre têm um bom resultado” nos índices que medem a educação nesses lugares.

Um dos principais fatores que colocam a instituição como um ponto fora da curva na adoção plena da arte-educação é a presença de uma profissional que se desdobra para compensar pela falta de artes no currículo dos estudantes ao criar oficinas extracurriculares de pintura, cujas temáticas variam entre gênero, raça e sexualidade.

“Fizemos um projeto sobre assédio com mulheres em uma dessas oficinas, quando estávamos só entre as meninas, e foi um momento em que todo mundo desabafou. Falamos sobre o que a gente sofre. Isso é uma forma de todas irem se conhecendo, ao mesmo tempo que é uma forma de estar ali pintando”, comenta a professora. O projeto possui uma boa adesão por parte dos alunos que não trabalham no contraturno. Os resultados das oficinas podem ser vistos tanto nas paredes da galeria improvisada no corredor central da escola quanto na atmosfera aprazível entre os estudantes. 

Outro fator a ser levado em conta é o incentivo que a própria escola oferece ao providenciar as ferramentas e o espaço adequado para que se aflore a criatividade dos estudantes e se produza sujeitos cujas competências socioemocionais permitam um maior discernimento em sociedade e para consigo mesmo, evidenciando uma gestão transversal do recurso público. 

Além do recurso que a escola oferece, no último ano, o valor da premiação do Escola íntegra contribuiu significativamente com o custeio dos materiais utilizados na sala de aula. A reforma da biblioteca da instituição de ensino, depois de muitos anos fechada por questões de estrutura e pela ausência de uma bibliotecária, pôde ser reaberta graças à reforma que foi feita com o dinheiro da premiação. 

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