Na terra da Rainha da Sucata

Texto Mariana Sirena

Thomas Tufte esteve no Brasil neste mês (Foto de Flora Simon da Silva)

Thomas Tufte fala a língua dos brasileiros, e não apenas no que diz respeito à inegável desenvoltura com que usa o português. O pesquisador da Dinamarca realizou um intercâmbio de estudos na cidade de Pelotas quando tinha 18 anos, e desde aí não deixou mais de relacionar-se com o Brasil. Seu objeto de estudo foi, durante um bom tempo, a teledramaturgia feita no nosso país, o que resultou na publicação “Living with the Rubbish Queen”, de 1994. Ainda não traduzido para o português, o livro aborda as pesquisas realizadas com telespectadores de “A Rainha da Sucata”, telenovela que, em 1991, marcava os 25 anos da Rede Globo. O professor de Comunicação da Universidade de Roskilde esteve no Brasil durante a primeira semana de setembro participando do Congresso da Intercom, e apresentando seus atuais trabalhos de pesquisa sobre comunicação e mudança social na África. Em entrevista ao Nonada, ele relembra alguns detalhes das suas pesquisas na terra da Rainha da Sucata.

Como surgiu o seu interesse por estudar as telenovelas brasileiras?

Surgiu da minha curiosidade por saber como podia um gênero nacional importar daquela forma na programação da Rede Globo e no cotidiano dos brasileiros. Fazendo perguntas para mim mesmo sobre isso, eu desenvolvi um projeto no sentido de tentar entender como as mulheres de baixa renda no Brasil recebiam e se apropriavam das telenovelas.

Por que escolheste a Rainha da Sucata para pesquisar?

A novela que eu escolhi para pesquisar foi um pretexto para falar sobre telenovelas mais em geral. A Rainha da Sucata foi meu objeto por um motivo prático: era a novela de comemoração de 25 anos de rede Globo quando eu realizei o meu estudo, em 1991. Mas a partir da discussão sobre este produto específico conseguimos entrar em todo o universo das memórias sobre novela. Eu fiquei impressionado com a memória que muitas mulheres tinham sobre as histórias. Lembravam-se das primeiras novelas, poderiam contar todas as histórias. Achei fascinante, isso.

Que aspecto mais chamou atenção na sua pesquisa sobre a recepção das telenovelas?

Eu sempre começava as pesquisas pedindo para as entrevistadas recontarem a história para mim. A partir da forma e da ênfase dessa recontagem, eu entrava num diálogo, num debate com elas, tentando saber as questões que mais chamavam atenção. Muitas vezes eu fazia as entrevistas nas casas e elas não se lembravam de algum personagem e os maridos que estavam por perto sabiam a resposta que elas não sabiam. Ou seja, eu queria fazer o estudo de um gênero que eu pensei que tinha uma audiência majoritariamente feminina, mas o fato é que muitos homens brasileiros gostavam muito de novela e sabiam muito sobre o assunto. O desenho que eu tinha feito da minha pesquisa foi desafiado pela própria realidade.

Por que achas que no Brasil a telenovela é tão representativa na televisão?

Essa é uma questão interessante, porque em outros países não há esta presença tão forte da telenovela na cultura televisiva como há aqui. Tem um elemento pragmático, que é o fato de que o Brasil tem um grande mercado – quase 200 milhões de pessoas hoje em dia. Ou seja, é um bom negócio para a Rede Globo, ou para qualquer estação de televisão, produzir e investir em telenovela. No meu país (Dinamarca), por exemplo, adoramos também produção nacional de ficção, só que é caríssimo: somos só 5 milhões de pessoas. Não tem aquele público cotidiano grande. Além disso, pensando não pela lógica do mercado, mas pela lógica cultural, acho que a novela, do jeito que foi desenvolvida no Brasil, atinge uma sintonia cultural e social com sua audiência que explica os altos índices. Tem muitas coisas da sua própria vida que as pessoas reconhecem na novela. Especialmente comparando a novela brasileira com as novelas dos outros países latinoamericanos, pode-se notar que as daqui refletem mais questões contemporâneas.

Como a telenovela brasileira é vista no exterior?

É um grande sucesso econômico. A Rede Globo, por exemplo, cobre os gastos da imersão já no mercado nacional, e no momento de exportar, podem exportar a um preço muito baixo. Isso faz parte da explicação de porque esta emissora conseguiu exportar para mais de 130 países no mundo inteiro. Consideramos também que houve um momento determinado de expansão de número de canais de televisão, e uma necessidade de encher esses canais com alguns produtos. Então países europeus compravam novelas baratas do Brasil. Isso, outra vez, é a explicação mercadológica. Pelo lado cultural, eu diria que o melodrama é uma forma de narrar universal. A telenovela, quando é exportada, é editada e tem seus capítulos reduzidos. Fica um produto já um pouco menos vivo, e um pouco mais estereotipado, mas que continua tendo a característica de melodrama que conecta as pessoas, que faz com que elas se identifiquem. Na década de 1990, passavam na Dinamarca várias novelas clássicas do Brasil, como Gabriela e outras de época.

Continuas estudando telenovelas?

Graças ao meu conhecimento na área de telenovela, fui convidado a fazer parte de uma pesquisa sobre um seriado da África do Sul, feito por uma ONG de lá. Este foi o início do trabalho que eu realizo há 10 anos, que é o de estudar como se usa a ficção televisiva e radial, e o entretenimento no geral, de forma estratégica na comunicação para a conscientização e mudança de comportamento na África.

Compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *