Quadrinhos podem ser jornalismo?

Atak largou segmento de quadrinhos há dois anos e hoje é ilustrador freelancer (Foto: Divulgação)

Dois apaixonados por histórias em quadrinhos, mas com visões muito diferentes da nona arte. Foi essa a impressão que passaram os desenhistas alemães Jens Harder e Hans-Georg Barber durante a palestra realizada neste sábado, dia 30 de outubro, no Centro Cultural CEEE Erico Verissimo. Uma das primeiras atividades da 56ª edição da Feira do Livro de Porto Alegre, o evento também fazia parte da programação do I Encontro Internacional de Jornalismo em Quadrinhos, promovido pelo Instituto Goethe.

Intitulada Non-fiction vs. Reality, a palestra teve como objetivo avaliar a importância de as HQs terem um segmento com viés realista, e o quanto isso é representativo como um documento histórico, tal qual uma reportagem. Dedicando grande parte da carreira a essa área, Harder iniciou a explanação apresentando um panorama de seu trabalho. O desenhista (“não me considero um artista”) esteve em cidades como Marselha (França), Lucerna e Basileia (Suíça) e Jerusalém (Israel), onde observou e fotografou detalhes do cotidiano dos habitantes e posteriormente registrou em livros. “Posso dizer que a ficção não é tão importante no meu trabalho, já que tomo a realidade como ponto de partida”, explicou ele, dizendo que sua obra se resume, basicamente, em retratar “as cidades e seus moradores”.

Assim como Harder, Barber cresceu na Alemanha Oriental antes da derrubada do muro de Berlim. Mais conhecido pelo pseudônimo “Atak”, o desenhista já começou a palestra avisando que era um “intruso” ali. “Estou no lugar errado, pois há dois anos não faço mais quadrinhos”, advertiu ele, que hoje atua principalmente como ilustrador freelancer. “Sou um grande fã dessa arte, mas nunca pensei muito nessa divisão em ficção e não ficção”.Justificando seu nome artístico, o cara passou boa parte do tempo “atacando” o colega. Observou que, por mais que Harder se esmere em reproduzir os costumes de uma região, nunca deixará de apresentar apenas uma versão dessa realidade. Harder respondeu justificando que apenas o próprio local pode retratar tal realidade com fidelidade, “o resto são reflexos, representações”.

Atak também questionou a função dos quadrinhos enquanto jornalismo, uma vez que, para ele, é difícil documentar um período histórico sem parecer datado no futuro. O colega ressaltou que nem sempre é assim. “Estive em Israel há alguns anos e a realidade hoje lá não é muito diferente do que era na época”, ponderou.

Uma amostra do atual trabalho de Jens Harder, a trilogia Alpha, Beta e Gamma (Foto: Divulgação)

No entanto, Harder acredita que os quadrinhos não têm como exercer a mesma função que um veículo mais ágil, como a televisão. E nem é esse o objetivo. “Não me interessa procurar tumultos, atentados. Não fujo deles, se eles acontecerem enquanto estou produzindo o trabalho, estarão lá. Mas é bem diferente da TV, onde, se não houver conflito, não há notícia. Pode-se dizer que somos os repórteres mais lentos do mundo, mas o que retratamos não ocorre num único momento, é algo que está sempre acontecendo”.

Questionado sobre o motivo que o levou a deixar de escrever HQs, Atak vacilou. Ficou elogiando a linguagem dos quadrinhos, alegou que ainda aprecia muito esse tipo de leitura, mas no final acabou explicando porque mudou de ramo. “Com as ilustrações sinto ter mais liberdade. Chegou um ponto em que escrevia quadrinhos e me sentia numa prisão muito grande, pois é algo muito repetitivo, a gente sempre sabe como vão ser o início e o final”, disparou.

Harder defendeu seu ganha-pão argumentando justamente o contrário. “Não me sinto preso desse jeito, e muitas vezes não faço ideia de como vai ser o resultado final”, rebateu. “Meu trabalho mais recente, a trilogia Alpha, Beta e Gamma (sobre o desenvolvimento da Terra e do universo nos últimos 14 bilhões de anos) deve levar 15 anos para ficar pronto, e considero isso desafiador.”

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