Quando o brilho vem dos coadjuvantes

Os coadjuvantes Melissa Leo e Christian Bale roubam a cena em "O Lutador" (Crédito: Imagem Filmes)
Os coadjuvantes Melissa Leo e Christian Bale roubam a cena em "O Vencedor" (Crédito: Imagem Filmes)

Se há uma modalidade esportiva que costuma produzir bons filmes, essa é o boxe. Foi assim com Rocky (filme de 1976 com Stallone), Menina de Ouro de Clint Eastwood (mais recente, de 2004) e Touro Indomável de Scorsese (na minha opinião o melhor deles). Deve render bons filmes porque o ambiente do boxe favorece duas narrativas clássicas: a da superação e a do declínio. O complicado, e é aí que nasce o nível de sua qualidade, está justamente no modo como o cineasta vai mostrar essa trajetória. Em Touro Indomável, por exemplo, Martin Scorsese fez poesia com a câmera acompanhando os passos de Jake LaMotta (papel de Robert DeNiro) utilizando, inclusive, peças de música clássica enquanto o boxeador se movimentava pelo ringue. Ao mesmo tempo, acompanhávamos seu vício em álcool e drogas, que levou sua carreira ao limbo.

Diferentemente do filme de boxe de 1980, O Vencedor*, do diretor David O. Russell, acompanha a tão almejada ascensão do boxeador Micky Ward. O início do filme, entretanto, já nos dá a dica de quem realmente brilha: é apresentado o irmão de Micky, Dicky Ward, um ex-boxeador que se orgulha por ter derrubado Sugar Ray em uma luta realizada no final da década de setenta. Ele é conhecido em toda a região de Lowell e agraciado por ter colocado a pequena localidade no mapa. Poderia realmente ter sido um gênio se não tivesse se viciado em crack

É nesse momento que o filme cria um “choque interno” em relação a sua própria narratividade. Qual personagem seria mais interessante de se acompanhar? O maluco, drogado e talentoso boxeador Dicky Ward ou o seu irmão em busca do título mundial? É um problema que o filme demora um pouco a resolver, pois só fica realmente definido quem é o protagonista – que acaba se tornando mesmo o Micky, aliás, interpretado por um morno Mark Wahlberg – perto da metade do filme.

A partir daí acompanhamos a busca de independência de Micky da sua família – principalmente da mãe que também é a sua empresária e do irmão que é seu treinador –, a  fim de tratar mais profissionalmente sua carreira. A relação que constrói com a sua namorada Charlene o ajuda a cortar o cordão umbilical.  Depois dessa separação, observar-se-á um conflito muito bem conduzido pelo diretor Russel: Micky, mesmo ciente que o irmão pode mais atrapalhar do que ajudar devido ao seu vício, sabe que não pode ganhar o título mundial sem a ajuda do talento nato de Dicky. O que Russell faz? Coloca a cena mais tensa, aquela que representa a luta interior dos personagens, em cima do ringue. É ali  no ringue do ginásio de treino que os três personagens chaves (Dicky, Micky e a mãe, Alice) buscam se entender. Só que ao invés de socos, são desferidos palavras ressentidas pelo lado de Micky contra Alice, que sempre o colocou como uma sombra de Dicky.

Nesse momento é que os dois talentos que mais chamam a atenção durante O Vencedor justificam suas vitórias como atores coadjuvantes no Globo de Ouro e a alcunha de favoritos também para o Oscar. Dicky, Christian Bale, e Alice, Melisa Leo, conseguem traduzir com muita atenção seus personagens coadjuvantes, porque ajudam o personagem principal a evoluir a partir das transformações de seus atos. Depois da cena em cima do ringue, Dicky toma atitudes diferentes e passa a pensar no melhor para o seu irmão, assim como Alice que compreende que deixara Micky em segundo plano durante boa parte de sua vida. E, assim, quando os dois personagens coadjuvantes extremamente carismáticos evoluem e ajudam o protagonista em sua busca final, no caso o título mundial do boxe, fica evidente que O Vencedor é um filme de coadjuvantes, uma história que é mais bonita e atrativa pelos “cantos” do que pelo “meio”.

* Indicado ao Oscar de Melhor Filme, Melhor Roteiro Original, Melhor Ator Coadjuvante e Atriz Coadjuvante, entre outros.

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Jornalista, Especialista em Jornalismo Digital pela Pucrs, Mestre em Comunicação na Ufrgs e Editor-Fundador do Nonada - Jornalismo Travessia. Acredita nas palavras.

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