Texto: Paulo Finatto Jr. (paulofinattojr@hotmail.com)
Fotos: Liny Rocks (http://www.flickr.com/linyrocks)
Os incontáveis anos de espera pelo Mr. Big deram ao show realizado na capital gaúcha, no último fim de semana, um contorno especial. A banda norte-americana, considerada um dos principais nomes do hard rock, possui uma imensa massa de fãs que esgotaram, com dias de antecedência, os cerca de dois mil ingressos disponíveis. Em cima do palco, o quarteto promove o bom “What If…” (2010) proporcionou um dos melhores espetáculos que a cidade abrigou – e provavelmente abrigará – em 2011.
Na contramão do inverno rigoroso que assolou a capital gaúcha nos primeiros dias de julho, o segundo domingo do mês amanheceu com uma temperatura agradável e convidativa para um show, mesmo com a constante promessa de chuva. Não por acaso que desde cedo, por volta das 10h, os primeiros (e mais fanáticos) fãs formaram o início da fila da que daria a volta na quadra do bar Opinião momentos antes da abertura dos portões, às 19h30. Os ingressos, que custavam R$ 140 no último lote, eram vendidos pelos cambistas a R$ 200. O público aumentou constantemente até encher a casa minutos antes do espetáculo, programado para às 22h.
Com precisão quase cirúrgica, o Mr. Big entrou em cena às 21h56 em meio a uma faixa introdutória e muitos gritos da plateia, que se amontoava em bom número em frente ao palco. Eric Martin (vocal), Paul Gilbert (guitarra), Billy Sheehan (baixo) e Pat Torpey (bateria) iniciaram o espetáculo de modo extremamente coerente e oportuno, sobretudo para os fãs que acompanham a banda desde os anos noventa: com dois de seus principais clássicos. “Daddy, Brother, Lover, Little Boy (The Electric Drill Song)” e especialmente “Green-Tinted Sixties Mind” animaram por demais a plateia, que cantou do início ao fim cada uma das faixas com o vocalista Eric Martin.
De modo muito claro, a performance do power-trio de instrumentistas do Mr. Big é digna dos maiores elogios. Não há nenhuma outra banda em atividade que possui em seu line-up a virtuose e a excelência de Paul Gilbert nas seis e a técnica e o carisma de Billy Sheehan nas quatro cordas. A atuação consistente e vibrante do quarteto norte-americano, aliada a músicas de forte impacto (sempre com um refrão grandioso), colocou o público nas mãos da banda mesmo durante a execução de músicas menos conhecidas, como as recentes “Undertow” e “American Beauty”, retiradas do novo “What If…” (2010). Por outro lado, “Alive and Kickin’” contou novamente com o acompanhamento de palmas e das vozes da plateia – praticamente em uníssono – durante o seu ápice.
Para muitos, o show do Mr. Big valeria à pena apenas pelo hit “To Be With You”. No entanto, era impressionante como praticamente o Opinião inteiro acompanhava cada uma das músicas executadas pelo quarteto norte-americano, como se dominasse cada ponto da carreira do grupo, entre “Mr. Big” (1989) e “Actual Size” (2001) – apenas para não citar mais uma vez o novo disco. As peripécias de Paul Gilbert, que chegou a fazer um ou outro solo com os dentes, teve sequência em músicas como “Take Cover” e na baladinha “Just Take My Heart”, outro destaque à parte do repertório. Do mesmo modo, “Once Upon a Time”, um dos destaques absolutos de “What If…” (2010), confirmou que o Mr. Big concentraria a sua atuação em uma performance verdadeiramente acima da média, sem alternar entre altos e baixos.
Porém, é nítido que o vocalista Eric Martin não possui mais a mesma voz que registrou os excelentes “Lean Into It” (1991) e “Bump Ahead” (1993). De certo modo, o cantor nunca conquistou a mesma fama que nomes como David Coverdale ou Glenn Hughes. O timbre atípico da sua voz – relativamente próximo àquilo que Vince Neil faz no Mötley Crüe – é seu o grande diferencial, mesmo que claramente desgastado com o tempo. Porém, a sequência intensa de shows pela América do Sul – dizem que a banda dormiu pouquíssimas horas na viagem de São Paulo a Porto Alegre – pode ter pesado significamente na performance de Eric Martin. Na sequência, o grupo esbanjou carisma e muita vontade (apesar do cansaço acumulado) nos curtos solos que antecederam a diferenciada (para os padrões do Mr. Big) “A Little Too Loose” e “Road to Ruin”, que foi muito aplaudida.
Depois de “Merciless” – que não chegou a empolgar como o restante do repertório mais vibrante da banda –, Paul Gilbert assumiu a dianteira do Mr. Big para um solo virtuoso e provavelmente aguardado com ansiedade por boa parte dos presentes. O atestado da qualidade de Gilbert como guitarrista pode ser dimensionado pela quantidade de câmeras e celulares estendidos para o registro da criatividade do músico com o seu instrumento. Em seguida, a nova “Still Ain’t Enough for Me” antecipou “Price You Gotta Pay”, que foi ovacionada já nos seus primeiros acordes e que contou com um solo de gaita assinada por Billy Sheehan. Em versão estendida – com direito a muitos outros solos e brincadeiras de Eric Martin com a plateia –, o grupo ainda encontrou fôlego para prosseguir o espetáculo com “Take a Walk” e “Around the World”, antes de “As Far as I Can See”, certamente a faixa de maior impacto retirada do novato “What If…” (2010).
Os mesmos que vibraram com o solo de Paul Gilbert se deliciaram com as peripécias de Billy Sheehan durante os minutos que esse esteve sozinho – acompanhado apenas do seu instrumento – no palco do Opinião. O guitarrista do Mr. Big pode até ser apontado como a referência técnica (cérebro) do quarteto, mas é o baixista que extravaza toda a vibração (coração) do rock n’ roll. A banda executou a clássica “Addicted to that Rush” (com o acompanhamento das vozes do público) antes de se despedir pela primeira vez dos gaúchos.
De volta para o primeiro bis, as baladinhas “To Be With You” e “Wild World” – que misteriosamente não foi executada no show em São Paulo na noite anterior – animaram os gaúchos antes da pesada “Colorado Bulldog”. Porém, mesmo sem se despedir de vez, o Mr. Big retornou ao palco para o derradeiro e inusitado final. Com Paul Gilbert na bateria, Eric Martin na guitarra, Pat Torpey no baixo e Billy Sheehan no vocal, a banda executou boa parte de “Smoke on the Water”, do Deep Purple. A versão, que foi um dos destaques à parte do show, contou ainda com Pat Torpey no vocal, Billy Sheehan na guitarra (para o solo) e Eric Martin no baixo. Depois, já com o line-up original, a banda literalmente destruiu o Opinião com “Shy Boy”, de David Lee Roth.
Na despedida, Billy Sheehan agradeceu aos gaúchos pelo encerramento espetacular do percurso sul-americano da Around the World Tour 2011. Pode até ser o clichê mais óbvio do mundo da música, mas os cerca de dois mil fãs que compareceram ao Opinião presenciaram uma noite verdadeiramente única e maravilhosa de hard rock simples e direto. Nada merece um rótulo menor do que excelente – da produção assinada pela Abstratti à performance do Mr. Big – para as duas horas de show.
Excelente artigo. Excelente show.
Não há superlativos para descrever este show.