A cena reflete boa parte do cinema de Cameron Crowe e se encontra justamente no seu primeiro filme, o Digam o Que Quiserem de 1989. O jovem Llyod a fim de recuperar sua namorada, a CDF Diane, leva um rádio de mão com a música In Your Eyes do Peter Gabriel para tocar em frente a sua casa, perto da janela, onde a moça dormia. Encontra-se aí um dilema corrente nos filmes de Crowe: um protagonista desajeitado, ou desiludido que precisa encontrar um jeito de reagir e conseguir de volta o que perdeu, ou que necessita aprender a superar tal perda. O segundo elemento importante também se encontra aqui: a música, que, por muitas vezes, se encarrega de complementar o roteiro e a cena, dando voz aos sentimentos e sensações dos personagens.
Não é à toa que Crowe sabe utilizar com tanta maestria a música pop em seus filmes: sua trajetória é totalmente ligada à música, ele começou escrevendo artigos sobre bandas de rock até enveredar totalmente no campo do jornalismo musical. Teve êxito publicando em grandes revistas norte-americanas, como a Rolling Stone, com apenas 15 anos e também na revista Creem. Nota-se que diferentemente de uma trilha sonora, o autor não usa uma canção pop para marcar um personagem, mas sim para “explicar” o que está acontecendo naquela cena. E isso faz toda a diferença em seus filmes, sendo talvez sua principal característica. A música, literalmente, muitas vezes fala pelo personagem. Mais do que isso ela também é tema de discussão, como no filme Quase Famosos.
Como já citado, Crowe criou em Diga o Que Quiserem uma espécie de fórmula que usaria em todos os seus filmes, um clichê próprio, ou melhor, uma marca: o protagonista sempre masculino que precisa (re) conquistar ou enfrentar algo ou alguém – que normalmente é ajudado por uma coadjuvante feminina. Nessa lista, podem ser inseridos Tudo Acontece em Elizabethown (2005) , Vanilla Sky (2001) e Jerry Maguire (1996), além de Digam o Que Quiserem. Todos esses filmes tratam de protagonistas que centralizam a trama, e que servem de escada para os outros personagens brilharem.
Ele foge disso no filme a Vida de Solteiro (1992), mas é em Quase Famosos (2003) que isso muda com maestria. Muito influenciado pela própria trajetória e talvez por ser um cineasta passional (é visível a temática pela busca do humano, ou do que nos faz humano em seus filmes) e ter filmados aqui aspectos que lhe são tão conhecidos e caros, ele tenha acertado a mão. Quase Famosos é como se fosse uma carta escrita a um amigo, devido ao tom suave e pessoal que ele dá ao filme. William Miller, um garoto de 15 anos, acaba sendo contratado pela revista Rolling Stone para escrever um artigo sobre a tour da banda Stillwatter. O que se vê é um retrato do cenário musical dos anos setenta, um mundo que William idolatra, mas que, quando se encontra inserido, não se sente confortável. Deslocado, como todo protagonista de Crowe, ele encontra em Penny, groupie da banda, uma amiga – e também uma paixão –, pois, igual a ele, ela é, de certa maneira, uma deslocada naquele ambiente.
Crowe sai da mesmice de seu cinema aqui porque explora com maestria o lado mais humano que há nos personagens, principalmente de William: inocente, idealista, e que mantém sua crença no mundo do rock, mesmo após se chocar com algumas duras realidades. Mas principalmente, porque diferente de seus outros filmes, não se trata de um filme de protagonista, ou seja, não é apenas William que tem um problema para superar, mas sim todos os personagens. É por isso que a cena símbolo de Quase Famosos, e do ápice do cinema de Cameron Crowe, é aquela em que no ônibus de estrada, durante a tour, todos estão reunidos, cabisbaixos após uma briga, e de repente começam a cantar um a um, até chegar ao grande coro, com todos cantando juntos a música Tiny Dancer de Elton John. É a música falando por eles, ajudando a se unir novamente, e lembrando para o espectador que os problemas de todos ainda podem ser resolvidos.
Toda a filmografia de Crowe está disponível em DVD.