Lívia Maria Villela de Mello Motta é professora doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC de São Paulo e trabalha como audiodescritora e professora de cursos de audiodescrição desde 2005, sendo responsável pela elaboração de roteiros e formação de audiodescritores no Teatro Vivo. Recentemente ela organizou junto com Paulo Romeu Filho o primeiro livro brasileiro sobre o tema, o Audiodescrição: Transformando Imagens em Palavras. Nesse bate papo que tivemos com a Lívia por email ela nos contou um pouco sobre seu trabalho com a AD e o livro que lançou sobre o assunto.
Nonada – Como a audiodescrição ajuda na inclusão cultural de pessoas com deficiência visual?
Lívia Motta – A audiodescrição é um recurso de acessibilidade comunicacional que amplia, e muito, o entendimento das pessoas com deficiência visual em produtos audiovisuais. Ela permite uma equiparação de oportunidades, ou seja a pessoa com deficiência visual pode assistir e entender, assistir e comentar, assistir e tecer suas considerações a respeito do filme, peça de teatro ou outro espetáculo, sem depender de um amigo ou parente para lhe explicar aquilo que não pôde compreender pela falta da visão. Com o recurso, esse público, que tem sido historicamente e culturalmente excluído das artes visuais, poderá aprender ou reaprender a apreciar este tipo de arte, e passará também a consumir produtos culturais.
A formação de plateia, de um novo público consumidor, ávido por mais opções de entretenimento acessível, tem sido realmente um grande desafio. O Teatro Vivo, o primeiro teatro brasileiro acessível às pessoas com deficiência visual, tem apresentações de peças com audiodescrição todos os domingos, desde 2007, e dispõe de uma cota de convites para pessoas com deficiência visual, auditiva e surdos. Além de fazer a formação de audiodescritores e a elaboração de roteiros para as peças que lá são exibidas, também envio convites para as pessoas com deficiência visual, confirmo presença e, posteriormente, solicito o feedback. Este trabalho tem sido fundamental para a divulgação da audiodescrição, para o aprimoramento do recurso e para a formação desse novo público consumidor de cultura.
Nonada – Como foi o processo de criação do livro “Audiodescrição Transformando Imagens em Palavras”?
Lívia Motta – O livro organizado por mim e por Paulo Romeu Filho, o articulador do movimento pela audiodescrição no Brasil, e publicado pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, é uma coletânea de artigos e depoimentos de audiodescritores, pessoas com deficiência visual e pessoas videntes engajadas na luta pela implementação do recurso na televisão brasileira. É uma mostra significativa da produção intelectual brasileira sobre o tema, que registra os trabalhos pioneiros em filmes, documentários, óperas, peças de teatro, comerciais, festivais; além de apresentar um histórico e panorama brasileiros e a saga das leis e decretos. Reunir tudo isso, discutir terminologia e fazer o alinhamento teórico de todo o material, foi um trabalho intenso e demorado. Marco Antonio de Queiroz, o autor do prefácio, foi nosso interlocutor neste trabalho. O livro está disponível para download em diversos formatos acessíveis no site da Secretaria: http://www.centroruibianchi.sp.gov.br/sis/noticias.php?c=209, no site VER COM PALAVRAS: http://www.vercompalavras.com.br/livro e no Blog da Audiodescrição: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/
Nonada – Qual o objetivo do livro e qual a importância desse tipo de literatura para a evolução do estudo sobre audiodescrição?
Lívia Motta – O livro objetiva informar profissionais de TV, cinema, teatro, museus e outras artes visuais, assim como professores e alunos de cursos de audiodescrição, profissionais da área de Letras, Tradução, Comunicação e Artes, Educação e outras ligadas a questões de acessibilidade. Além disso, servirá como material de referência e apoio técnico-teórico para pessoas que buscam conhecer a técnica, que frequentam os cursos de formação de audiodescritores e que já trabalham com pessoas com deficiência visual.
O registro das experiências e pesquisas já realizadas no Brasil é muito importante para podermos dar continuidade aos estudos, e um incentivo para alunos e pesquisadores a investigarem os mais diversos gêneros e práticas como também as preferências do público com deficiência visual.
Nonada – Há muita pesquisa nessa área?
Lívia Motta – A pesquisa nesta área vem crescendo no Brasil, com trabalhos expressivos em algumas universidades federais como na Bahia, Pernambuco, Ceará, Distrito Federal e Minas Gerais. O professor Francisco Lima, por exemplo, da Universidade Federal de Pernambuco é o responsável pela organização da Revista Brasileira de Tradução Visual, uma publicação eletrônica, trimestral, de acesso gratuito, que discute a audiodescrição, legendagem, acessibilidade cultural entre outros temas.
Nonada – Qual a importância da classe artística para a evolução da audiodescrição no País?
Lívia Motta – O conhecimento sobre acessibilidade cultural e comunicacional é algo que precisa chegar até a classe artística, pois, desta forma, a audiodescrição poderá ser viabilizada em outras produções. Atores, produtores culturais, diretores, cineastas e outros profissionais desta área precisam saber que a arte pode também chegar até outros públicos e que o público com deficiência visual pode ver com palavras toda a riqueza dos cenários, dos figurinos, pode conhecer os personagens e suas características físicas, acompanhar o desenrolar do enredo com as entradas e saídas no palco ou na tela, os gestos e trejeitos, e tudo o mais. Para isso, preparamos um roteiro minucioso e de dentro de uma cabine transmitimos para fones de ouvido e receptores todas essas informações que farão toda a diferença para as pessoas com deficiência visual. Em filmes, programas de TV, a audiodescrição poderá ser gravada.
Nonada – E qual é a receptividade dos deficientes visuais? Há alguma história que mais lhe marcou?
Lívia Motta – É algo marcante perceber a emoção das pessoas com deficiência visual ao assistir um espetáculo com audiodescrição pela primeira vez. A ópera, por exemplo, é um espetáculo grandioso e ainda tão elitista, que mistura canto lírico com artes cênicas, música instrumental, literatura, poesia e dança, geralmente cantado em italiano. Os cenários, os figurinos são sempre magníficos e, sem acessibilidade, nada disso pode ser conhecido pelos cegos e pelas pessoas com baixa visão. Neste tipo de espetáculo, além da audiodescrição, também é necessário fazer a leitura das legendas.
Em uma parceria da Vivo com o Theatro São Pedro e a APPA – Associação dos Amigos das Artes, já foram oito as óperas exibidas com audiodescrição neste lindo teatro tombado pelo patrimônio histórico. Mais de 1000 pessoas com deficiência visual e seus acompanhantes puderam participar e se emocionar com Cavalleria Rusticana, Pagliacci, O Barbeiro de Sevilha, Tosca, Rigoletto, Don Pasquale, Norma e A Viúva Alegre.
As mulheres cegas, geralmente, deliram com os vestidos longos bordados com fartos decotes, os chapéus, babados, mangas bufantes e outros adereços; os homens com os heróis traídos, as tramas e intrigas, as poéticas declarações de amor. O depoimento abaixo ajuda a compreender o que a audiodescrição significa para a pessoa com deficiência visual:
“Acredite, este foi um dos mais maravilhosos espetáculos que eu já assisti. Eu nunca havia assistido a uma ópera, e acreditava que não iria gostar muito, e que talvez não fosse compreender, por ser esse um espetáculo todo musical. Mas qual não foi minha surpresa, quando pela audiodescrição eu além de compreender tudo o que se passava, me senti imensamente feliz porque até o repertório musical elas nos descreveram, sobre tudo o que cantavam e gestos que faziam, a sensação é de que realmente eu estava enxergando tudo.
Fiquei fascinada, desta vez inclusive me senti bem localizada. As audiodescritoras descreveram todo o ambiente interno, as cores das paredes laterais do palco, as cortinas, o lustre central do teatro… A descrição completa das vestes e dos acessórios dos atores, dos cantores, de tudo,, para mim foi perfeito…”
Nonada – A senhora ministra cursos de audiodescrição. Há muita procura? Qual deve ser o perfil do interessado? Como funciona esses cursos?
Lívia Motta – Ultimamente, a procura por cursos de audiodescrição tem aumentado. Acredito que com o início da veiculação da programação com audiodescrição na televisão a partir de 1º de julho, a procura cresça ainda mais. É uma nova profissão que exige dos interessados um bom comando da língua portuguesa, conhecimento sobre a deficiência visual, senso de observação, fluência verbal, bom repertório cultural, conhecimento sobre acessibilidade cultural. Pessoas com graduação em Letras, Rádio e TV, Cinema, Comunicações, Artes Cênicas, Locução, terão mais facilidade para desenvolver as habilidades necessárias. Entretanto, percebo que mesmo pessoas que são de outras áreas, se identificam bastante com o recurso.
Os cursos têm, em média, duração de 45 horas e são compostos de encontros presenciais e atividades em ambiente virtual de aprendizagem, mesclando aspectos teóricos com atividades práticas.
Por favor!
Desejo fazer o curso, sou de SP.
aguardo