Duas visões sobre a Video Games Live em Porto Alegre

Preparamos duas resenhas com perspectivas  diferentes sobre a orquestra Video Games Live que se apresentou em Porto Alegre no dia 12 de outubro. A primeira foca mais em quem já conhece o mundo dos games, e a segunda parte do olhar de quem foi a fim de descobrir. Confere aí!

Fotos Lucas Cunha

Video Games Live se apresentou pela primeira vez em Porto Alegre.

Uma celebração da Game Music em Porto Alegre

Há algo interessante e de certa forma único que ocorre quando a Video Games Live se apresenta: uma recepção empolgada e emocionada pelo lado do público. Não que isso não aconteça no show da sua banda favorita, ou em algum outro grande espetáculo; a verdade é que os fãs de games são fãs realmente apaixonados – e isso, ninguém pode negar. Outro fator é que muitas das pessoas presentes nos shows cresceram com aquelas trilhas, e, logo, ouvi-las também é resgatar parte de sua infância, da memória. Uma espécie de catarse coletiva, por que não? Na verdade não importa a cidade que receber a orquestra, sempre haverá gritarias, chuvas de palmas, enfim, uma algazarra da melhor qualidade. Duvida? Pode conferir em qualquer um dos inúmeros vídeos do registro de fãs no Youtube. Está tudo lá.

E, é claro, não foi diferente em Porto Alegre, local em que a orquestra de games tocou pela primeira vez no último dia 12 de outubro. Embora a reação do público seja espontânea, todo o espetáculo da Video Game Live é notadamente bem planejado, nos mínimos detalhes. O compositor veterano de trilhas de games, Tommy Tallarico, comanda a Video Games Live como um verdadeiro showman, falando pelos cotovelos, soltando piadas. Não que isso seja algo ruim, apenas um modo simpático e descontraído de entreter a plateia. Além disso, ele também toca guitarra em algumas músicas, como na primeira, o tema do jogo Street Fighter II. Durante a apresentação dessa música no telão, instalado atrás da orquestra e acima do coro, rodava um vídeo com a história do Blanka. Ora, estamos no Brasil, por que não começar o show com um personagem brasileiro, não é verdade?  Acabou dando certo, fora que Street Fighter II certamente é um daqueles jogos que mais pipocam na memória do público gamer.

Tommy Tallarico, criador e apresentador do Video Games Live e o excelente maestro, Wataru Hokoyama, interagindo com a plateia.

Depois disso, foi a vez do excelente maestro e compositor Wataru Hokoyama mostrar duas de suas composições: a primeira do game Afrika, pouco conhecido nessas bandas, que trata sobre ser fotógrafo de animais selvagens nas savanas e em seguida outra de suas composições, o Albert Wesker Fight Theme de Resident Evil 5, para delírio geral dos fãs de carteirinha da série da Capcom.  Os dois games, aliás, fizeram a estreia do Video Games Live, sendo tocados pela primeira vez nessa turnê. Quem fez participações especiais, mas sempre roubando a cena foi a jovem Laura Intravia, que fez fama na internet ao tocar temas de Zelda com uma flauta.  Não é por nada que ela é conhecida como “Flute Link”. A partir desses vídeos, ela foi convidada a participar da Video Games Live pelo próprio Tallarico. Ótima aquisição: seja tocando a flauta como no tema de Mario, ou no medley que fizeram em comemoração aos 25 anos da Série Zelda (um dos ápices do show), seja cantando, como foi no tema de Snake Eater, ou na ópera Tetris, Laura é fantástica. Sua voz e carisma agregaram muito ao show – alegrando, principalmente, aos marmanjos.

O que faltou, aliás, não foi participações especiais. Outra aparição muito importante também foi a do compositor da Blizzard Entertainment, Russel Browe, que levou o público ao delírio, quando comandou os temas de StarCraft II e World of Warcraft: Burning Crussade (com o direito a abertura do jogo em português!). Quando alguém da plateia gritou perguntando sobre o jogo Diablo III e o seu lançamento – como se sabe, o game é esperado há muito tempo – sem se exaltar, Russel  respondeu com um “in soon”, levando todos a risada.

Russel Browe, compositor de trilhas da Blizzard, comandou três apresentações.

Um dos pontos fortes da apresentação da Video Games Live em Porto Alegre foi, com certeza, o tema de Pokémon que pegou todo mundo de surpresa. Tallarico introduziu o segmento argumentando que os fãs mandavam emails, e pediam, em conversas com ele após o show, que fosse introduzida essa canção no set list. E, como o apresentador deixou claro muitas vezes, essa interação através de redes sociais, ou até, pessoalmente, ajuda a moldar o repertório do Video Games Live. Segundo ele, as escolhas da música, assim como dos participantes, está em eterna construção. Então começou a rodar no telão imagens do jogo Pokemon misturadas com imagens do desenho, incluindo aí a apresentação da equipe Rocket em português.

Interação, aliás, parecia ser a palavra chave do show, houve, pelo menos, dois momentos importantes em que elas ocorreram: na participação via Skype do “pai dos videogames”, Ralph Baer, que deu um olá para o público e trocou algumas palavras com Tommy. Outro momento foi quando o vencedor do mini concurso de Guitar Hero que aconteceu um pouco antes do início da apresentação subiu ao palco e tocou no nível expert a música The Pretender da banda americana Foo Fighters. O menino, de apenas 13 anos, conseguiu uma ótima pontuação e levou brindes para casa…

Para fechar a noite, um medley de Chrono Trigger/Cross, com Laura na flauta, simplesmente arrebatador. Entretanto,  o show só acabou mesmo com Still Alive, do jogo Portal da Valve, na voz de Laura Intravia e Tommy no violão. O público presente em bom número cantou e bateu palma junto, claro, e ovacionou toda a equipe do Video Games Live 2011 de pé. Felizmente, a decisão de incluir músicas novas e partes do show direcionadas especialmente para o público brasileiro (a música de Street Fighter, por exemplo, foi acompanhado somente por cenas do Blanka batendo em todo mundo) tornaram esta apresentação especial. Esperamos que a orquestra de games mais famosa do mundo retorne para Porto Alegre ano que vem. Público, com certeza, há. E, talvez, cada vez mais.

Música também para quem não é gamer

Por Mariana Sirena

Laura Intravia tocando flauta durante a música do encanador mais famoso do mundo dos games.

Em certo momento do Video Games Live, Tommy Tellarico mencionou que o espetáculo não era só para os gamers. Uma afirmação importante e um tanto quanto óbvia, já que se tratava de um show essencialmente de música, e a música é universal. Ainda que a origem das sonoridades esteja nos produtos da complexa indústria de jogos eletrônicos, sendo profundamente relacionada às suas narrativas e estruturas interativas, ela pode se destacar das telas e monitores para falar a um público mais amplo. Assim, para os leigos, assistir à apresentação foi uma incursão por uma parte da riqueza cultural que existe por trás da produção comercial dos games, como propôs o próprio apresentador.

Pois bem, encaixo-me na fatia do público recém referida – aquela que em momentos do espetáculo viu a plateia vibrar com o anúncio de que seria interpretada a trilha do tal jogo, sendo que nem o nome do tal jogo remetesse a algum território conhecido de memórias. A apresentação de imagens no telão de fundo ajudou-me a perceber como a música constrói o ambiente de cada jogo específico, ainda que as execuções não suscitassem as emoções que suscitaram em quem tinha um universo de lembranças e emoções relacionadas a elas. Sendo assim, o que ficou marcante, na minha percepção, foi a constatação da beleza da música feita para cada um dos games.

Orquestra emocionou o público, gamer ou não.

Falo das sensações que surgiram do fechar os olhos e deixar os ouvidos atentos apenas para os sons provindos da Orquestra Villa Lobos. As composições apresentadas são muito ricas, o que pode passar batido para quem se ater no aspecto visual da apresentação – aspecto extremamente atraente, como não poderia deixar de ser em se tratando de uma indústria (a de jogos) que se mantém muito pelas imagens. Neste ponto, caberia até mesmo um cuidado maior com o som, pois às vezes grupos de instrumentos eram ofuscados – menciono a harpa e o teclado, por exemplo, que tive certa dificuldade de ouvir.

Mas o conjunto de interpretações mostrou que o universo dos jogos eletrônicos abarca um esforço de músicos profissionais e criativos. Destaco a apresentação da trilha dos diversos jogos de Zelda, e os solos da talentosa flautista Laura Intravia, que superaram os exageros cometidos por outros músicos ao longo da apresentação.

Talvez a minha recepção do espetáculo não tenha tido nem um quarto da riqueza que teve para quem conhece os jogos e interagiu com eles, e talvez esta riqueza citada esteja fundamentalmente atrelada à experiência no ambiente cultural dos gamers e no conhecimento das relações ali estabelecidas. Ainda assim, e considerando os aspectos que precisam ser melhorados, o Video Games Live é um espetáculo que vale a pena ser assistido por qualquer pessoa, gamer ou não. Até porque música vale a pena, e para todo o mundo.

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Jornalista, Especialista em Jornalismo Digital pela Pucrs, Mestre em Comunicação na Ufrgs e Editor-Fundador do Nonada - Jornalismo Travessia. Acredita nas palavras.

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