O bom e velho Buena Vista

Por Ariel Oliveira (@aryeallarol)

Fotos: Mariana Gil (@marigilcarneiro)


Quem esperava o Buena Vista Social Club do álbum multi-premiado de 1997 pode não ter tido o que queria no show do grupo, no dia 21 de outubro, no teatro do Bourbon Country em Porto Alegre. Mas quem esperava isso talvez não fosse dos mais bem informados fãs do grupo cubano: grande parte dos grandes nomes daquela época já morreu – eram músicos famosos em Cuba antes da revolução de Fidel. Ainda assim, quem esperava o antigo (duplo sentido aqui) Buena Vista de 1997, pode não ter tido o que queria, mas certamente não se saiu do show decepcionado.

A Orquestra Buena Vista Social Club consiste de doze músicos – em geral treze, mas o alaúde de Barbarito Torres não estava presente no show –, e para esta turnê são acompanhados da convidada especial Omara Portuondo. Apenas dois participaram do famoso álbum de 1997, produzido e organizado pelo estadunidense Ry Cooder: Manuel “Guajiro” Mirabal e o ausente Barbarito; e junto com eles, é claro, Omara e Eliades Ochoa, mas eles não estão mais com o Buena Vista, investindo em carreiras solo). Alguns dos outros músicos, muito embora não estivessem no Buena Vista original, também são veteranos e participaram de outros álbuns da série que se seguiu ao de 1997. E mesmo os músicos mais jovens estão longe de ser novatos.

Jesús Aguaje, Carlito Calunga, Papi Oviedo e Idania Valdez

Jesus Aguaje Ramos, o trombonista, além de fazer vocais quando não está tocando, ainda é o diretor musical da orquestra, e já está com o grupo desde 1997. Seu trombone triste e potente não aparece tanto, mas faz toda a diferença quando toca. A Aguaje, se juntam, nos vocais, Idania Valdez e Carlos “Carlito” Calunga, o frontman, ambos mais jovens. Guardadas proporções, Carlito é Ibrahim Ferrer, Jesus, Compay Segundo e Idania, Omara (nesse show, Idania ficou mais no vocal de apoio, passando os vocais femininos para Omara, mas essa apresentação conjunta é especial, Omara e o Buena Vista não costumam se apresentar juntos). E embora seja discutível, desnecessária e até injusta uma comparação entre os substitutos e seus originais, pode-se dizer que, pelo menos, os substitutos são mais que os originais, pois tem mais funções, cumprem mais papéis, já que a banda hoje em dia é menor.

Rolando Luna e Pedro Pablo Gutierrez

Não deve ser uma tarefa fácil, carregar o peso de substituir grandes nomes da música cubana, para um músico de lá, deve ser uma honra e um imenso desafio. O pianista Rolando Luna se sai virtuosamente bem. Consegue se destacar, através de sua criatividade e óbvia virtuosidade no piano – e ainda aproveita para fazer referência a Rubén Gonzalez, o pianista original do grupo. Os solos de Rolandito são uma experiência à parte no show: vemos referências músicais incidentais a As Tears Go By e Capullito de Aleli (como Rubén fazia em seus solos, com The Carioca, por exemplo) e ainda ficamos (ou pelo menos eu fiquei) completamente chocados com a pura habilidade e familiaridade com o instrumento que ele exibia orgulhosamente. Um virtuoso.

Guajirito Mirabal, Luis Alemany e Guajiro Mirabal

Nos trompetes, estavam, além de Manuel Guajiro Mirabal, Luis Alemany e Guajirito Mirabal. Guajiro ainda toca como ninguém – a seu algo de boemia e leve feel europeu talvez se tenha acrescentado algum peso da idade (não que ele fosse exatamente jovem na época de seu álbum de destaque com o Buena Vista em 2004, que ganhou um Grammy latino e uma indicação ao Grammy). Luis Alemany, outro veterano que não estava no álbum de 1997, não teve nenhum solo, exceto quando Carlito o chamou para dançar, quando ele largou o trompete e se exibiu na salsa, e se sua dança não foi exatamente graciosa, pelo menos foi simpática. Guajirito, filho de Guajiro, mostrou muita habilidade nos seus solos, além de humildade, preferindo deixar o destaque dos sopros para seu pai.

Papi Oviedo e os percussionistas Ángel Terry, Alberto Hernandez e Filiberto Sanchez

Papi Oviedo, veterano do Buena Vista (apareceu em diversos álbuns da série desde 1999, embora não tenha aparecido no álbum inicial de 1997), foi, no entanto, o músico que decepcionou. Não sei se porque está mais acostumado a tocar como apoio ao alaúde de Barbarito ou se simplesmente não era a sua noite. Todas as vezes que era apresentado para um dos solos de seu tres (um violão cubano), ele parecia deslocado, tocando notas que soavam muito erradas com o todo da melodia ou em um ritmo bem diferente do andamento dos outros instrumentistas. Mas isso estava longe de  atrapalhar o show. O contrabaixista Pedro Pablo Gutierrez substituía Orlando Cachaito Lopez (falecido em 2009, o único músico que tocou em todos os álbuns da série do Buena Vista). Em seu único solo no show, Pedro Pablo esbanjou habilidade e mostrou um estilo muito parecido com o de Cachaito – inclusive em sua discrição durante as músicas. O trio de percussão, com Filiberto Sanchez, Angel Terry e Alberto  Hernandez, era de uma vivacidade surpreendente, sabendo além disso trabalhar muito bem entre si.

Omara "del Mundo" Portuondo contando as três palavras da música

Em suma, o Buena Vista é um ótimo grupo. E tudo ainda melhora quando acrescentamos Omara Portuondo ao palco. Era como se o show fosse outro. A voz, a simpatia, o humor e a inegável experiência de Omara foram suficientes para levar o público à loucura. Introduzida como “la mujer más sexy de Cuba”, ela tentou, tanto quanto seus 80 anos de idade permitiam, mexer as cadeiras, sem muito sucesso. Mas, não querendo ser ofensivo com Omara, ninguém estava lá para vê-la dançar. E como cantava. Idania Valdez é uma ótima cantora, e eu cheguei a me perguntar, durante a única música em que ela foi a voz principal, como ela seria em um show sem Omara, cantando as músicas conhecidas na voz da veterana. Mas esqueci essa ideia assim que Omara começou a cantar.  Ela entrou, cantou quatro músicas (uma versão bem longa de Quizás, quizás, quizás), saiu do palco mas ainda voltou para a última música, e ficou para o bis. Uma apresentação memorável.

Acho que muitas vezes sofremos de um culto ao passado por demais extremista. Percebo isso em mim bastante (inclusive, creio, nesse texto que você está lendo), mas vejo muito em outras pessoas também. E com esse show, o Buena Vista Social Club me fez perceber quão errada é essa visão. Não estou dizendo que eles tenham sido melhores que o Buena Vista com seus membros originais, mas também não estou dizendo que eles tenham sido piores. Digo, sim, que são músicos extraordinários, que fizeram o seu melhor em um ótimo show – e nesse caso, uma comparação desse tipo se faz completamente desnecessária.

Setlist
El Carretero
Rincón Caliente
Passaron los años
Buena Vista em Guaguancó
Señor Trombón
De Camino a la Vereda
El Bodeguero
Quimbombó
Bemba Colora
Chanchullo
[Entra Omara]
Tres Palabras
No me llores más
Veinte Años
Quizás, quizás, quizás
[Sai Omara]
Chan Chan
El Platanal de Bartolo
[Volta Omara]
El Cuarto de Tula
[Bis]
Dos Gardenias
Candela
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