Nem tudo fora do lugar

Por Edgar Aristimunho*

Segundo Edgar, trata-se de um "pequeno grande livro". (Crédito: Não Editora )

A provocação de um título por vezes nos leva aos confins de um novo autor. No caso de Rodrigo Rosp, não se trata bem de um estreante, já que o domínio de sua técnica já estava em plena gestação no livro de estreia A virgem que não conhecia Picasso (2009). Ali o humor e a sátira para retratar os jogos de sedução com escárnio já eram marcas. Rodrigo Rosp é, portanto, um autor que veio ao mundo literário para falar fundo das situações que aborda. Os seus dois livros mostram a evolução de um autor que conhece o estreito caminho que separa o real do fantástico, e nele transita com naturalidade, dando a impressão de um franco atirador. Mas Rodrigo não é. Em Fora do lugar (Não Editora, 2009, 80 pg.) as situações se multiplicam, os personagens cada vez mais perplexos e a realidade num crescente tom fantástico.

Fora do lugar é um livro de contos composto por 13 histórias que articulam de forma surpreendente a secura de uma realidade nua e cruel, que se mistura em suas fortes cores com as tintas de irrealidade, deixando o leitor com o fôlego à flor da pele e o livro, claro, nas mãos. Entre os contos destacam-se, numa simetria casual, o primeiro e o último (“Fora do lugar” e “Agora, a dor se foi”) e três no meio do livro (“Sala de espera”, “Carrasco” e “Coração da noite”). Aliás, o conto que abre o livro (“Fora do lugar”) parece ser uma conversa do escritor não só com o seu estilo (a desconstrução do real irreconhecível; a perplexidade diante do fantástico encontrado), mas também um atestado de boas-vindas para o leitor que busca conhecer Rodrigo Rosp. E o conto não decepciona: do mundo que observamos ser criado entre quatro paredes, assistimos ao desespero de alguém que busca encontrar o seu ponto, como se o escritor Rodrigo estive dialogando com o texto, com a realidade, com a capacidade de seu leitor de despregar-se da realidade para mergulhar na pura literatura. E assim o livro segue até alcançar “Coração da Noite”, onde o choque intenção/realidade é levado ao extremo numa história de dor, sim, de terror, porque não, mas essencialmente de vazio desse finis hominis que o autor constrói ao longo deste surpreendente livro.

A grande força do livro de Rodrigo Rosp está no fato de inserir-se na linha evolutiva do realismo fantástico dentro da literatura brasileira. Herdeiro dessa capacidade literária de abordar o insólito com a naturalidade de quem transita entre o real e o realismo fantástico (entre nós os grandes mestres J.J.Veiga e Murilo Rubião), Rosp se destaca na paisagem. Como bem se observou no prefácio do livro, a capacidade que distingue o texto de Rodrigo Rosp está na disponibilidade em tratar de inúmeros temas de uma forma que causa ao mesmo tempo estranhamento e perplexidade. Tudo isso com ritmo e pulsação, fome e perversidade. O autor se entrega, com humor, aos dramas de seus personagens, que por mais estapafúrdios que possam parecer ao leitor “realista”, eles dizem de nós. Com um estilo ao mesmo tempo irônico e ácido, lírico e perverso, o autor construiu um pequeno grande livro que nos envolve nas 80 páginas que o compõe por falar da humanidade e seus transes.

Enfim, o livro de Rodrigo Rosp vai fundo nas situações que aborda. Em nenhum momento somos jogados num mundo perfeito e acabado – sempre há algo para o leitor resolver – e eis, portanto, a essência e o mistério de se fazer boa literatura. Para o leitor que apanhar essas histórias e, sentado na espreguiçadeira, com mãos presas ao livro e o fôlego suspenso no ar, concluir as 13 histórias de Rosp, o ganho é paradoxal. Porque ao final da leitura, ele perceberá que nem tudo está fora do lugar, antes o contrário. Mas também compreenderá que as certezas guardadas até então foram pouco a pouco diluídas e dinamitadas pelas histórias instigantes propostas pelo veemente autor.

*É escritor e revisor, com pós-graduação lato senso em Letras pela UniRitter. Tem publicado pela editoria Dom Quixote o livro de contos O Homem perplexo (2008) e participou da antologia Ponto de Partilha”. Escreve no blog O Íncubo (http://oincubo.blogspot.com)

Compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *