Albert Nobbs (Idem, Inglaterra/Irlanda, 2011)
Direção: Rodrigo García
Roteiro: Glenn Close, John Banville e Gabriella Prekop, baseado em conto de George Moore.
Com: Glenn Close, Mia Wasikowska, Janet McTeer, Aaron Johnson, Pauline Collins, Maria Doyle Kennedy, Mark Williams, Brendan Gleeson, Brenda Fricker, Jonathan Rhys-Meyers e Bronagh Gallagher.
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Eu queria muito gostar de Albert Nobbs. Era difícil ter outra reação depois de ler várias notícias sobre o carinho que Glenn Close nutria pelo projeto, lutando por anos para, afinal, realizar uma adaptação para as telas depois de estrelá-lo no teatro em 1982. No entanto, o roteiro burocrático (com participação de Close) e a direção pouco inspirada de Rodrigo García transformam uma história que tinha tudo para ser fascinante numa experiência morna e tediosa – que só ganha vida quando observamos o brilhantismo da composição da atriz.
Tendo como ambiente a Irlanda do final do século XIX, Albert Nobbs traz o personagem-título como o mordomo de um hotel. Respeitado pelos colegas por sua cortesia, Albert mostra-se um profissional impecável naquilo que faz. No entanto, fica aterrorizado quando sua patroa ordena que divida a cama com o pintor Hubert Page, que fatalmente descobre seu segredo: Albert é, na verdade, uma mulher. Assim, o mordomo é surpreendido quando Hubert revela encenar a mesma farsa de se passar pelo sexo oposto, tendo inclusive se casado com outra mulher. A partir daí, Albert passa a flertar com a jovem governanta Helen Dawes, que está perdidamente apaixonada por Joe Mackins, o novo empregado do hotel.
Esse é o ponto que mais fragiliza Albert Nobbs: o que, afinal de contas, leva Albert a tentar se envolver com Helen? Além da garota mostrar-se irritante e materialista, o fato de Albert travestir-se jamais dá qualquer indício de ser movido por algo além do desejo de um lugar ao sol numa sociedade profundamente machista – diferente de Hubert, cujo disfarce de homem é conveniente para mascarar sua relação homossexual. Além disso, Helen não possui qualquer recurso que possa ajudar Albert a abrir sua tão sonhada tabacaria, o que também exclui o “golpe do baú” ou algo do gênero. Assim, se é impossível acreditar no principal arco da narrativa, torna-se difícil se envolver com a história (sim, mais tarde há um instinto protetor de Albert para com Helen, mas isso não é o bastante para justificar sua aproximação inicial com a garota).
E isso é uma pena, já que o personagem Albert Nobbs se revela muito mais interessante do que o filme que leva seu nome. Mérito de Glenn Close, que supera as limitações do roteiro e transforma Nobbs numa figura comovente e que conhece os menores detalhes de seu disfarce. Estabelecido desde o início como elegante, contido e organizado (repare na meticulosa arrumação de suas gorjetas ocultas sob o soalho), Nobbs internalizou sua condição de “homem” de tal forma que até seu pijama é masculino – e a performance de Close reflete essa rígida auto-disciplina, empregando um tom de voz propositalmente mais rouco e grave que é abandonado apenas em um momento de desespero. E ainda que a expressividade da atriz seja um tanto comprometida pela maquiagem, seus olhos transmitem mais sentimentos do que diálogos, como atesta a cena em que Nobbs explica porque se veste e vive como um homem. Por sua vez, Janet McTeer, como Hubert Page, gradualmente afasta-se do clichê da “lésbica mulher-macho”, resultando numa atuação sensível e complexa (e é pena, portanto, que o relacionamento de Hubert e Cathleen receba tão pouco destaque). Entre o elenco secundário, a maior surpresa é o jovem Aaron Johnson, tão distante quanto possível de sua performance em Kick-Ass, encarnando com competência a frustração de um rapaz que percebe sua crescente similaridade com o pai a quem cresceu desprezando.
Porém, tudo isso é comprometido pelo roteiro, que, ao invés de deter-se mais nas questões já citadas (Hubert e a esposa, Nobbs buscando casar-se), investe muito tempo numa narrativa pouco fluida e em eventos dispensáveis como uma epidemia de febre tifóide que em nada contribui para a história – para não falar no ironia boba do momento em que o médico (dispensável) vivido por Brendan Gleeson diz o seguinte para Nobbs durante uma festa: “Eu sou médico, você é garçom. Estamos disfarçados de nós mesmos”. Por sua vez, o diretor Rodrigo García (filho do escritor Gabriel García Márquez) pouco pode fazer frente à morosidade da narrativa, embora não possa ser perdoado pelo simbolismo cafona do “varal com lençóis brancos”, uma imagem que surge duas vezes ao longo da projeção. Em contrapartida, a cenografia do filme é competente mesmo com um orçamento baixo para um filme de época – e é um detalhe interessante reparar nos figurinos empregados na única cena em que Albert e Hubert se vestem como mulheres, já que os vestidos surgem tão desproporcionais quanto se fossem usados por um homem.
Albert Nobbs, no final das contas, preocupa-se demais em trazer elementos da sociedade de sua época (falhando em despertar esse interesse) e, com isso, acaba sofrendo do mesmo dilema de seu protagonista: jamais descobre o que realmente quer ser.