John Mayer, o camaleão pop

Por Riccardo Facchini

John Mayer gosta de se transformar. Em todos os seus álbuns, o norte-americano traz elementos novos a sua música. No mais recente, Born and Raised, ele surpreende buscando sonoridades folk e country. Neste acréscimo, as levadas ficaram mais soltas, e as estruturas, mais simples. O álbum conseguiu o primeiro lugar na lista Billboard 200, com 219 mil cópias vendidas na primeira semana, ultrapassando Adele e seu multipremiado 21.

Born and Raised, novo disco de John Mayer, trouxe sonoridades folk e country (Crédito: Gary Lamar Askew II)

As estruturas complexas do início da carreira ficaram para trás. Instrumentos como harmônica – a popular gaita de boca –, pedal steel – espécie de guitarra que usa uma barra de metal para ser tocada –, muitos violões e guitarras tocadas com slide permeiam as composições, dando um clima rural do oeste dos EUA, mas sem deixar de lado o típico pop moderno de John.

Deixar para trás é um tema que aparece em várias letras. A nova fase é perceptível até mesmo no visual do artista: Mayer deixou os cabelos crescerem de novo e tem usado botas, chapéus e camisas jeans, parecendo um legítimo caubói (alguns anos atrás e hoje). Além disso, John se mudou para Livingston, no estado de Montana, uma pequena cidade de sete mil habitantes próxima ao Parque Nacional de Yellowstone, ou seja, em áreas de campo e montanhas, o que dá muito sentido à nova sonoridade de Mayer.

 Nos últimos anos, o músico esteve envolvido em polêmicas devido a desastrosas entrevistas que deu, que renderam muitas críticas; além disso, relacionamentos conturbados e de finais infelizes, o divórcio de seus pais e o granuloma nas cordas vocais completam os problemas pessoais que John afirma estar deixando para trás. Tudo isso foi determinante para que ele resolvesse mudar seu estilo de vida, o que se refletiu na sua música. Já na solar “Queen of California”, música que abre o disco e que foi escolhida para o segundo single (veja aqui a capa), percebe-se todo esse novo clima.

 A excelente “Shadow Days” é uma das músicas que melhor simbolizam essa nova fase do artista e é por isso que foi escolhida para ser o primeiro single, além de ter sido a primeira a receber um clipe. No refrão John canta que o início e os difíceis anos recentes o fizeram ver que é uma boa pessoa, com um bom coração, e que agora finalmente aprendeu a deixar a parte ruim para trás. A simplicidade que perpassa o álbum pode ser sentida aqui: apenas voz, violão, baixo e bateria, todos de maneira bem solta, constroem o núcleo principal da música. Ao longo de seu andamento a música cresce com o lap steel, guitarra e teclados, ganhando bastante força.

Novo álbum traz um John Mayer mais acústico e calmo (Crédito: Gary Lamar Askew II)

A reflexiva faixa-título é um belíssimo lamento que versa sobre a dificuldade em lidar com o fato de estar no mundo por conta própria. Vale a pena ouvir com atenção as fantásticas harmonias vocais, que contam com a participação dos lendários David Crosby e Graham Nash, do trio Crosby, Stills & Nash – que mais tarde ganhou a companhia de Neil Young. O divórcio dos pais de Mayer é mencionado na letra. Complementando o verso inicial de “Speak For Me”, aqui ele diz: “Ainda tenho sonhos / Eles não são mais os mesmos / Eles não voam tão alto como costumavam”.

Na ótima parte final do álbum, “Walt Grace’s Submarine Test, January 1967” traz a história de Walt Grace, que, detestando a vida que levava, simplesmente resolve construir um submarino em casa e atravessar o mundo. Conforme diz a letra, sua mulher disse às crianças que ele havia enlouquecido e seus amigos o diziam que ia morrer se tentasse; mesmo assim, trabalhando duro, ele segue em frente com seu sonho. Para mim, a melhor letra já feita por Mayer; curiosamente, é a primeira narrativa ficcional que ele produziu, apesar dos tons autobiográficos. No quesito melódico, vale destacar a linda introdução, com uma belíssima melodia de trompete, e as rimas, que, muito bem construídas, dão ritmo à música.

 Logo depois da melhor letra, “Whiskey, Whiskey, Whiskey” nos brinda com, ouso dizer, o melhor trabalho vocal já feito por Mayer até agora, e olha que ele já venceu cinco vezes o Grammy de Melhor Perfomance Vocal Pop Masculina. Além de todos os problemas já citados, John andou passando da conta na bebida também. Sua voz nesta faixa tem uma suavidade que dá um tom frágil à canção. O produtor do disco, Don Was, disse que usou algumas gravações de antes de John fazer a segunda cirurgia, logo, a fraqueza e a voz levemente rasgada e rouca fazem todo o sentido. Destaque também para os teclados de Chuck Leavell, que dão a aclimatação perfeita, não só para esta faixa, mas também no álbum todo; o músico já trabalhou em dez álbuns dos Rolling Stones (quase todos desde 1983) e com artistas como Eric Clapton, Black Crowes e The Allman Brothers Band.

“A Face To Call Home” praticamente encerra o álbum, e do jeito que já está se tornando clássico em um disco de John Mayer: uma música crescente, com grande impacto depois da subida. Começa de um jeito suave para depois de um interlúdio, na metade da canção, ganhar um poderoso riff de guitarra que leva a música a outro patamar, com os vocais crescendo junto. Uma típica música de show.

 Por fim, temos a vinheta “Born and Raised (reprise)”, que volta ao tema do tempo (“Em metade do tempo terei o dobro da minha idade”), e a faixa bônus “Fool to Love You”, disponível apenas para quem comprar o disco pelo iTunes. Uma crítica: fica difícil entender a lógica de dar faixa-bônus para quem compra o disco virtual, e não o físico. Penso que o beneficiado com uma música a mais deveria ser quem compra o CD ou vinil, já que estes, além de tudo, são os mais caros.

 Eric Clapton afirmou sobre John: “Acho que ele se perdeu ao tentar ser esperto, ele é o seu principal sabotador e vai continuar se as pessoas deixarem”.   

Na biografia de Steve Jobs, grande fã de folk, há um trecho que fala do músico, fã dos produtos da Apple: “‘John Mayer é um dos melhores guitarristas que já existiram, e só receio que ele esteja destruindo isso’, respondeu [Steve]. Jobs gostava de Mayer e o convidava ocasionalmente para jantar em Palo Alto. (…) Jobs comentou: ‘Acho que ele no fundo é um garoto realmente legal, mas acabou fora de controle’”.

 Parece que ele se deu conta disso e resolveu mudar. Mayer, além de grande guitarrista e exímio vocalista, ainda é um compositor de mão cheia e que tem se tornado cada vez melhor ao longo dos anos. Neste álbum ele diz que está procurando fazer seu disco para a posteridade, apesar de, segundo Elton John, ele já ter feito sua parte. Born and Raised o coloca de volta na estrada certa. John já disse que um novo disco deve aparecer sem demoras, já que, impossibilitado de cantar, ele tem usado seu tempo livre para compor.

 John Mayer, apesar dos problemas, ou talvez por causa deles, fez um belo álbum. Não é um disco que vai entrar para listas de 10, 50 ou 100 melhores da história, mas com certeza é um dos melhores do ano. Steve Jobs certamente ficaria orgulhoso.

Steve Jobs e John Mayer na Macworld de 2005(Crédito: Justin Sullivan)

 Track List:

1 – Queen of California

2 – The Age of Worry

3 – Shadow Days

4 – Speak For Me

5 – Something Like Olivia

6 – Born and Raised

7 – If I Ever Get Around to Living

8 – Love Is A Verb

9 – Walt Grace’s Submarine Test, January 1967

10 – Whiskey, Whiskey, Whiskey

11 – A Face to Call Home

12 – Born and Raised (Reprise)

13 – Fool to Love You (faixa bônus para o iTunes)

 Veja aqui Greg Leisz gravando o lap steel da música “Queen of California”:http://www.youtube.com/watch?v=8K0tjE9f5k&feature=player_embedded

Referências: ISAACSON, Walter. Steve Jobs. Companhia das Letras. São Paulo, 2011.

 

*Estudante de Jornalismo da UFRGS

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